Passos Arcanos - Capítulo 260
— Ah, isso deve servir.
A aura ao redor de seu corpo expandiu para todos os lados ao mesmo tempo que ele ergueu a mão nua. A placa de ferro de seu ombro tintilou, e um forte vendaval começou a balançar sua roupa para trás.
A esfera era tão larga quanto a ponte, e feita de chamas, se tornava a reencarnação do próprio sol em terra. Medo ou angustia, nada disso passava em sua cabeça. Aquele era só mais um ataque, outro nas centenas que recebeu quando estava nas trincheiras, quando treinou, quando matou para sobreviver.
Esse é só mais uma magia lançada sem rumo para ferir as pessoas.
Ao tensionar as pernas, libertou todo o ar de seu pulmão num imenso rugido. A aura vermelha dobrou ao seu comando e uma imensa mão cresceu.
— Nada vai me segurar agora. — Sua perna direita foi a frente. A mão avançou três metros. — Em frente.
Mais um passo.
Yumo assistia os passos e ficava chocado. Aquela precisão de aura, além do rugido imerso em força. Um Cavaleiro não poderia fazer isso só com talento ou força de vontade, era necessário mais. Muito mais.
E então, veio o choque.
A esfera de Joun acertou a imensa mão. Um choque inicial deformou um pouco o ar e afastou as violentas ondas da borda da ponte de Ignolio. Entretanto, o que mais chamava atenção era que Wallace Baker não foi mandado voando ou recuou, ele ainda forçava seu corpo adiante, gritando sem cessar.
— Em frente! Em frente! — Mais dois passos e a mão se tornou maior do que a esfera de fogo. — Em frenteee.
A mão feita de aura simplesmente fechou seus dedos ao redor do sol em miniatura e o fez sumir pouco a pouco. Uma explosão de ar quente expandiu. As águas do oceano se afastaram e voltaram mais fortes.
Wallace as observou subirem. No ápice das ondas laterais, um brilho. Mais de cinco lanças foram arremessadas. Ele apenas brandiu o machado e aparou cada uma antes de acertá-lo. Em seguida, o brandiu na horizontal.
A água foi partida ao meio, como se fosse feita de papel. E o restante da água que se manteve no ar consolidou em puro gelo esbranquiçado. Ouviu-se uma palma, o gelo reagiu se transformando em afiadas lâminas finas e afiadas.
— É o Esquadrão das Trevas — gritou Yumo.
— Esquadrão? — Wallace soltou uma risada. — São apenas garotos se escondendo atrás de suas magias.
As lanças atravessaram o ar e acertaram-no. Os trinta metros que separava Wallace do acampamento não foram suficientes para conter todo o ar gelado que se propagou. A fumaça branca subiu e desceu.
— Foram mais de cinquenta — disse Sander, preocupado. — Senhor, o que fazemos? Eles vão vir para cá se não armarmos uma barreira imediatamente.
Yumo não desgrudou os olhos da ponte. Na descida completa da fumaça, o Cavaleiro ainda está de pé. Dezenas de estacas de gelo ao seu redor agarraram-se a madeira, perfurando-a. Sua estrutura as expulsou para fora logo depois. E Wallace Baker tinha o braço pouco inclinado, mais de dez mãos avermelhadas feitas de aura seguravam as lanças adiante.
— Ele ainda está vivo. — Muitos exclamaram juntos, em excitação. — Como ele consegue fazer isso?
— Sander. — Yumo esticou o braço, ainda fissurado na luta. — Não interfira, se Wallace Baker cair, pegue o machado dele e fique de prontidão para fugir. Aquela arma está lhe dando técnicas completamente diferentes.
— Senhor, isso… ele está aqui para ajudar, não está?
— Merda, Sander. — Yumo o encarou. — Mesmo que ele consiga ficar de pé depois de uma hora, ainda vai fraquejar. Se algum Sacerdote pegar aquela arma, nós estaremos em apuros. — Recuou a olhar para Wallace. — Mesmo que seja por um segundo, se ele cair, avance com quantos homens conseguir e pegue aquele machado.
