Passos Arcanos - Capítulo 272
— Está vendo? — Os olhos de Lafel ficaram maravilhado quando as runas se formaram e uma imensa proteção subiu pela cidade. Diferente dos outros, os ramos, os números, símbolos, cada partezinha daquela imensa estrutura era legível. — É como se tudo isso fosse uma criação vindo de outro plano. Já pensou quantas pessoas dariam a vida para poder entender isso tudo?
Drieck esperou pela resposta do rapaz, mas ele ainda estava fissurado. Sua leitura e sua imensa percepção o fez crescer mais rápido do que o próprio Selector tinha pensado. Nunca imaginou que Orion Baker daria um acervo inteiro para o garoto estudar, e foi como se as correntes de um monstro fossem retiradas.
Poderia não ter superado o próprio Mestre do Arcanismo, mas Lafel estava próximo de superá-lo. Drieck ficava ainda mais surpreso quando descobriu isso alguns meses atrás. Sentados numa sala, ouviu o jovem recitar mais de quinze runas de Sexto Nível. E mais dez de Sétimo em seguida.
A facilidade de transição, as contraposições para interligar cada sistema entre os ramos e também os símbolos, que já se delimitavam na sua função primária. Lafel Forwe estava caminhando numa estrada diferente de anos atrás.
E suas bases, monetárias e poderio, se estendiam como uma maré calma. Dentro de Keifor, ele estudava e era protegido por um esquadrão de Baker pelas redondezas.
Drieck sabia que o jovem não poderia os sentir, mas ele, sim. O Mestre Baker, antigo aluno e Selector de Magnus, tinha naquela jovem uma imensa expectativa que estava sendo superada. Duvidava que Lafel teria as mesmas consequências dentro de qualquer Academia, reinado ou Império.
— Está faltando algo – disse Lafel depois de um longo tempo quieto. Drieck ficou ainda mais surpreso. — As ligações mágicas podem estar certas, mas os símbolos poderiam ser trocados. ‘Avulso’ é abstrato demais. Ela não retém tanta mana quanto ‘Fricção’. Esse último ainda poderia ter ‘Junção’ com algum outro, talvez ‘Retensão Estável’. O suporte seria melhor, não acha?
Drieck encarou mais uma vez e entendeu o que ele quis dizer.
— Sim, vai ficar melhor. Tome nota e faça.
O jovem abriu seu Quadro Arcano, um velho cubo quase deteriorado, e tratou de mexer nas camadas e planos com seus dedos ágeis.
— Seu Quadro Arcano está bem velho. E também é bem antigo. Por que ainda não trocou?
— Não vou trocar um presente. — Lafel nem se virou. Ajeitou os óculos e continuou o trabalho. — Mestre Baker iria me matar se eu fizesse isso.
Drieck deu uma risada. Então era por isso.
— Pode ser que ele tenha outro – disse cruzando os braços e chegando mais perto. O pátio que estavam era bem vazio. Tendo apenas alguns poucos caminhantes, que eram Baker, indo e vindo. — Esse é um Sumona de Primeira Geração. Algumas funcionalidades podem estar ultrapassadas.
— Gosto dele. — Lafel arrastou o braço e o quadro se fechou em sua frente. — Pronto. Acho que agora está bom.
Recuando dois passos, olharam para cima e encararam a runa lá no alto. Os símbolos trocados realmente fizeram efeito. Com a proteção pela cidade inteira, as tempestades que chegavam do Oceano Congelado seriam mais amenas.
O inverno sem fim poderia ter alguma trégua.
— Lafel Forwe. — Um jovem vestido de vermelho se apresentou na entrada do pátio. — Por favor, venha comigo. Existe um visitante que pede sua presença.
Lafel assentiu.
— Volto em poucos segundos, Mestre.
Drieck o deixou partir e continuou fitando. As runas, os símbolos, cada parte da estrutura organizada pelo seu discípulo estava firmemente correta. Era até difícil achar um erro, e isso o fez sorrir.
