Passos Arcanos - Capítulo 250
– Vê o motivo da Ordem dos Magos não aprovar sua ida, Mestre Trindade. – Orion não deixou de admirar o círculo mágico, a runa e os símbolos de Martin Crons. A vivacidade dos seus raios ainda era um mistério a se estudar. – Se uma família pode fazer isso sozinha, ter outras migrando para serem pilares também causaria caos.
A boca de Sindromeu era reta. Seus olhos focados, abertos e surpresos. Ele não podia esconder o choque.
– Entendo perfeitamente. Nunca esperei que os Baker possuísse um batalhão tão forte.
– Batalhão? – Orion passou os braços para trás das costas. – Esses são meus principais comandantes. Cada um comandará um exército algum dia. Preciso de pessoas talentosas, minha vinda aqui não foi apenas para combater as leis, vim por causa dos jovens Magos e Cavaleiros que a Ordem não pode alavancar.
Lá embaixo, batalhas pequenas ocorriam perto de uma hospedagem. Um grupo de Cavaleiros dos Caçadores de Órgãos parou de avançar por conta de uma mulher. Os cabelos banhados pelo sol e uma túnica tocada pelos Sete Infernos, as chamas a sua volta se tornavam afiadas aliadas, com cerca de seis inimigos já cremados ao seu redor.
Mais para o centro, dois irmãos lutavam fortemente blindados por armaduras feitas de pedra. A magia auxiliava em seus golpes, mas eles protegiam uma casa cheia de crianças e idosos contra seis Magos.
Diversos pontos da cidade, as batalhas que ocorriam aumentavam o número de mortos. Salvar as pessoas era a parte difícil, sem o Palácio para se esconderem, sem os Magos e Arche-Magos, como fariam? Encurralados a lutar até serem mortos, esses brotos cheios de talento e energia eram desperdiçados.
– São muitos – disse Sindromeu com ar preocupado. – Mesmo que o senhor vá, como vai conseguir ganhar de tantos?
– Não posso deixar essa posição, Mestre Trindade. Eu disse ao Rei Alquimista que ia livrar a cidade da destruição, e farei isso. – Uma runa escura formou-se debaixo de seus pés. A largura dela chegou a tomar uma parte do palácio. – ‘Epik: Batalhão Milenar do Inverno’.
Aquela parte do Palácio tremeu violentamente. Sindromeu separou as pernas e se equilibrou com dificuldade, e quando parou, notou as figuras paradas ao lado de Orion Baker. Um elmo retorcido, as placas de ferro feitas da noite mais escura e uma presença constante. Uma poeira escura caía das armas e armaduras, recheando o piso com alguns pequenos montes.
– Parecem vivos – exclamou engolindo em seco.
Na parede do palácio, mais de uma centena deles. De pé, sobre o vidro, esperavam a ordem. Encaravam o solo, sem tremular.
– Vão.
Eles se moveram juntos. Seus pés descolaram da vidraça do palácio e ele tomaram queda livre. No entanto, não foi suficiente nem mesmo para arranhar suas botas metálicas. Bateram fortemente contra o solo cimentado, o rachando, e se levantaram correndo.
Os vultos negros começaram a correr pelas vielas e becos de Vila Velha. Orion marcou cerca de trinta pontos, e eles se dividiram pelo caminho. A jovem que comandava as chamas tomou um susto, mas os soldados do Inverno Milenar passaram como uma flecha acertando os inimigos com extrema facilidade.
Ela notou de onde vieram e olhou para cima. Orion Baker ainda estava parado, sua face adiante.
– Deveriam ter projetado esse plano melhor – disse para Sindromeu. – Atacar apenas selando o palácio foi bem ruim. Os Caçadores de Órgãos não trabalhava tão descaradamente.
– Já os encontrou antes?
– Ah, sim. Algumas vezes. Por algum motivo, eles gostam de aparecer onde estou. Pode ser o destino pedindo a morte de um de nós ou apenas uma grande coincidência. – Orion não ligava qual deles era. – O importante é que a aparição deles me entrega uma oportunidade sempre.
