Passos Arcanos - Capítulo 270
— Quando entrou dentro das minhas terras, você deveria saber que estava sendo observado atentamente – disse Orion para o Feiticeiro. Não havia machucado ele, ainda. Só prendido seus braços e pernas na parede. Atrás de si, Orion tinha os Anciãos observando, afastados. — Posso não ser o melhor em termos de arrancar informações de um Feiticeiro, mas tenho os antigos melhores. No entanto, eu posso muito bem ler sua mente e sei que quem te enviou foi o mesmo homem que tentou atacar VilaVelha meses atrás.
A face do Feiticeiro não mudou, continuava a olhar para o chão.
— Depois que eu matei duas filhas dele, deve ter ficado chateado comigo. — Deu uma risada que deixou o preso angustiado. — Ter visto tudo acontecer foi o bastante para me sentenciar. Mas, Faltan Mideroni não é apenas uma isca, ela é dona das grandes terras do Deserto das Víboras. Não faço ideia do motivo, mas quando eles terminarem – Dest e Ringo passaram por Orion — você não vai estar muito bem da cabeça. Anciãos, eu deixei uma Magia Passiva instalada, ‘Tempo Retornado’. Quando danificarem demais esse prisioneiro, ativem. Vamos ver quanto tempo ele aguenta ser destruído e reconstruído.
— Sim, Mestre Baker.
Orion não saiu imediatamente. Ele andou para mais perto do Feiticeiro e falou baixinho:
— Ter os Baker como inimigo foi a pior das suas escolhas.
Não demorou para ouvir os gritos soarem pelos corredores. E logo depois, ser abafado por alguma magia passiva. Atrás de si, os outros Anciãos o seguiam. Subiram de volta para o salão da primeira casa, estava amanhecendo ainda e nem tiveram tempo direito de descansar.
Encontram Wallace Baker com sua ombreira metálica de um Leão, e seu machado nas costas. Mais e mais Baker reportavam a situação em diversas partes. Ele pediu que todos parassem quando se aproximaram.
— Estamos fazendo a varredura de todos os acampamentos novamente – relatou Wallace. — Nada até agora. Se esses Feiticeiros vieram de alguma lugar, foi de fora dos limites de Keifor.
— Vieram de outra cidade. — Orion não queria ser premeditado, mas tinha ouvido um dos inimigos falar. — Seria muito ruim se fizermos algo sem a consideração do Imperador Nero. Ainda somos parte do território dele.
Wallace recebeu mais três mensagens. Nada além de lugares vazios.
— Pelo que observamos na hora, Mestre Baker, eles são um grupo pequeno que avança contra alvos específicos. Eu proponho que o senhor mande tropas atrás dos próximos grupos que virão.
— Farei o que solicita.
Orion olhou para trás e o Ancião Serin e Angs partiram.
— Os outros podem descansar. — Deixou que os outros fossem para então relaxar na presença de seu amigo. — Esperava que esses ataques não fossem frequentes. Se mais pessoas que temos vínculo forem dados como alvos, nossa reputação pode decair mais.
— E conhece esse tal homem que mandou os Feiticeiros?
— Não. Ele escondeu os rastros dele, e não posso sair de Keifor enquanto Carsseral não recuperar completamente suas forças.
Sinali tinha sido construído diretamente para que o Dragão de Prata descansasse e recuperasse o que tinha perdido na luta contra o Papa Oculto. Não só a energia dele estava fraca, o espírito e a mente ficaram abaladas.
Orion também tinha sofrido suas perdas, mas ter perdido para o homem que destruiu toda a sua raça deixou Carsseral bem pior.
— Mesmo com todos do nosso batalhão, pelo que você disse, as Três Senhoras tem magias bem fortes. — Wallace o encarou quando andavam para a passarela dourada que daria para os quartos. — Não só eles, mas tenho me perguntado como pretende lutar os próximos confrontos sem que todos possam usar magia.
— Temos perguntas parecidas. Só que a minha sempre foi o oposto. Como que não usando magia, seremos mais fortes? Ainda não cheguei a resposta, mas tenho pensado bastante. — Eles pararam quando viram a Torre Mágica instalada no centro da cidade. Dali da Primeira Casa, podia ver o Relevo Trindade, uma boa parte da muralha, a Torre Mágica e um dos picos da Montanha Azul.
O peso dos ombros de Orion, com tantos desejos, se tornava pesado a medida que mais pessoas entravam sob suas asas. Tinha sido esse fardo que escolheu quando era mais novo, quando decidiu sair das Caldeiras atrás da honra perdida.