Mais dez anos e Lafel poderia carregar o título de Mestre Escolástico. Apostava todas as fichas que seria um dos melhores, se não o melhor se Orion Baker não existisse. Entretanto, Drieck também entendia que se não fosse o segundo, seu discípulo não estaria naquela momento presente.
O destino tinha suas próprias maquinarias.
Ouviu passos em suas costas enquanto pensava, e adorou a rápida chegar do próprio Mestre Baker e Oliver Baker, um Ancião. Os dois observavam o céu, curiosamente impressionados.
— Faz tempo que não vejo algo tão bem elaborado – disse Mestre Oliver. — Foi o senhor, Drieck?
— Apenas o básico. Lafel fez os reparos e ajustes. — Voltou a admirar o céu. — Foi prazeroso vê-lo chegar até esse momento.
Orion ainda olhava e sibilava em silêncio. Drieck reparou que ele estava lendo a runa, algo que poucos chegavam a concluir. Exatamente por isso que Lafel tinha tanta base. Claro, tinha um pouco de inveja de Orion Baker pela sua capacidade e raciocínio, mas era ainda maior porque Lafel buscava chegar a perfeição, e a palavra era sinônimo do Mestre Baker.
Não só Lafel. Drieck conhecia Martin Crons, o tal próximo Rei Relâmpago tinha um único objetivo: chegar ao topo. Porém, para ele não era o Rei Arcanus ou o próprio Masquerati quem estava no topo, era Orion Baker.
Ao redor do Mestre Baker, Drieck percebeu, as pessoas se alimentavam da determinação tentando alcançá-lo. Quão forte e influente alguém deveria para ser exercício ao outro?
— Ele fez uma junção interessante – observou Orion. — Deixou a ligação duas vezes mais rápida. Vai precisar melhorar o nono e décimo plano. As tempestades duram muito tempo, pelo que disseram, isso pode ocasionar numa sobrecarga.
Drieck apenas anotou mentalmente.
— Onde ele está? — Orion o encarou, mas não era com sorriso.
— Alguém da sua família veio dizer que ele tem visitas. Saiu faz pouco tempo.
Orion olhou para trás.
— Yppe, ache Lafel agora.
Um espectro avermelhado passou pelas costas dos dois e sumiu no próprio ar. Drieck sentiu uma intenção assassina surgir e sumir em instantes. Não sabia o que tinha sido aquilo, mas era extremamente aterrorizante.
Poucos segundos depois, Orion concordou com a cabeça e começou a andar.
— Algo de errado? — questionou a Oliver. — Lafel está aonde?
— Alguém que não deveria estar aqui pediu para chamá-lo em nome de Orion.
Drieck deu dois passos e Oliver o parou.
— Deixe que ele resolva isso. Existe algumas pendências que Orion precisa tomar contra a família Forwe.
— O que? Por que?
— Na semana passada, eles acusaram minha família por ter aprisionado Lafel Forwe. Algo que está sendo boato de que as famílias estão sendo compradas por nós. VilaVelha também está tendo essas mesmas premissas, e o Imperador Nero está sendo bombardeado por possíveis sanções até mesmo dos Elfos.
Essa era a guerra dos Baker? Drieck não tinha noção de quão fundo os calos das outras famílias estavam apertados por conta das ações de Orion Baker. E vendo ele partir, ficou um pouco preocupado. Orion não tinha sido responsável por nada além de ter dado a chance para Lafel.
— Nós resolvemos atritos assim por anos. — Oliver deu um tapinha nas costas de Drieck. — Meu filho vai resolver isso. Não se preocupe. Entretanto, me fala como resolveram instalar esses símbolos abstratos, é um grande avanço.
Drieck não resistiu ao velho homem e suas perguntas, mas uma parte de sua mente ainda agarrava-se a Lafel.
I
Quando Orion entrou na sala, Yppe e mais cinco Baker guardavam as portas e também o próprio Lafel sentado na cadeira. A face do rapaz não era das melhores, um misto de medo, desconforto e… raiva.