– O ataque a Vila Velha é uma oportunidade para você? – a pergunta soou meio dramática demais. Orion o olhou, o rosto do homem estava tenso. – Esse lugar tem centenas de famílias. Deixar que seja destruída…
– Não confunda minhas ações, Mestre Trindade. Jamais deixaria que as pessoas daqui morressem. Olhe para as muralhas, os Cavaleiros e Magos pararam de entrar. Eu enviei quem estava comigo para lidar com esse avanço, e usei a magia para travar os combates. Ninguém pode sair ou entrar agora.
As jaulas de ferro realmente não havia sido mexida ou alocada para outra posição. A muralha era surrada pelos poucos guerreiros. Sindromeu conhecia pouco aqueles jovens, nunca esperou que suas habilidades fossem afiadas ou que superassem a guarda da cidade central da Ordem dos Magos. Desde que encontrou estabilidade para sobreviver ali, sempre optou por ter um guarda-costas, e aprendeu naquele instante que nada adiantaria se o inimigo ousasse um plano tão fortificado.
No entanto, para Orion Baker, aquele plano era medíocre.
Os Cavaleiros do Inverno Milenar acertaram os trinta pontos. Depois de derrubar os Magos e Cavaleiros, pararam. Aqueles que lutavam para ajudar os necessitados também ficaram tensos, eles não sabiam o que fazer.
Orion respirou fundo e usou ‘Visão Mental’ incluindo aquelas mentes talentosas e jovens. Eles sentiram um pequeno fio de mana adentrando suas cabeças e os interligando.
– Eu vejo o progresso de suas habilidades – disse formalmente. – Essas invocações são minha propriedade, feitas para ajudar aqueles que ajudam. Se olharem para o palácio, irão ver uma runa. – Esperou que se virassem. – Eu sou Orion Baker, líder da Casa Baker, em Keifor. Hoje, a guarda de Vila Velha se mostrou ineficaz e deixou claro que os jovens talentos que nasceram para lutar seriam mortos se nada fosse feito. Não indico que deixem esse lugar, mas eu reconheço suas naturezas. Cada um possuí um talento único que pode chegar até mesmo a Grande Mago, e eu ofereço as riquezas e conhecimentos que apenas minha família poderia disponibilizar para que o futuro seja certo. Suas carreiras como Magos devem ser maiores do que serem usados como uma reserva.
– E como saberemos que você não é um charlatão que está apenas querendo vir atrás da gente? – a voz soou distante, um dos pontos mais longes. – Você não veio batalhar, apenas mandou um monte desses animais adestrados no seu lugar.
– Se eu deixar o palácio agora, a chance que essa cidade tem de vencer é miníma. Eu prometi ao Rei Alquimista que não a deixaria morrer, e farei isso a qualquer custo.
Mais de vinte brilhos haviam se formado antes. Orion levou sua mão rapidamente ao céu. Discos negros apareceram e engoliram esses estranhos bombardeamentos. Sindromeu também foi pego de surpresa.
– Existe um último inimigo – Orion avisou. – Se protejam e levem as pessoas com maior risco para um lugar mais perto do palácio. Os Cavaleiros irão auxiliar. Não importa o que aconteça, não parem de andar até chegarem aqui.
Os jovens ouviram e não foram contra. As mulheres com crianças no colo choravam baixinho, os velhos tinham problemas para andar, e os deficientes carregados com ajuda dos outros. A cidade ainda era lambida por fumaça e fogo, atrapalhando a visão do céu.
Orion sentia aquela presença e não tirou os olhos de lá.
– O que pretende fazer? – perguntou Sindromeu, mais atento. Ele não conseguia ver o que estava além da fumaça. – Acha que está lá?
– Não acho. Está lá. Será um pouco chato, mas acredito que a verdadeira intenção dessa pessoa é causar tumulto. Se quisesse atacar, teríamos mais problemas.
Um ponto de luz clareou no meio da fumaça e Orion sentiu sua mente se interligando a dela. Não se alterou, uma magia única como ‘Visão Mental’ carregava muitas ramificações que poderiam replicá-la.
– Orion Baker, não é? – a voz da mulher era quase um sussurro. – É um prazer, de verdade.
– Nos conhecemos?
– Não pessoalmente. Tive apenas o privilégio de ver os planos do meu mestre serem interrompidos por um jovem tão teimoso. – Soltou uma risadinha. – É tão engraçado. Uma formiga tentando se sobrepor ao formigueiro inteiro. Uma linda cidade, tão linda que chega a ser difícil aceitar que será destruída.