Ter a bondade no coração ao mesmo tempo que as chamas de uma raiva latente pulsavam lhe deixava a beira do precipício. Olhando para o fundo, enxergava as figuras que deveria enfrentar no futuro, e olhando para trás, todos que confiavam em suas ações.
— Não preciso mandar ninguém pular por mim. — Sua voz saiu baixinha, a fumaça escapava dentro de um inverno inacabável. — Eles só precisam vir até nós.
Wallace não respondeu, mas concordou em silêncio.
— Peça para Tito encontrar a mulher que o ajudou com as feridas. — Sua mão enfaixada ainda doía, mas abrir e fechar os dedos se tornou uma meditação para acalmá-lo nas horas ruins. A dor latejava até o ombro, o trazendo de volta ao presente. — Preciso de alguém como ela aqui em Keifor.
— Farei isso pela manhã.
I
Foi só depois de meio dia que Faltan acordou. Abrir os olhos e ver uma fraca luz do sol passando pela janela imensa do seu quarto recobrou do que tinha passado. Sentou na cama velozmente e quando se virou, deu de cara com Wilson Mideroni sentado e dormindo.
— Ele acabou pegando no sono um pouco rápido demais. — Faltan olhou para o outro lado e viu Cassiano. Ele tinha um livro na mão e um óculos sobre o nariz, cruzando as pernas calmamente. — Tomou conta de você desde que veio pra cá. Melhor deixar ele descansar.
Faltan voltou a deitar na cama. O teto tinha uma estranha estrutura que se desdobrava e corria. Parecia que algum animal corria por dentro da pedra.
— Esse lugar tem cheiro de flores – disse para Cassiano. Até o ar era diferente ali dentro do quarto. — Por que escolheram vir morar tão longe, Mestre Cassiano?
— Necessidade.
Ela puxou a coberta para cima e fechou os olhos. Seu pai estava em sua mente, de novo. Ele nunca ficaria deitado esperando, iria conversar com o Mestre Baker imediatamente do que deveria ser feito. Além de se ter respostas.
Mais uma vez, sentou-se rapidamente.
— Mestre Baker tem um minuto para me ouvir, Mestre?
Viu o homem fechar o livro e olhar para a porta. Concordou com a cabeça e depois respondeu:
— Ele espera por você agora mesmo.
E o que tinha sido aquilo? Faltan não ouviu ninguém dizer nada para o Mestre ter balançado a cabeça daquela forma.
— Obrigado.
Quando encarou Wilson, ele já estava de olhos abertos e remexendo os ombros. Estalou o pescoço e se espreguiçou ficando de pé. As mãos dele, Faltan a puxou para si e encarou. Havia uma cicatriz em cada palma, mas não era tão sério.
— A carne foi reestruturada pelo próprio Mestre Baker – Wilson disse. — Não faço ideia de como ele conseguiu, achei que iria perder o tato delas.
— Sua contenção de magias foi incrível, senhor Wilson – disse Cassiano também de pé. — Ter estudado ‘As Normas de Kreshi’ deve ter feito de você um grande Arche-Mago.
— Agradeço pelo elogio, mas ainda não dominei todos as partes.
Faltan ficou de pé e calçou seus sapatos. Estava vestindo a mesma roupa do dia anterior, mas estava bem amarrotada. Se Ferlax a visse naquele momento, iria surtar. Entretanto, Cassiano encostou o dedo em seu ombro e todo o vestido se esticou, limpo e liso.
— Antes de dormir, seu amigo barulhento pediu que colocássemos uma runa passiva para te ajudar na hora que levantasse.
Amigo barulhento, era claro que Ferlax pediu por isso.
— Falando nisso, onde ele está?
Mestre Cassiano fez aquele mesmo movimento de cabeça e voltou a encará-los.
— Conversando com Rasgun sobre Elixeres. Ele já foi avisado para se encontrar no Grande Salão, junto dos outros. Terá como a pedido do documento que enviamos, duas pessoas para acompanhá-la, Senhora Mideroni.
— Wilson e Ferlax estarão comigo.
Cassiano fez uma breve esticada de braço para a porta e os guiou. Assim que a abriu, o salão que se mostrou gigante era carregado de vestimentas vermelhas. As paredes pintadas de dourado, o teto pintado com grandes dragões que corriam de um lado para o outro, vivos. Os quadros com figuras cheias de poder e força que Faltan não reconhecia.
