Passos Arcanos - Capítulo 265
— Nayomi Defoul não é uma mulher fácil de lidar, Bispo – Monique o alertou ferozmente. — Ninguém sabe ao certo o motivo de ela ter chegado ao posto que tem apenas manejando uma espada. Deveria ter recuado.
Fred bufou e deu as costas para ela, indo na direção dos degraus que o levaria para o timão.
— Perdemos apenas um navio. Aqueles idiotas não conseguiram nem segurar um mastro. Morreram porque eram fracos.
— E eu te salvei pelo mesmo motivo – rebateu Monique o fazendo parar. — Melhor que esteja ciente de que sua vida é tão pequena quanto daqueles que deixou lá. Aquela espada o cortaria em dois. Sua Arte Divina é tão preciosa para não usar?
A mão de Fred, lentamente, tocou o corrimão de madeira da escada. O navio tremulou um pouco, todos sentiram. Monique sentiu o casco correr pelos seus pés, mas não se assustou.
— Colocar alguém como eu no mar é o mesmo que aprisionar uma fênix debaixo da água. — Ele deixou o navio parar de tremer. E começou a subir degrau por degrau. — Espere eu chegar em terra firme, Bispo Monique. E posso te mostrar.
Monique relevou e se virou para os sacerdotes. As ordens que recebeu foi apenas de comandar os reforços para tomar a Travessia de Ignolio novamente. Porém, nunca esperou que quem a tomou foi Wallace Baker.
Um dos pilares de Orion realmente estava se mostrando. Desde o combate do Papa Oculta e ele, Monique temia que se as coisas se arrastassem mais, Orion conseguiria ainda mais poder e mais conhecimento.
O talento dele era simplesmente impossível de se medir. Desde que tinha recobrado suas lembranças, salvo por mercenários, ela sentiu que sua vida tinha tomado um destino diferente. Fez um voto para aprender sobre o mundo, mas jamais teria qualquer envolvimento com o Arcanismo Comum.
O mundo dos Magos era simplesmente podre. O Clero também achava, mas Monique não poderia deixar tudo o que aprendeu para trás. Era exatamente por causa disso que se tornou uma das mais inteligentes alunas, subindo degrau por degrau até seu título atual.
— Uma jovem com um talento desse nível, se for capaz de ser aceita pelo Papa, será nosso futuro.
Os Cardeais pensavam que se Monique tocasse as vestimentas divinas, ela seria abençoada. Mas, quando seus dedos tocaram as vestes do Papa, nada aconteceu. Nada além de um sorriso de um homem com um pequeno chapéu na cabeça.
— Eles acham que isso te fará grande – disse o Papa. — A divindade reside no seu interior. Se estiver em conflito consigo mesmo, Monique, o que te moldará são dúvidas. Precisa crer tanto nos deuses quanto em si, na mesma proporção.
Ela aceitou esse fato. Levou sua habilidade de desvendar os segredos do Arcanismo para um nível que o Clero nunca tinha achado antes. Os erros do Arcanismo eram simples de desvendar. O nível que os Escolásticos da Ordem dos Magos se tornavam ridículos comparados ao que tinha visto nos anos que estudou com Orion Baker.
Aquele, sim, era impressionante. Sem falhas nas camadas diversas, talvez, com uma pitada de emoção. Monique demorava alguns dias, que se tornaram semanas, depois meses. Haviam projetos que Orion produzia em algumas horas, ela demorava tanto tempo que ele já tinha feito mais cinco.
Tanto desempenho para ser conhecido. Orion Baker era esse tipo de pessoa. Mas, Wallace, Oliver e Cassiano eram seus verdadeiros pilares. Para acertar um golpe profundo o suficiente, uma ponte, uma cidade ou pessoas ao redor deles, como os Anciões, nada disso importava. Os três principais eram esses.
E a zombaria de Fred acertava a própria Monique. Se ele conhecesse o real poder daquele que sobreviveu a cinco Bispos e o Papa Oculto, seria mais respeitoso com seus aliados. Subestimar Nayomi Defoul também era errado, bem errado.
— Ele não está nos melhores dias – ouviu do Bispo Giovani, um dos recentes no título, mas que continha uma responsabilidade um tanto quanto áspera. — Depois que seu irmão foi pego pela Ordem dos Magos, ficou ainda mais incontrolável.