Orion não oscilou. Aquele ataque anterior foi apenas para testá-lo, tinha certeza. Essa mulher, independente de sua posição, era convicta.
O vento mudou e a fumaça que cobria a cidade vagueou para mais longe. O esboço da mulher estava realmente lá, diferente do se esperava. Suas pernas eram cobertas por uma malha fina esverdeada, combinando com seus cabelos encaracolados da mesma cor, um rosto fino e bem alta, com mais de dois metros.
Era a mulher mais alta que Orion já tinha visto. E sua arma, uma imensa foice, ainda maior do que sua estatura. A risadinha retorcida em sua face lhe dava um aspecto mais sombrio, encobrindo a raiva dos olhos.
– Parece que não é uma mera soldado. – Orion desviou o olhar para baixo. As pessoas estavam sendo realocadas, os comandantes inimigos dominados, apenas um ponto ainda era ovacionado com estalidos e compressões. – Se fosse apenas pela cidade, eu entenderia.
Voltou a olhar para a mulher.
– Mestre Trindade, eu quero que fique aqui e mantenha a runa interligada. Dê comandos para os meus cavaleiros, e não deixe que nada aconteça com eles.
A runa saiu do palácio para a mão de Orion, e ele a repassou.
– O que vai fazer?
– Ela quer um pouco da minha atenção. – Desgrudou os pés do frio ferro e tomou voo. – Irei dar um pouco disso. Foque nos moradores.
Sindromeu segurou a runa e assentiu com força. O vento ainda soprava seus cabelos para o lado quando via Orion flutuar lentamente para o alto.
A mulher deu uma segunda risadinha e segurou a foice atrás das costas, na diagonal. Mostrava uma aura bem peculiar, cheia de mistério, com sua mana sendo tão refinada que Orion parou cerca de vinte metros.
Eles ficaram quietos, ambos ouvindo o sopro do ar contra seus corpos.
– Esperei tanto tempo por esse momento – disse ela. – Um Baker de verdade, como conheci nas histórias das minhas amas. Uma força diferente, fora da curva. Eu fico cheia de vontade de batalhar, mas meu mestre não queria que eu fosse até sua nova cidadezinha no norte. Eu iria destruir tudo, ia arrastar você para ele. Não quero isso, senhor Baker, quero apenas ver com meus próprios olhos como você consegue ser tão estranho como os rumos dizem.
– Veio aqui por motivos diferentes, eu sei. Mas, não é necessário se segurar. – Puxou o braço direito a frente. – No momento, só posso utilizar isso para confortá-la. Se deixar a cidade em paz, posso conceder esse pedido seu de lutar.
Ela levou a mão ao rosto e fez uma cara de choro.
– Que emoção. Eu estou tão feliz agora. Finalmente. Espere, espere. – Seus dedos foram a boca e um assobio alto percorreu a cidade. – Peguem apenas a jovenzinha e vamos embora.
Orion olhou para baixo. Oeste, onde Wallace tinha parado. Uma luta diferente, cheias de mana e magias era atiçada. Não era seu amigo, mas os raios e também as labaredas ganhavam vidas, algo diferente até mesmo do que tinha visto nos outros lugares da cidade.
Um berro grave soou. Os rostos assustados dos Cavaleiros inimigos vinha da fúria do imenso e poderoso Wallace Baker, recheado de sangue em suas placas de ferro, da ombreira com um leão e seu machado que não havia sido bloqueado até então.
– Ele é seu amigo, não é? Um Baker também. – A mulher se aproximou mais e Orion fez o mesmo trajeto numa distância segura. – Eu não quero matá-lo, mas ele está protegendo o nosso tesouro. Estamos de olho nela faz muito tempo, sabia?
Orion parou no ar e olhou para a garota. Uma imensa tristeza o cobriu.
– Cristina…
Os cabelos mais longos, o corpo maior, estava mais forte, com uma expressão mais dura. E em seus dedos, duas runas diferentes. Uma de cor amarelada e outra azul. Marcava posição atrás de Wallace e usava magia para ajudá-lo a combater os inimigos.
Havia sangue nela, mais do que em Wallace. Observou cortes em seus pulsos e nas pernas, não eram profundos, mas suficientes para ser bem doloroso.