De rosto pensativo, Sander concordou.
As lanças de gelo evaporaram, criando uma poça de água abaixo dos pés de Wallace. Esperou que o tal Esquadrão das Trevas recuassem para cima da borda da ponte. Eram mais de vinte usando roupas escuras, com cajados e varinhas. Além de um véu negro tapando seus rostos e chapéus quadriculares.
Wallace nunca tinha os visto em campo de batalha. Não era de se esperar também. Archaboom era o lugar para onde as parias sem talento ou reforço eram enviados para ganhar espaço e terreno. Poucos faziam história lá, e menos ainda viviam para contar sobre ela.
E pelas armas e como se moviam, não eram simples parias.
— Wallace Baker. — O mais perto, apoiado e tensionado na borda da ponte segurava uma espada fina, quase como se fosse uma agulha estendida. — O Capitão de Orion Baker, o Cão Imortal. Também conhecido como Machadeiro de Archaboom.
— Faz um tempo que não estou em Archaboom. — Ele pôs a arma apoiada no ombro. — Parece que estiveram se divertindo bastante por aqui.
— É arrogância ter vindo sozinho. A Ordem está cheio de gente como você, não é? Que vive de ilusões. — Sua Agulha cortou o ar diversas vezes. — E eu vou ficar imensamente satisfeito em levar sua cabeça para o Norte e ver a reação de seu Mestre.
Wallace deu uma risada.
— Você se engana duas vezes. — Ele levantou o dedo. — Primeiro que não sou arrogante. Segudo, eu não vim sozinho.
Um turbilhão ressoou no final da ponte. Wallace nem precisou prestar atenção para ver quem era, apenas os gritos amedrontados e nervosos já lhe dava a resposta. As duas risadas abertas e uma explosão elétrica resultou numa pequena vibração em toda a ponte de madeira.
Os membros do Esquadrão das Trevas procuraram pelos dois. Mais de cinco Sacerdotes foram arremessados em sua direção, e uma fileira de mercenários derrubada por socos furiosos. Heivor apareceu surfando por cima da borda de madeira com seu peito exposto e seus punhos banhado em aura azulada.
— Onde está o espírito de luta de seus corações? — Seu grito arrastou mais Sacerdotes ao medo. — Eu estou aqui para lutar e não vou parar até que esse lugar seja varrido. Venham todos, estou esperando.
Mais de cinco deles pularam na direção de Heivor com suas espadas prontas. Giraram em cortes e atacaram coordenadamente. Suas lâminas roçaram o ar ao redor da besta em forma de homem que girava e deslizava entre os ataques.
Aparando com as mãos nuas uma espada, Heivor o jogou para o lado e defletiu uma lança, puxando o agressor para perto. Abrindo o punho, seus dedos agilmente acertaram o peito, pescoço e testa. Antes que o primeiro tocasse o chão, o segundo tinha sido imobilizado com um golpe no peito. A pressão do ataque o fez ser lançado na direção de Wallace.
O terceiro era mais rápido, mas Heivor saiu de cinco ataques fatais e rondou por baixo dele. Abaixou e usou uma rasteira, pegando desprevenido. Assim que as costas do homem tocou a madeira, o cotovelo do Lobo acertou sua garganta.
Como se ninguém tivesse ferido, o Esquadrão das Trevas continuava a avançar contra seu carrasco. Um por um, eles sentiram os dedos, a palma, o punho e até mesmo o pulso de Heivor os paralisar e derrubá-los com uma variedade de movimentos.
— Ele nem está usando armas — disse Sander. — E faz aquilo como se fosse fácil. Senhor, eles são só soldados do Norte?
Yumo não acreditava nisso nem que jurassem de dedos juntos. Wallace Baker já era uma lenda nas trincheiras, mas aquele acrobata que não usava quase nenhuma roupa era desconhecido para ele. Talvez, um trio de ataque concentrado em retomadas.