No chão, quase podia ver seu próprio reflexo. E o mais interessante e assustador era o fato de que não se ouvia nada. Podia contar praticamente mais de cem pessoas esperando ali, espalhadas, mas nenhum som era ouvido.
Wilson ficou tão desconfortável quanto ela. O vermelho se destacava e muito no dourado. A lembrança de Faltan do dia anterior a pegou de surpresa. O mesmo traje, como se estivessem pronto para a guerra a qualquer momento.
— Batalhão Carmesin. — Cassiano foi breve. — Montar.
Instantaneamente, as figuras vermelhas se moveram juntas. Um corredor de figuras viradas de costas para o meio. Grande o suficiente para que Wilson e ela pudessem andar tranquilamente. Mas, Cassiano apenas sorriu.
— Desmontar.
Como se nada tivesse acontecido, eles retornaram para seus próprios afazeres, em extremo silêncio. Faltan não tinha como imaginar que estavam ali por pura formalidade. Alguns grupos assentiam um para o outro em silêncio, nada de palavras.
— Por acaso estou vendo o projeto do Professor? — perguntou Wilson. Mesmo sua cara sendo uma indiferença, Faltan sabia quando estava impressionado. — Comunicação Alta por Mana, como conseguiram implementar isso?
— Mestre Baker é discípulo direto do Professor – respondeu Cassiano tomando a frente.
Faltan ficou impressionada com toda a estrutura da grande casa. Era gigante, cheia de vida, mesmo naquele interminável quietude. E mais estranho ainda, se sentia confortável.
— Senhora – a chamou mais a frente. — Esse foi um dos projetos que seu pai leu para os Anciãos na última reunião que estiveram. Se comunicando com pessoas que estão vinculadas a mana, eles poderiam criar uma comunicação sem precisar se falar.
Os rostos com expressões risonhas e nervosas ou de questionamento e receio realmente não estavam sendo orquestradas. Eles ouviam uns aos outros, mas não no mesmo plano. Era incrível, Faltan queria testar também.
Quanto mais afastados do salão, mais corredores tomaram e subiram alguns lances de escadas para, então, o silêncio ser morto por vozes altas e nervosas. A torre que subiam não tinha tantas portas, mas olhando lá pra cima, podia entender o quão barulhento eram.
Cassiano não fez nenhum movimento estranho, nem mesmo parecia receber alguma mensagem de alguém. Lá em cima, ele tocou a porta e olhou para os dois.
— Eles sempre são assim.
E a empurrou.
As vozes sopravam como xingamentos, raiva, teimosia e ferocidade. Anciãos apontava o dedo para o outro, e depois para o papel, e então, deixavam o outro dialogar como se estivessem conversando normalmente.
Eram mais de trinta sentados em almofadas na frente de um vitral. Ninguém estava os ouvindo de lá. Pelo assento e também direção, deveria ser lugar do Mestre Baker.
Ferlax estava sentado numa das laterais, ao lado de um homem barbudo com um pote de frutas na mão. A cara de espanto dele ouvindo todos aqueles homens chegava a ser engraçado. No Deserto das Víboras, ninguém gritava daquela forma, não quando estavam tratando de assuntos sérios.
Ela entrou com Cassiano e não houve pausas. Wilson e Faltan foram para seus lugares, sentando com Ferlax. Ele rapidamente falou em tom normal, quase inaudível.
— Eles são iguais animais, minha senhora. Estão gritando assim desde que cheguei.
Wilson cumprimentou dois homens que se apresentaram pela porta e foram para o outro lado, a direito do assento do Mestre Baker. Mais gente entrou. Uma mulher de cabelos negros com uma espada na mão. Faltan conhecia Nayomi Defoul, quando jovem a viu num torneio nas Terras Fluviais.
Nunca esperou que a encontrasse ali.
Depois, dois homens entraram. Eram diferentes tanto em roupas quanto em postura, parecendo realmente feras. Eles se sentaram do outro lado também. Cassiano se juntou com outro Ancião mais para frente, e conversavam sem falar nada.
Pelo visto, a Comunicação Alta por Mana não era usada por muitos ainda. Deveria ter tido algum tipo de contraposição. Ferlax sempre dizia que a antiga geração não aceitava mudanças tão rapidamente.
Outro homem entrou pela porta, baixo e com terno. Faltan engoliu em seco na hora.
