Passos Arcanos - Capítulo 264
A vontade dos homens tende a ser dominar um pedaço de terra. A vontade das espadas sempre carrega aqueles que um dia desejam proteger o que é seu. Se os homens possuem espadas, eles estão destinados a lutar para proteger ou conquistar.
O caminho da espada se tornou bem vago depois que os Magos e Cavaleiros mostraram suas superioridades mágicas. Alguns com mais força, outros com uma técnica avançada. O mundo era balanceado, a magia veio para afundar um dos lados e deixar a espada pra sempre guardada.
— Você está muito pensativa.
Nayomi piscou os olhos saindo de seus lapsos e virou-se para Mestre Cassiano. Ambos estavam abaixo de um sol escaldante. Observavam de um pier, o oceano estava calmo. Ali, um posto mais avançado da Ordem dos Magos, os dois ficaram para esperar os esforços do Clero caso investissem para a ponte, a Travessia de Ignolio.
— Sempre questiono minhas habilidades quando tenho chance, Mestre.
Ele resmungou e aceitou com a cabeça.
— A oportunidade de tentar enxergar sua própria capacidade deriva dos erros que possui. — Ele parou ao seu lado. O vento fraco lhe trazia uma recordação breve das Caldeiras e seu clima sempre calorento. — Eu me pergunto quais erros está tentando resolver.
— O mesmo que todos os Mestres de Armas possui. A fragilidade contra a mana.
— Ah. — Cassiano soltou um ar compreensivo. — Muitos tiveram a mesma dúvida depois de chegarem ao título de Mestre. Tive meus próprios devaneios com esse tipo de questionamento quando era mais novo, mas fui abençoado com um pai muito instrutivo.
Nayomi nada disse de volta.
— A resposta que você deve ter é aquela que sempre esteve com você. Uma resposta simples, como todas as outras que você encontrou. — Cassiano ergueu a mão e um fluxo azulado escapou de sua palma. — A mana foi feita para auxiliar toda a comodidade da vida. Por isso que quando aceitaram sua forma como uma arma, também foi trabalhada para ser obrigada a conquistar o mundo. A espada nasceu com um fundamento diferente, lembra?
— De proteger – respondeu simplesmente.
— Proteger a vida, proteger o lar, proteger os bens. Qual a diferença então? Se nós avançamos para ter mais também ficamos para proteger o que temos. A mana e a espada são praticamente as mesmas coisas, no papel. — Ele soltou um sorriso de canto. — Na prática, tudo é diferente.
— Exatamente como penso. Mestre, a espada pode ganhar da mana algum momento?
Mestre Cassiano fechou os olhos e respirou fundo. Os ventos fluíam do oeste, vindo do continente Élfico, mais puxados com o cheio do sal e também das flores que só nasciam naquele terreno tão exorbitante.
— Isso depende de quem está manejando a espada.
Os ventos mudaram e um grupo de Magos passou correndo de uma das pontes de pedra que ligavam a cidade ao porto. Em seus rostos, um brilho que havia desaparecido por anos.
— Mestre Cassiano, o relatório da batalha de Ignolio chegou. Os três Tenentes perfuraram a defesa dos Sacerdotes e estão ocupando por hora.
— Wallace tem dois dois melhores lutadores ao seu lado, já esperava que ganhassem. — A notícia era perfeita para levantar a moral da Ordem dos Magos. Depois daquele golpe semanas atrás, uma vitória maiúscula recobraria um pouco da dignidade. — Agora começa nosso trabalho. Quero dois Magos em cada ponto avançado e qualquer movimentação pelo oceano deve ser avisado.
A mão de Nayomi caiu em seu ombro.
— Acho que não precisaremos nos preocupar com isso. Eles já estão aqui.
Mais de dez navios saíram de trás de uma encosta com suas velas completamente abertas. O vento favorecia a transição e os levariam para a ponte muito mais rápido do que previam. Cassiano não gostou nada.
— Mande os Magos se posicionarem e façam uma chuva de fogo sobre eles. Os Magos de Água devem criar um refluxo e cortarem a rota adiante. Atrasem eles o máximo que puderem.
— Isso não vai adiantar – disse Nayomi prestando atenção na velocidade das embarcações. — Estão rápidos demais. Até se posicionarem, estarão na garganta dos três. Temos que bloquear eles agora.
Ela puxou sua espada e saiu em disparada pela esquerda.
— Corte os mastros – gritou Cassiano nas suas costas. — O mastro.