— O irmão dele estava comigo no dia – disse Monique. Pela cara de Giovani, ele não sabia da história. Estavam se aproximando do último cruzamento que daria na Travessia de Ignolio. — Dariuu se sacrificou para que a gente fugisse dos Justiceiros. A Arte Divina do Papa Oculto consumiu muito do seu corpo. Por incrível que pareça, mesmo pegando o sangue do Dragão, nós voltamos com um sentimento de perda.
— Eu ouvi que o Mestre dos Baker lutou de igual para igual com o Papa Oculto, mas todos no Templo de Gisel não acreditaram. Um Mago tão novo não conseguiria enfrentá-lo de igual para igual, Monique.
Ela negou com a cabeça.
— Conheço Orion mais do que muitos que andam pela cidade que ele forjou no norte. Sei que cada passo que ele dá, cada livro que lê, cada combate que trava, mais forte fica. VilaVelha foi atacada por um grupo de escravistas, e ele destruiu os inimigos. A cidade seria devastada se não fosse por ele. Não quero acreditar no que vou dizer, mas é necessário. — Ela fitou o Bispo Giovani com amargura. — Temo que no próximo confronto de Orion com o Papa Oculto, o nosso lado vai ceder.
Se Giovani se expressou, Monique não soube identificar. Houve apenas um concordar, sem palavras.
— Acredita em mim? — ela achou divertido perguntar. — Se Fred ou algum Bispo mais antigo ouvisse, certeza de que falariam no meu ouvido sobre as histórias mirabolantes do Papa Oculto ou algo assim.
— Não é questão de não acreditar. É mais uma questão de não acreditar. — Ele fez uma pausa. — Sabe porque decidir vir nesse navio, Bispo Monique?
— Não.
— Quando a senhora se tornou a primeira mulher com o título, eu soube que era especial. E depois, soube que vinha de uma família diferente. De um lado do continente diferente do nosso. Uma mentalidade diferente da nossa. — Ele escorou a mão atrás das costas. — E quando afirmou que podia derrotar o Mestre Baker, que conhecia as táticas dele, e deu informações que somente alguém que conviveu com ele por anos, eu sabia que alguma hora seu futuro traria algo que eu queria.
— E que seria?
Os olhos de Giovani estavam vazios.
— Quero vingança.
Monique não via a serenidade dele como uma calma genuína. Ele se protegia atrás daquilo por algum motivo.
— Contra os Baker?
— Contra a Ordem dos Magos. E para acertar a Ordem, eu preciso acertar na família que tem maior influência hoje dentro daquelas paredes. Como bem disse, se Orion Baker tem a possibilidade de derrotar o Papa Oculto, então ele será meu foco. A Travessia de Ignolio não pode pertencer a ele, então, que seja o sangue daqueles que o seguem a serem derramados hoje.
Monique aceitou suas palavras. A Ordem dos Magos receberia um golpe ainda mais forte se a Travessia de Ignolio fosse retomada no mesmo dia. Não importava se haveria um batalhão esperando por eles, Fred e Giovani não teriam misericórdia.
Com o passar do tempo, o navio fez a última curva, avistando a enorme ponte que interligava os dois continentes. Sua extensão era uma das conquistas mais antigas da Ordem, e Monique admirava a construção por ter se mantido de pé por tanto tempo.
Agora, era o símbolo da derrota para eles.
— Senhora – um dos Sacerdotes se aproximou. — Reportando. Temos a certeza de que os Magos recuaram cerca de duas horas atrás. Não temos mais notícias. Parece que todos os batalhões recuaram.
Giovani não disse nada, mas Monique achava estranho a atitude da Ordem.
— E quem ficou para defender a Travessia?
— Os nossos batedores infiltrados disseram que não tem ninguém na ponte agora.
Era ainda mais estranho. Wallace Baker deveria estar lá, como o último relatório relatado. Para onde eles tinham ido?
— Parece que dentre nossos inimigos, existe alguém inteligente – disse o Bispo Giovani. — Recuar agora nos deixa com a certeza absoluta de uma emboscada no futuro, mas como isso beneficiaria eles?
— Acha que eles esperariam o anoitecer?