— Economia. — As palavras saíram da boca de Wilson que se curvou velozmente. — Não sabia que estaria presente, senhor.
O homem sentou-se e concordou com a cabeça, mas Wilson ficou perdido. Então, Economia assentiu.
— Perdão, eu achei que já estivesse vinculado a magia passiva. É um prazer. — Ele olhou para Faltan. — Espero que seu pai melhore logo, senhora Mideroni.
— Obrigado.
Ferlax quase se levantou, mas Faltan o puxou para o assento novamente.
— Senhora, essa seria uma ótima hora de conversar sobre todas os problemas que estamos tendo no Deserto.
— Não é a hora ainda. Estamos aqui para o Mestre Baker.
Ferlax olhou para os gritantes e depois para ela.
— Acha mesmo que esses homens vão ouvi-lo? Não pararam de gritar desde que cheguei. São animais selvagens, senhora. O melhor seria aceitarmos o acordo e irmos embora imediatamente.
— Imediatamente? — A palavra não desceu com gosto. — Acabemos de sofrer uma emboscada e quer sair por ai do nada?
— Seria melhor estar em casa. Cruzamos boa parte do continente para ouvir berros?
A porta se abriu. Dessa vez, o Mestre Orion Baker entrou.
— Silêncio. — Foi como um relâmpago. Os sinais de fúria, desordem e caos morreram. Se havia uma chama de agressividade no local, aquela única palavra ergueu uma muralha de água mil vezes mais forte.
Wilson e Ferlax ficaram atônitos. Os Anciãos simplesmente se calaram de uma hora pra outra.
Orion usava o vermelho com bordados dourados nas mangas e um sapato leve. Entretanto, nem parecia que estava andando pela leveza dos seus passos. Fez caminho entre os Anciãos e se sentou na almofada.
Daquele ângulo, com aquele fraco sol batendo em suas costas e uma postura relaxada, realmente era como se o próprio Imperador tivesse sentado diante seus súditos.
— Conseguiram chegar em um consenso, Anciãos? — ele falava com a boca, não por pensamentos. — A ideia não parece ruim, mas precisaremos nomear cerca de dez Comandantes.
— Aprovamos a ideia. — Ancião Dest falou firmemente. — O ataque a caravana da família Mideroni mostrou que precisamos tomar ainda mais cuidado com os inimigos ocultos. O Feiticeiro revelou que três alvos eram importantes. Faltan Mideroni, Skalyr Fandon e Regine Pelsyn, da Escola de Forma Combatentes.
Faltan achou que o ataque tinha sido pessoal, mas a lista tinha outras duas pessoas.
— Todas essas pessoas estão vindo para cá – revelou Orion Baker, assentindo. — São três jovens com grande potencial para se tornarem líderes no futuro. E por alguma razão desconhecida, estão vulneráveis socialmente para isso.
Faltan não entendeu, mas Wilson ergueu a mão por ela.
— Poderia explicar o que significa ‘vulnerável socialmente?
— Claro. — Orion ainda tinha a face indiferente. — O Maldino Mideroni está acamado por alguma doença desconhecida. Skylar Fandon teve sua mãe capturada, mas quando a salvaram, a mulher adormeceu e estava de cama também. Skylar está tendo que cuidar de todo o processo administrativo da família com treze anos. E Regine Pelsyn é filha do Mestre de Armas Bulpo Pelsyn, que depois de um conflito nas Florestas Vermelhas, entrou em uma febre que pendura mais de um mês. Por incrível que pareça, os lugares são distantes, mas que tem suas próprias similaridades. Um dos motivos de estarem aqui hoje, senhora Mideroni, era para que minha família pudesse comprar as Flores de Cactus que sua família cultiva por anos. Entretanto, temo que os Feiticeiros contratados por vocês é subordinado de um homem que atacou Cristina, minha discípula.
Seu pai estava na cama por conta de alguém? Não era uma doença?
— Mestre Baker – Ferlax parecia muito desconfortável. — O senhor poderia ter um pouco de sensibilidade quando diz essas coisas.
— Sensibilidade? — A pergunta pegou todos de surpresa. — Acabou de sofrer um ataque que poderia ter matado mais da metade dos seus Magos e Cavaleiros. Sensibilidade teria deixado muitos mortos, nesse momento, precisamos de serenidade e precisão.
Wallace quem ergueu a mão.
— O Imperador Nero fez uma varredura com os Lanças Internas e achou mais dois grupos de Feiticeiros escondidos em cidades próximas. Quando as duas famílias chegassem nas estradas para Keifor, seriam atacadas igualmente.