— Senhor Baker.
E parecia que toda a família Forwe tinha vindo, pelo menos aqueles que pareciam saber dialogar. O velho homem que se levantou e apertou sua mão era um dos antigos Mestres de Burgos, comandante de uma legião inteira de inteligência quando ainda era ativo em sua família.
O Mestre Antonio Forwe, um homem cheio de artimanhas que envolveu o Império que servia em grande discórdia e ódio por anos.
— Mestre Antonio. Creio que sua presença em minha cidade não foi avisada com antecedência. — Orion passou para o lado de Lafel, na outra ponta da mesa e sentou-se. — Eu teria feito uma recepção melhor já que tenho algumas outras famílias visitando a cidade a negócios.
— Ah, não se preocupe. Eu conversei com os Fandon recentemente. Foi muito ver rostos amigáveis das Terras Fluviais depois de tantos anos. — Ele cruzou os dedos e uma perna por cima da outra. — Também não queria trazer mais problemas já que nossas famílias não tem estado de comum acordo sobre muitas coisas em relação ao nosso Lafel, não é?
— Não acho que suas acusações sejam atritos. Minha família nunca rebateu e nem faria isso sobre comum acordo que tenho com Lafel. Até porque, um homem que não recebe valor em sua própria casa procura em outro lugar.
Antonio e os outros mostraram uma ferocidade ao ouvirem que Orion ficou impressionado. Seria eles tão fáceis de irritar assim? Lafel tinha um valor imenso para qualquer lado, mas eles nem mesmo estavam fazendo força para se mostrarem relevantes.
Ainda mais com tantos Baker ao seu redor.
— Lafel saiu de casa procurando sabedoria – disse Meris Forwe. Esse tinha sido estrategista de guerra no Império das Ilhas Vulcânicas. Perdeu seu posto depois de uma série de acusações que beneficiaram sua família ao invés da própria família do Imperador Maverick e sua irmã. — E encontrou em Magnuns. A tutela que possui com Drieck está sendo uma das maiores bençãos que ele poderia ter. Igualmente como dissemos antes, a estadia de Lafel aqui é uma inviável.
— Inviável é uma palavra muito subestimada.
Orion encarou Lafel com a cabeça abaixada e o cutucou. Ele parecia ter saído de um transe, erguendo a face.
— Senhor Antonio, eu posso perguntar quais seriam suas maiores contribuições para o aumento de Lafel? Digo, não monetariamente. Sua família ainda detém minas bem ricas, mas digo em conhecimento. Um jovem com um talento tão grande como ele deveria ser nutrido com os melhores Escolásticos, os melhores Magos e Arche-Magos, além de uma imensa biblioteca para que ele se aprimore cada vez mais.
— Nós temos mais de dez Escolásticos. E muitos papiros antigos, da Terceira Era. Ele teria total apoio. Mas, não acho que entendeu, Mestre Baker. Não estamos negociando Lafel, estamos aqui apenas conduzindo sua partida já que o senhor não optou por enviá-lo para casa.
Orion passou os olhos em cada um dos Forwe e balançou a cabeça.
— Não fiz e nem farei. Dentro da minha cidade, dentro da minha casa, no meu território, ninguém tem autoridade maior que a minha. Ninguém nesse escritório tem mais poder moral do que o meu, então, Mestre Antonio, farei uma oferta irrecusável aos senhores.
A face dura dos homens permaneceu intacta. Algumas mãos escorregaram fora da vista de Orion. Estavam prontos para fazer um ataque se fosse necessário. Eles não queriam Lafel, queriam o que o talento dele era capaz.
— A oferta seria justa? — Antonio mostrou um sorriso torto. — Pelo preço ideal, nós poderíamos deixar Lafel por mais um ano aqui em Keifor. O que acha de cem milhões? É um preço bem razoável.
Lafel abriu sua boca, chocado. Orion já esperava. Eles tinham dois objetivos. O garoto ou dinheiro. Os Forwe estavam estáveis, mas o Mestre Forwe, o pai de Lafel, gastava excessivamente com luxos e mulheres. Não era a toa que Lafel não gostava dos seus irmãos, ele tinha mais de dez.
