Passos Arcanos - Capítulo 252
Quando Orion se libertou da amarra do tempo, a mulher agoniou sozinha. Aquele mundo cúbico se transformou em um inferno gélido, e depois espadas a perfuraram por longos tempos. Ele distorceu o espaço e a levou para o espaço, criando uma realidade quase verdadeira. Atormentou sua mente ao ponto dela se desligar completamente.
No ar, controlava o corpo dela, sem ter o que realmente fazer. Se o Tempo era uma Magia Única, ele poderia aprender. A batalha contra Omar chegaria alguma hora, e precisava estar ainda mais forte.
A magia que Anneton utilizou no Baile do Vidro, tentando ler sua mente. Abriu a runa dentro de seus olhos, tão azul quanto o céu, e penetrou a mente dela.
O céu sumiu, ele estava dentro de uma caverna. O cheiro era de plantas molhadas, as paredes bem úmidas e um trono feito de ferro se situava abaixo de uma luz bem forte, o centralizando.
— Reinna, aqui, minha garota.
Orion sentiu o braço balançar quando a garota passou correndo. Ainda era uma criança, cheia de risadas e divertimento. A voz que a chamou estava de pé ao lado do trono, um rosto cheio de vida, carregado de bondade.
O homem pegou a mão da criança, mas olhou na direção de Orion e aos arredores. Era como se estivesse procurando por ele. O tempo é bem complexo, pelo que parece.
Houve mais uma mudança. Dessa vez, estava parado dentro de uma sala, com outras duas crianças. Sentado junto delas, assistiam uma mulher apontar para o quadro e sinalizar círculos mágicos, símbolos e também ligações da mana.
Estavam aprendendo a como usar magias ativas e passivas. E mais uma vez, o cenário se alterou. Ele foi jogado para um pátio. Essas mesmas garotas estavam batalhando, si por si, desafiavam uma a outra com combate corporal e magias ativas em momentos críticos.
E o homem estava no fundo, assistindo pacientemente e com cautela. Questionava a instrutora sobre uma outra outra magia, além de argumentar sobre Arcanismo Comum e Natureza Arcana.
Novamente, Orion sentiu o olhar do homem recair sobre ele. Mas, perdeu-se em segundos.
— Algo errado, mestre?
— Não, apenas uma sensação estranha. — Continuou fitando a mais velha das crianças lidar com as duas com facilidade. — Pode ser que o tecido temporal tenha sido rasgado.
A instrutora ficou inquieta.
— Não é algo a se preocupar. Normalmente, o ‘Olhar do Céu’ tem uma restrição muito grande. Se uma das minhas meninas foi pega nessa magia, apenas terá algumas memórias arrancadas. A infância delas não é o auge.
Orion foi puxado novamente. Um lugar escuro, cheio de breu. De repente, labaredas emergiram por todos os cantos. Vigas de madeira caíam por todos os lados, as chamas lambiam-na ao ponto de se tornarem brasas avermelhadas.
Viu Reinna passar correndo pelos destroços encandecestes até o fundo da sala. Um armário tinha tombado, e abaixo dele uma das irmãs. Orion sabia o nome delas, sabia o lugar que estava, sabia do motivo das chamas.
— Jiase, por favor, acorda. — Reinna tentou pegar o armário e levantar, mas não conseguiu. Seu braço não aguentava. — Eu… vou te tirar daqui.
Seu desespero a fez olhar para todos os lados. Nada ali suportava o peso do armário. A fumaça no teto descia lentamente. Se não corresse, ela também cairia.
— Vai embora… — as palavras saíram da boca de Jiase com medo. — Sirene vai te matar também. Fuja.
— Não. Não vou embora.
Orion também procurou por algo ao redor que pudesse ajudar. Nada serviria. Continuou observando as duas irmãs conversarem, Reinna tentava consolar a irmã, o armário pressionava mais ainda suas pernas e barriga.
Uma morte lenta e dolorosa. Quando esteve no mundo do Feiticeiro Angular, sofreu ferimentos parecidos de todos os jeitos, de facadas e queimaduras, até mesmo assistiu seus melhores amigos e parentes sofrendo uma tortura infernal.
Esse tipo de dor lhe moldou.
Outro repuxo. Ele foi enviado para um salão de ouro. Pilastras se estendiam para todos os lados, as vidraças eram escuras, e o teto recebia luz de esferas brancas refletindo seu esplendo em cada canto. Aqueles que se vestiam como lordes e senhores eram reunidos para assistir algumas crianças brincando.
Reinna era uma delas, carregando uma maçã de um lado para o outro. Mordida, como se um animal tivesse tirado uma grande parte da lateral, a fruta ia de uma ponta da mesa a outra, hora tinha o pedaço fora e na outra inteira, completa.
A própria criança atraía olhares curiosos e cheios de atenção. Orion repudiava os comentários. ‘Incrível, ela poderia recriar membros perdidos dos soldados da guerra’ ou ‘caso alguém morresse, teria como revivê-la inteiramente’.