Seus pés tocavam o solo de pedra e desviava das caixas no meio do caminho. Deu uma olhada para o lado e viu o navio mais próximo quase vinte metros dela. Saltar seria impossível dali, teria que ter um impulso ainda mais alto.
De novo, não podia se comparar a magia, não quando tinha apenas a espada em sua mão.
— Merda.
Continuou fazendo a trajetória até as casas que serviam de base. Fez uma curva para a costa. A única chance que teria era uma pequena prancha montada para pescadores que viveram ali nos anos anteriores, anos da ocupação do Clero. Seu salto não seria suficiente.
Sua mãe sempre instruiu que ela tivesse as aulas de magia para que combinassem as duas entidades que governavam o mundo. Tedioso demais, cheio de histórias antigas. Ela gostava de ouvir sobre os antigos espadachins, sobre os homens que governavam a grandeza da lâmina férrica.
Desde sempre quis ser essa pessoa.
— A magia é só um componente adicional. — As palavras de Orion vieram em sua mente. — É como adicionar um imenso poder na sua habilidade. Por que não poderia conviver com os dois? Eu faço isso desde sempre.
O sorriso que ele sempre mostrava era o que mais admirava no homem que amava. Conheceu suas fraquezas, suas forças e também seus medos. Por que não sorrir mesmo no desespero?
— Velos: Traço Antigo.
A mana desceu para suas pernas e sua velocidade aumentou em três vezes. Passou correndo pela prancha de madeira e saltou no último segundo. O vento batia contra seu rosto, ouvia os gritos de alarmes dos Sacerdotes e um rosto bem familiar parado perto do timão. O Bispo Fred, um dos antigos lutadores das Guerras Marítimas, estava ali parado com sua feição dura a observando.
Sua queda foi direta para o meio do navio. Nayomi usou a tração que tinha e derrapou direto para o mastro. Ainda derrapando, girou três vezes e segurou o cabo de sua espada com firmeza. A lâmina arrastou por dentro da madeira grossa e saiu do outro lado bem lisa.
Arfava, o peito não ardia assim fazia anos. Um movimento tão arriscado, dependeu de fatores externos demais. Mas, estava contente. Conseguiu cortar. O mastro fez um som de arraste e os Sacerdotes gritaram correndo de um lado para o outro.
— Idiotas – disse o Bispo Fred descendo as escadas até o convés. — Usem a Arte Sagrada e o coloquem no lugar. É só um corte. Nada que não possam fazer.
Nayomi ficou ereta. Encarada por mais de vinte em sua frente, mais trinta posicionados para usarem suas manas e o Bispo Fred, uma figura que se tornou famosa por suas conquistas excepcionais.
E somente ela.
— Sua espada é afiada, senhorita Nayomi. Admito isso. — Fred não tirou os braços debaixo de seu casacão branco. — Considerada uma das melhores em sua posição, mas escolheu o lado errado dessa guerra. Uma espada como a sua pode cortar até o ferro, mas a magia, não.
— Vim aqui para testar isso.
Arrastou o braço para o lado e golpeou o mastro novamente. A lâmina passou rasgando como se fosse um papel. A madeira se partiu mais uma vez, uma terceira vez, e uma quarta. O mastro se rompeu e começou a tombar mais uma vez.
A expressão dura de Fred mudou para uma irritante.
— Mexam-se, idiotas.
Os sacerdotes rapidamente conjuraram suas bençãos. Nayomi viu a chance e avançou contra os três primeiros. Os cortou rapidamente, libertando gritos e desespero. Passou por cima de um rolando e viu Fred erguer o braço.
Um clarão surgiu e ela se jogou no chão, cortando a perna de mais um. Uma rajada passou onde ela esteve e acertou mais dois sacerdotes que tentavam suspender o mastro de volta. O corpo deles se incendiou e se deformou. Agarraram a própria boca, arrastaram seus olhos em um gruído seco e doloroso.
A forma como morreram era atormentadora.
— Você está destinando esses homens a morrer, Nayomi Defoul – disse Fred ainda de mão erguida. — Não tem pena desses pobres homens? Sua espada pode salvá-los?
— Eles não são meus aliados. — Ela disparou para cima de Frend. — Se quer matá-los, o problema é seu.
Mais dois disparos, Nayomi desviou, mas não conseguiu se aproximar nada. Fred ainda estava em volto de um manto brilhante. O instinto dela lhe dizia que caso chegasse perto, seria destroçada. Sua lâmina seria quebrada, sua vida ceifada.
Tinha que se manter distante.