Apenas ele e mais um eram herdeiros diretos. Lafel sendo mais novo.
— Acho que não entenderam a situação, Mestre Antonio. — Orion riu debochadamente. — Estou dizendo que se não saírem de dentro da minha casa nas próximas três horas, um pequeno problema pode acontecer. Por exemplo, uma das linhas de minérios que sua família possuí aqui no Norte, que sejamos justos, é ilegal, seria destruída e tomada.
Antonio abriu a boca, fechou e abriu de novo.
— Tem olhos bem afiados – disse Alique Forwe. — Mas, nossa linha não é ilegal.
— Ah, ela é sim. O minério que está tomando pertence a Montanha Azulada, transportada a cada duas semanas por um Pergaminho de Grande Retorno. E sabe, a montanha pertence a minha família.
— Comprou a Montanha Azulada da Ordem dos Magos? — a pergunta parecia ser mais para eles do que para Orion. — Então, precisa de um equipe de mineradores bem dispostos. Podemos…
— Eu tenho uma. Não se precipite. O que me pertence, apenas me pertence. Então, agora, vocês vão sair, voltar para sua residência e mandar essa linha sumir. Por que se eu chegar lá amanhã e ver homens com picaretas, terão que voltar aqui para pagar por sua liberdade. O que acha, Mestre Antonio? Isso soa como cem milhões?
Não houve risadas, deboches ou xingamentos. Os Forwe olharam para os Baker ao redor, inquietos. Eles poderiam tentar o que fosse, nada conseguiriam. A magia estaria selada no momento que se mexessem.
Não havia mais chance para falhas, não quando o assunto era tratado me Keifor.
— Pois bem. — Antonio ficou de pé velozmente. — Foi bom ver que Lafel está em ótimas condições. Iremos conversar com Mestre Forwe e trataremos desse empecilho.
— Não demorem.
Sem se levantar, deixou que os homens seguissem para fora. Lafel ainda tinha um rosto cheio de raiva. Orion nunca tinha visto o rapaz fazer tanta força se segurando. Não duvidava que socaria uma parede se possível.
— Perdão por não saber que eles estavam aqui – disse a Lafel. — Vou pedir que reforcem a recepção. Não esperava que eles viessem diretamente aqui.
— Eles sempre vem. — Sua voz ficou fraca. — Minha mãe, eles vão mandar ela pra rua se eu não voltar. Ela não tem nada. Nada, Orion. Meu irmão vai entrar em despacho, e os outros filhos do meu pai vão pra cima dele. Não, minha mãe…
Orion o observou se curvar colocar a cabeça na própria perna, sussurrando. Aquele jovem ainda era muito cru com esse tipo de joguete. Os Forwe trabalhavam bastante com esses acordos unilaterais, era como se qualquer coisa no mundo pudesse ser deles.
Antonio Forwe, esse homem era ardiloso.
— Traga sua mãe para cá. — Ele arrastou a cadeira para trás. — Me diga, Lafel. Você tem algum laço com seu pai?
— Eu… não tenho nada com ele. — Engoliu o choro, mas não ergueu a cabeça. Tinha vergonha de ser visto chorando. — Minha mãe… na verdade, foi ela quem me mandou para Magnus. Ela queria que eu não ficasse perto dos outros porque eles não sabem… ser educados.
— Entendo. Ela estará aqui ainda hoje. Keifor é sua casa, Lafel. Ninguém aqui tem direito de falar do jeito que fizeram com você.
O rapaz ergueu a cabeça, limpando as lágrimas.
— O que vai fazer?
— Os convidados que chegam sem ser chamados deveriam prestar respeito direito. Se não fazem, então respondemos da mesma maneira. — Girou a maçaneta da porta. — Yppe, reúna o Batalhão Carmesim. Nós vamos para o Norte das Ilhas Vulcânicas fazer uma visita para os Forwe.