Eles tinham conseguido imobilizar dois grupos em menos de seis horas? Faltan não tinha dormido tanto assim. A resposta para ataques era muito veloz.
— Temos dois sendo interrogados – completou Wallace Baker. — Se as informações baterem, teremos um alvo direto. Quanto aos convidados restantes, também iremos deixar que um grupo os observe desde a chegada da estrada até nossa porta. Além do acampamento que já foi montado perto das possíveis zonas de conflito.
Muitos dos Anciãos aprovaram, Wilson também pareceu sereno quanto aquilo. Foi rápido demais, e ouviu sobre os Baker e seus problemas com a Ordem dos Magos. Segundo Ferlax, eles não deveriam ser ricos nem terem muito.
Vieram porque se beneficiariam bastante, mas acabava sendo bem diferente. Era como se uma elite de senhores da guerra estivesse presente.
— Não precisamos de prisioneiros – disse Mestre Baker. — Tome apenas o cabeça.
— Como ordenado, senhor.
— Nossa próxima questão será a sua segurança, Senhora Mideroni. — Orion fez uma pausa e respirou. — Sei que tem influência enorme no Deserto das Víboras e que seu pai ainda está lá, mas sabendo dessas pessoas indo atrás de você, eu pediria que ficasse por alguns dias.
Ferlax respondeu na hora:
— Temo que não será possível.
— Você… é a Senhora Mideroni? — A pergunta fez seu conselheiro engolir a saliva na hora. — Serei claro, senhor Ferlax. Dentro dessas paredes, o senhor deve erguer a mão para se comunicar, em sinal de educação prévia. Além de que responder uma questão desse nível requer mais do que emoção. Pode não gostar da minha família, como está bem escrito em sua testa, mas não coloque a sua família em perigo por negligência.
Wilson, então, ergueu a mão.
— Com toda educação do mundo, Mestre Baker, mas Keifor é uma cidade pecuária. Nossas defesas no Deserto das Víboras seria mais eficaz contra qualquer inimigo. E lá poderemos tomar conta do nosso senhor.
— Se quiserem, posso providenciar que Maldino Mideroni seja transportado para cá em segurança. E não veja minha cidade com os olhos de terceiros. — Havia algo naquele sorriso que Faltan Mideroni achou incrível. — Dentro do território de Keifor, nada se move sem que a gente saiba.
Era confiança. A confiança que emanava dos Baker sentados ali era surpreendente. Seu pai teria respondido na hora, mas ela não. Não era Maldino Mideroni. Faltan apenas concluiu sua respiração e partiu para uma próxima.
— A ideia de trazer meu pai para cá e deixar minhas terras é simplesmente inegociável. — Jamais deixaria o Deserto das Víboras para aqueles trogloditas. — Mas aceitaria sua estadia por uma semana, Mestre Baker.
Ele bateu uma palma e sorriu largamente.
— Ótimo. Poderá ver que nossa cidade e minha família são incríveis. E não se preocupe, esses velhos senhores podem ser bem barulhentos, só que o coração deles é grande demais. Quando os Imperadores retornarem, apresentarei a senhora para eles.
Faltan e Ferlax gaguejaram juntos.
— Os… Imperadores?
— Isso. Nero e Maverick vão vir receber algumas pessoas também.
Seu pai teve só uma oportunidade de encontrar com o Imperador Nero na época que assumiu o comando de sua família. Ela ainda era pequena, foi arrumada com vestidos longos e penteados complexos para uma festa que durou três dias.
Naquela época, o Imperador Nero ainda residia com sua esposa. A notícia de sua perda ressoou em muitos que pensaram que sem a mulher da vida dele ao seu lado, o Imperador era apenas um homem mandado pelos nobres de suas cidade.
Porém, nunca teve contato com o Imperador Maverick por conta de sua doença que o atormentava sempre. Vê-los causalmente seria extremamente importante. Ela observou o olhar afiado de Ferlax ao seu lado, prestes a abocanhar um enorme pedaço de carne.
Deveria pará-lo quanto antes.
— Agradeço pela oportunidade, Mestre Baker – respondeu Faltan respeitosamente. — Será um enorme prazer poder conversar com ambos Imperadores. Existe a possibilidade de minha família se alocar junto aqui em Keifor?