— Quem sabe o que eles querem fazer? — Giovani não tinha nenhum tipo de emoção estampada. Era como uma pedra. Monique odiava isso porque não podia lê-lo completamente. — Talvez, ter lutado contra as nossas forças fez com que suas baixas o obrigassem a voltar para o acampamento.
— Por isso Nayomi Defoul apareceu? — Monique concluía com sentido. — Ter ficado e segurado por um tempo nossos navios deu tempo para eles fugirem. E ela também não veio atrás da gente.
O Bispo concordou e girou o corpo na direção de Fred. O outro Bispo tinha se instalado ao lado do capitão, apenas fitando o céu com sutileza. A feição de Fred não era de paz, era de raiva e aborrecimento. Ele abria e fechava a mão de tempos em tempos.
— Ele não vai querer recuar, não agora – disse Giovani. — Aconselho que tomemos a ponte mesmo sem saber o que iremos enfrentar.
Ela concordou. Andou pelo convés na direção a escada e pisou no primeiro degrau. Ao erguer o pé para o segundo, um imenso tranco ressoou no navio. Toda a estrutura se remexeu para o lado e os Sacerdotes foram jogados no chão.
Giovani se segurou na borda e olhou ao redor. Monique esperou que alguém alertasse de onde estava vindo o golpe, mas nenhum dos sentinelas nas bordas conseguia entender o que tinha acertado.
O segundo baque a levantou e jogou vários para cima. Ela se agarrou a corrimão de madeira e viu o Capitão capotar para trás. Sem alguém para segurar, o timão começou a girar furiosamente e a direção do navio mudou, indo para a outra embarcação, a direita.
— Fred, assuma o controle – gritou Monique da escada. Outro terremoto, e ela usou o impulso que recebeu para cima e se jogou para o topo da escada. — Fred, não vamos conseguir…
Monique olhou além do Bispo, para seus navios aliados. Eles também estavam sendo bombardeados. Porém, os cascos dos navios estavam rachando lentamente. E o oceano parecia tremular junto deles.
— Está vindo do fundo do oceano – gritou para todos os Sacerdotes. — Sustentem o impacto com camadas de mana, agora.
Caídos no chão, os Sacerdotes usaram o máximo da sua concentração e tocaram o casco. A madeira rangeu com tantos tatos ao mesmo tempo, porém, Monique observou que os outros estavam sendo bombardeados ainda e eles não.
Fred tinha tomado o timão e puxado para frente. Eles estavam próximos demais, mais um pouco e atravessariam uns aos outros.
— Giovani – chamou Monique de cima. — Alerte aos segundos ramos que temos problemas. Eles precisam vir imediatamente.
O Bispo tocou as duas mãos e criou uma esfera luminosa na mão. E soprou. O ar desfez a esfera em partículas e se espalhou no ar. Giovani tinha suas próprias maneiras de fazer as coisas, realmente diferente dos outros.
— Senhora Monique – alguém gritou da ponta direita. — Tem uma onda vindo na nossa direção.
Ela encarou para aonde o homem apontava. A Travessia de Ignolio tinha sumido da visão deles, substituída por uma imensa onda azul que vinha na direção deles. Essa continuidade de eventos estava deixando-a com calafrios.
De onde estavam vindo todos esses ataques?
Giovani respondeu antes dela. Um imenso tufão se remodelou em sua posse e ele lançou para frente. A água se enroscou no imenso tufão, sendo puxado para cima e se desfazendo aos poucos.
— Temos que atracar – Fred estava nervoso ao seu lado. — Se ficarmos no meio do oceano, vamos ser alvos fáceis. Precisamos de terra firme, agora.
— Para o porto, então.
Ela procurou onde os antigos navios Elfos atracavam. Estava vazio. A Ordem realmente tinha recuado, mas de onde tudo isso estava vindo?
Aos poucos, o navio se estabilizou no porto. Monique esperou que os Sacerdotes saíssem para então observar a situação dos seus aliados ainda no meio do oceano. Os cascos foram destroçados e ondas fortes jogavam boa parte dos destroços de um lado para o outro.
— Eles orquestraram tudo? — Fred ficou ainda mais irritado. — E onde eles estão?
Monique também queria saber.
— Não temos como voltar agora – disse Giovani olhando de onde vieram. Uma parede rochosa se formou entre as montanhas submarinas e ilhotas. — Estamos presos dentro de uma bacia.