– Você conhece nosso tesouro? – a mulher sorriu radiante. – Nosso mestre diz que ela é o nosso futuro. Uma alma tão leve, tão cheia de energia. Será o corpo perfeito para…
– Se ela está aqui, Poulius também está. – Virou o rosto para a mulher. – Onde está Joia Qujas?
– Ah, a garotinha dos Qujas. Sinto te dizer, mas nós já levamos ela na última semana.
Orion engoliu em seco e respirou fundo.
– Acho que vai valer a pena. Carsseral, pegue Cristina. Vou matar essa desgraçada agora.
Um portal pequeno abriu atrás do pescoço e o dragão saiu em miniatura, aumentando seu tamanho e descendo velozmente. A mulher observou descendo, mas antes de se direcionar, travou no lugar.
– Ei. – A aura assassina a abraçou. – Você vai me dizer onde está Joia e depois disso vou cortar sua cabeça.
– Sério? Cristina vai fazer uma bela amiz…
Orion sumiu. Ela arregalou os olhos e inclinou-se muito para frente. Uma imensa estaca de pedra perfurou o ar. Girando por baixo, ela puxou a foice de lâmina enorme na direção do pescoço de Orion. Uma segunda placa de pedra se originou, bloqueando.
A perna do Baker desceu, mas houve um recuou dela. Antes de conseguir estabilizar no ar, a palma dele escureceu seu olhar. Um medo tremendo correu na espinha da mulher, algo que não sentia fazia tanto tempo.
A foice reagiu em seus dedos, girando e cortando para cima.
– ‘Repelir’.
A arma foi jogada para trás, uma força oposta a travou. E Orion agarrou o rosto dela, apertando os dedos, a levantou e jogou mais alto. E sumiu, atravessando o espaço muito mais rápido do que antes. Em cima, fechou o punho e listras vermelhas tomaram sua pele, subindo até o cotovelo.
– ‘Viesk Gi: Punho de Pedra Flamejante’.
Uma crosta de terra se formou por baixo das listras, endurecendo a pele e a tornando uma manta vulcânica, extremamente rígida e quente. Orion desceu fortemente.
– ‘Lapso: Um Segundo’.
Algo se uniu a Orion, ao piscar os olhos, tinha retornado para mais perto do chão, antes de segurar o rosto da mulher e a lançar para cima. E ela estava no alto, estabilizando seu voo. Orion abriu a boca, chocado.
– Você é o primeiro que me faz usar uma magia ativa tão rápido, sabia?
A voz soou em suas costas. Ela tinha sumido do alto, e uma pressão esmagadora recaiu nos ombros de Orion. Entretanto, ela piscou e sua foice acertou o vazio. Vinte metros a diante, intacto, estava o Mestre dos Baker.
– Uma magia temporal ativa. – De costas, Orion olhou para sua própria mão deformada e cheia de faixas. – Uma Magia Única. Exatamente igual a Criston. Como aquele Mago de Raios que me enfrentou quando Joia era capturada. Vocês receberam essas magias, não foi?
– Sua mente raciocina muito rápido, senhor Baker. – A foice em sua mão rodopiou várias vezes e voltou a aparecer atrás costas. – Nosso Mestre é muito bondoso e nos presentou com elas. Mas, meu mestre precisa de um corpo novo, e Cristina é ideal. Não estou pedindo sua autorização, mas seu dragão não vai protegê-la.
Orion olhou para baixo. Carsseral estava travado no solo, recebendo um bombardeio de magias diferentes enquanto Wallace e Cristina se abrigavam por trás.
– Algo me prendeu – ouviu do Dragão de Prata. – Ainda não estou em minhas perfeitas condições. Preciso sair daqui agora.
Orion esticou seu braço e uma runa pequena se formou.
– Leve-a pra casa.
– Não, não. – A mulher esticou sua mão para Orion. Novamente, aquela energia o envolveu, travando seu braço e sua runa. – Não posso deixar isso acontecer, senhor Baker. Cristina é de suma importância para meu mestre.
Orion a olhou com os Sete Infernos em sua face.
– Vou destroçar qualquer um que fira minha aluna, e coloque seu mestre nisso. Ele vai ser o próximo, depois de você.
Com um fechar de mão, a energia se dissolveu e a mulher sentiu essa perda.
– Merda, você é sensitivo também? Eu só encontro gente forte, assim fica difícil.
O dedo de Orion se ergueu.
– Primeiro, seu braço.