— A oportunidade é sempre bem-vinda. Eles me devem alguns favores mesmo. — A casualidade das suas palavras surpreendia. — E nós temos a Nona Casa já preparada para recebê-los pela semana que vão ficar por aqui. Mais alguma coisa, Senhora?
O Arche-Mago Wilson ergueu a mão.
— Gostaria de conversar com o senhor sobre alguns assuntos, Mestre Baker. Se possível.
— Claro. Acho que podemos encerrar a reunião já que receberemos cerca de outras famílias pela tarde. — Orion Baker lançou um olhar critico sobre um dos velhos homens sentados a sua frente. — Ancião Dest, tudo preparado?
Como se aqueles berros de antes nunca tivessem nascido, o homem concordou com imensa ferocidade.
— Desde ontem, senhor.
A resposta não foi egocêntrica ou orgulhosa, o Ancião respeitava e muito a decisão do Mestre Baker. Faltan Mideroni tinha o posto, o nome, até mesmo o batalhão, mas esse tipo de lealdade não. Assim como no dia anterior, os Feiticeiros recuaram só de ouvir o nome e de ver as longas túnicas vermelhas se apresentando.
Faltava isso nela? Esse temor nos inimigos? Ao mesmo tempo, a confiança e paz habitando dentro daquelas paredes. Podia ter apenas Wilson e Ferlax ao lado, mas Faltan duvidava muito de que alguém poderia vir atrás dela com tantos Baker ao seu redor.
O que tinha forjado esses homens e mulheres para que fossem tão firmes em suas posições? E o que faltava nela própria?
— Senhor. — Havia um jovem na porta, usava as mesmas vestes vermelhas dos Baker. — Estão chegando.
— Ótimo. — Mestre Baker ficou de pé e esperou que os outros se levantassem pouco a pouco. Faltan fez o mesmo, esperando seu veredito. — Senhora Mideroni, peço que organizem seu pessoal em até uma hora. Os outros convidados estão chegando, preciso me arrumar também.
Ela concordou e saiu primeiro com Wilson ao seu lado. Teve uma ótima percepção de como os Baker trabalhavam e até mesmo de como se organizavam. Esperava que Wilson visse o mesmo.
— Se aparecer uma oportunidade – disse o Arche-Mago bem sério. — Qualquer oportunidade de fazer negócios com Orion Baker, senhora, não hesite. Além da Flor de Cacto, tente chegar em algum acordo comercial.
Do outro lado, Ferlax ficou chocado com o que ouviu.
— Acordo? Ele acabou de desrespeitar minha senhora com aquele convite inconveniente. Devíamos ir embora quando a senhora estiver melhor.
— Ele te desrespeitou – devolveu Wilson, de uma forma bem seca. — Não sabe quando ficar quieto. Sempre fala o que acha. Não está no Deserto das Víboras para achar que tem influência. Os Baker não são parte nem da Ordem dos Magos, imagina ter que respeitar alguém que veio de mais longe ainda.
— São apenas falastrões. Nada do que ele disser pode fazer minha senhora a ficar mais tempo.
Faltan ainda caminhava olhando para frente. Depois de ver tantos líderes sendo descorteses quando ela estava presente, ser recebida com proteção e educação a deixaram meio deslocada. Famílias ricas e famílias nobres do continente, como os Lila e Dalila, sempre destrataram seu pai quando havia reuniões formais.
Viver no Deserto das Víboras a rebaixava. Agora, sabendo que existia alguém colocando seu pai na cama e querendo assumir o controle de sua casa, a raiva em seu peito crescia gradualmente.
— Meu pai sempre comandou os Mideroni com um punho de ferro. Sempre falava sim ou não, nunca pensava antes. Os Baker nos mostraram sua primeira faceta, quero ver quem eles realmente são para poder fazer negócios, Wilson.
Ferlax mostrou um sorriso vitorioso ao Arche-Mago.
— Mas isso não quer dizer que vou ficar aqui apenas alguns dias. — Fez o sorriso dele desdobrar. — A forma como os Anciãos e os convidados se portam na frente do Mestre Baker, quero saber como ele faz isso.
Ferlax concordou rapidamente.
— Posso descobrir isso se quiser, minha senhora.
— Os dois. — Ela os fitou. — Conversem com alguns dos membros mais próximos e vejam o que eles sabem sobre o Mestre Baker. Não ofendam, entendeu Ferlax?
Ele fez que sim com a cabeça, um pouco envergonhado.
— Ótimo. Wilson, a Nona Casa. Temos que arrumar todos para essa tal cerimônia.