Soube recentemente por boatos de que Vila Velha tinha sido atacada e alguns homens do Norte estavam presentes. Wallace estaria lá? E esse outro? Yumo não tinha certeza de como a Ordem dos Magos seria afetada se esses dois estivessem soltos por ai. Pior ainda se estivesse sob o comando de alguém que não respeitava suas leis e imposições.
E houve mais uma explosão. Dessa vez, uma imensa onda foi gerada no oceano, se levantando e caindo na direção do Mago de Raio. Ele gargalhava e gritava com todas as forças. E mesmo recebendo as ondas no peito, não recuava de jeito nenhum.
— Sinto tanta animação. — Martin Crons conjurou uma runa para frente. — Vocês estão me enfrentando no meio do oceano e ainda estão encharcando a ponte de água. Eu me considero idiota, mas vocês são mais do que eu. — E tocou a imensa poça que se originou embaixo dos seus pés. ‘Lyn: Fagulhas do Céu’.
Os Sacerdotes recuaram na mesma hora. Centenas de fagulhas desceram e bateram contra a ponte. A corrente elétrica se estendeu por quase cinquenta metros a diante, petrificando os que não puderam correr.
E Martin uniu as duas mãos na frente do peito com extrema calma.
— Minha missão aqui é apenas tomar a ponte. Não pouparei ninguém. — Uma runa vermelha se expandiu atrás de suas costas e raios carmesins dançaram sob sua pele. Martin fechou a mão com esforço, seu dedos formigavam bastante. — ‘Lyn: Raio do Criador Usurpador’.
Uma rajada passou por dentro dele e dizimou tudo a sua frente. Uma tormenta vermelha continuou rasgando o que encontrava. E parou inesperadamente depois de cem metros. Não foi suficiente para proteger aqueles no meio do caminho, seus corpos se tornaram borrões escuros e carbonizados. Tão pretos quanto carvão.
Martin virou-se para Heivor e Wallace, não se importando com o que ou quem tinha parado sua magia.
— Nós limpamos esse pedaço da ponte. Agora deixem comigo, o resto é todo meu.
Heivor tinha a cabeça de um dos membros do Esquadrão das Trevas no meio de suas mãos, e o largou indignado depois de ouvi-lo.
— Não, nada disso. Eu também quero ir.
— Orion disse que eu ia ficar um dia sozinho, depois vocês podiam lutar. — Martin cruzou os braços, sem ceder. — Isso é injusto. Mantenha sua palavra, Heivor Lobo.
— Palavra? Eu falo com os punhos. — Os dois se encararam fervorosos. — Quero lutar também. Fica com a metade e a outra metade é minha.
— Nem pensar. Eu quero todos eles pra mim.
Wallace teve que respirar fundo e andar até eles. Quando chegou perto, os deixou discutindo por mais alguns minutos até que os Sacerdotes se reunissem mais e mais do outro lado da ponte. Notou que eles não avançaram como da última vez, e alguns deles até mesmo olhavam para o oceano.
— Eles estão esperando por reforços — disse os interrompendo.
— Reforços? — Heivor olhou para o oceano. Segundos depois seus olhos brilharam. — Eles tem navios de guerra também.
— Eles devem achar que somos a primeira parte do reforço da Ordem — explicou Wallace jogando seu machado para cima do ombro. — E devem ter trazido um monte de Campeões da Luz a bordo. Então, por que não se dividem e cada um fica com um?
Martin e Heivor se olharam e afirmaram.
— E melhor ainda — continuou Wallace. — Aquele que acabar primeiro pode voltar e lutar contra os inimigos do outro.
Martin apontou para a ponte adiante.
— Como eu vou lutar a sério se eles não aguentam nem dois minutos de trocação franca? Não é justo.
— Também acho. — Heivor assentiu duas vezes, convicto. — Eles são fracos demais. Vamos ficar no meio a meio. Mas, eu também não gosto de lutar no mar, então vamos trocar Martin.
Eles apertaram as mãos.
— Parece justo pra mim.
— Certo. Estou partido, então.