Os sacerdotes ao seu redor também pareciam focados em não serem pegos nos ataques. O mastro estava sendo reposto, mas com os cortes, ele não ficaria de pé sem alguém conjurando alguma Arte Divina. Nos olhos deles, dos Sacerdotes, o medo de Fred ainda maior do que de Nayomi.
O quão monstruoso um homem era para que seus próprios subordinados o temessem dessa maneira? Nem mesmo sua mãe, sendo rude e tirânica com os treinos, era dessa maneira. A vida desses homens não era importante em nada para o Bispo.
— Por mais fácil que é matar uma pessoa, não achei que minhas técnicas não acertariam você. — O sorriso dele era podre, os dentes amarelos. Gananciosos. — Esse navio vai chegar na Travessia, de um jeito ou de outro. E não será só eu, mas outros também estão indo em encontro com quem conseguiu limpar aquele pequeno pedaço de madeira na água. Minha vontade é destruir aquilo e deixar os Elfos ilhados, como deveriam ser desde o começo.
— Acha que será fácil? — Ela passou a espada para a mão esquerda.
Fred deu de ombros.
— Nesse navio, eu estou limitado. Assim que eu pisar em solo firme, farei o inferno para vocês. Os Baker realmente tem alguma moral de colocar uma Mestre de Armas em uma coleira. — Ele não deixou de rir mais. — Como se sente sendo uma moeda de troca por um pedaço de terra?
Nayomi abaixou o braço e focou ainda mais em seu inimigo. Abaixou a respiração e segurou a raiva no pulso, mexendo levemente a ponta da sua espada para frente.
— A sobrinha do Imperador Nero, de talento indiscutível, sendo tratada como uma pequena mixaria para uma família desonrada ser colocada nos trilhos. — Mais e mais, o sorriso dele chegava a se tornar nojento. — Uma mulher com um futuro, agora trilhada a caçar navios porque eles mandam.
— Cala a boca. — Seus dedos pressionavam o cabo da espada com muita força. — Fique quieto.
— Eu deveria? Você deveria estar pelo continente, aprimorando suas habilidades, não estando…
A espada de Nayomi forçou para baixo e houve um tremor que ondulou até mesmo as águas do oceano. Os Sacerdotes ficaram mudos, Fred também fez silêncio. A madeira rangeu, e as duas partes começaram a se distanciar.
— Do que você entende? Eles lutam para um lugar melhor. Lutam para que as pessoas possam ter sonhos. Como ousa falar das realizações do meu futuro noivo? — Sua espada se ergueu. Fred tinha ficado surpreso. O navio estava realmente cortado ao meio. — Nunca lutou contra ele. Nunca viu como ele tem o respeito dos outros. O que um Bispo sabe dos assuntos dos Baker ou dos Defoul? Eu realmente estava um pouco pensativa, mas agora eu entendi.
Sua espada fez um novo arco para frente e ela correu na direção da borda. Fred não conseguiu acompanhar sua velocidade e ergueu a mão rapidamente. Nayomi já tinha visto aquela ação, um ataque direto.
Mas, no canto de seus olhos, uma gosma verde apareceu. O movimento veio de outro navio, e agarrou-se nas costas de Fred, o puxando. Nayomi abaixou o braço rapidamente. O corte foi no vazio, o Bispo realmente escapou dela. Entretanto, ao suspirar pelo golpe errado, outro rangido ecoou pelo oceano.
O navio tinha um segundo corte. A água começou a penetrar pelas cabines, sufocando as partes mais baixas da locomotiva. Com o novo peso adentrando, as partes cortadas foram sendo puxadas para o fundo do oceano.
Ela avistou mais cinco navios do Clero a distância. Fred foi puxado para o mais perto. Ele caiu de pé ao lado de uma mulher, que usava uma vestimenta parecida com a dele. Era nova, de face um pouco dura.
— Nayomi – a voz soou de cima. Martin Crons passava rasgando o céu com seus raios azulados. Ele desceu rapidamente e esticou a mão para ela. Sem negar, esticou e esperou o Mago dos Raios a pegar e subir. — O que foi aquilo? Foi incrível. Cortou o navio ao meio sem tocar nele.
A espadachim continuava fitando os navios do Clero e esqueceu de responder o amigo.
— Aquela lá eu conheço – disse Martin parando por alguns segundos. — É Monique Baker. Orion disse que ela era uma amiga antiga.
— Foi ela quem deu as costas para Orion, não foi? — E também conhecia bastante das fraquezas dele. — Martin, quero te pedir um favor.