Mais ambiciosos ainda eram aqueles que desejavam o poder para si. O tal mestre que Orion via em todas aquelas lembranças recebia propostas de todos os tipos de pessoas. E por alguma razão, a cada resposta dada, Orion recebia um olhar.
O homem sabia que ele estava ali observando tudo, e nada fazia a respeito. O próprio passado já tinha sido alterado há muito tempo, e sabendo dos riscos, ele ainda manteve-se quieto e paciente. Cada vez que Orion entrava num lapso, ele estava lá, lhe fitando.
Mesmo não vendo completamente, sua presença na linha temporal era atenuante, fixa, imóvel.
— Fará isso apenas com minha pequena Reinna? — disse para um dos homens, mas sua visão era direcionada a Orion. — Ou deseja ver a verdadeira criação do Rei Verde?
Novamente, um fluxo o puxou para dentro de uma sequência de lembranças. Infância e adolescência, a criança chamada Reinna se demonstrou incrivelmente habilidosa em lutas a curta distância, mas recebeu uma arma que era quase o dobro do seu tamanho.
Por incontáveis dias, que se tornaram semanas e anos, Orion assistiu suas risadas, choros, lamurias e raivas. O distanciamento das irmãs ao não lembrarem do seu aniversário, dos finais de ano que procurou sozinha estar no topo da montanha onde morava observando as estrelas e usando a Magia Única ‘Tempo’ para conduzir suas próprias experiências pessoais.
A criança se tornou uma máquina de batalhar, não mais forte ou rápido do que suas irmãs. No entanto, sua inteligência com a mana e o Arcanismo Comum eram assustadores. Tirando Cristina e ele mesmo, Orion nunca tinha visto alguém com uma visão tão detalhada e minuciosa da verdadeira arte mágica.
E quando abriu os olhos novamente, Orion sobrevoava os céus de uma cidade recheadas de fuligem. Os destroços e lágrimas, os choros das crianças e velhos que perderam tudo, a sensação amarga da conquista de seus lares tirados.
Houve uma lágrima, caída do olho direito, e uma tristeza sem fim para os inocentes levados aquele estado.
As chamas que cobriam o palácio foram desfeitas. As janelas libertadas, as portas abertas. A imensa saída de Magos e Arche-Magos por todos os pontos preencheram as ruas pavimentadas de cores alternadas.
Orion sabia que não era culpa deles. Mas, eles deviam estar lá para proteger aquele povo. E os que foram levados, aquelas pessoas estariam assustadas demais para reagir e se fizessem, era capaz de serem mortas. Pobres almas que nada tinham a ver, apenas no momento errado e num lugar certo.
A vida e a morte eram assim? Orion não sabia responder essa pergunta.
— Eles foram embora? — a voz veio em sua mente. Era Wallace. — Conseguimos tirar quase todos das jaulas, mas teve muitos que não conseguimos resgatar.
— Quantos?
— Orion, essa cidade foi atacada por um grupo grande demais para apenas nós lidarmos. Já foi incrível que a sua reação…
— Não foi o suficiente — Orion berrou do céu. Ecoou por quase toda aquela extensão, chegando até os que observavam do chão. — Eles vieram por causa da Cristina e levaram essas pessoas. Essa cidade iria ser completamente destruída, eles sabiam que eu estava aqui, que nós estávamos aqui.
Nayomi Defoul, Martin Crons, Tito Baker, Heivor Lobo Javali e Lumiere ouviam perfeitamente suas palavras.
— Esse povo sofreu algo que nenhuma criatura deveria sofrer. Eles podiam não ser boas pessoas, mas serem feitas de escravos e comida é… apavorante. — Olhou para o seu braço esquerdo, ainda enfaixado. — Quero que saibam que não vou hesitar da próxima vez. Meu pai não hesitou, meu irmão não hesitou, e eu não vou.
Os dedos flácidos e ossudos voltou a ganhar massa e cor, o membro ferido pelo excesso de magia na batalha contra Jaimes Harrigan se esticou com uma runa acinzentada em sua pele.
— Eu dediquei vinte anos da minha vida para aprender sobre tudo que a magia poderia me ensinar. E mesmo assim não pude fazer nada. — Ele fechou a mão e a runa se despedaçou, retornando para dentro do seu corpo.
Martin apareceu no céu com uma calda azulada atrás de si e flutuou ao seu lado usando bombardeamento estático contra seus pés. Orion e ele se olharam por alguns segundos.
— Está na hora? — perguntou Martin. — Quer mesmo fazer isso aqui?
— A minha solidariedade e humildade me fizeram chegar até aqui. Eu queria apenas paz para minha família, mas não é um acordo. Estar comigo vai te fazer ser odiado, Martin. Escolha bem.
O Mago soltou uma risada.
— Eu já escolhi faz mais de um ano, seu idiota. Todos nós fizemos nossas escolhas. Precisamos saber se você fez a sua.
As casas ainda espalhavam as chamas pelo interior e também pelas árvores. O vento soprava o cheiro de magia pela devastação causada com pouco menos de uma hora.
— Qual guerra vai escolher?
— A mesma de sempre.