Perseguidos Pelo Tempo - Capítulo 24
— Então você está bem mesmo? Perder um olho não é pouca coisa.
— Já disse que estou bem… e você? Quem deveria estar acabado é o cara que fez aquilo.
— Essa é a melhor parte, eu não me lembro de muita coisa.
— Como assim, não se lembra mesmo de toda aquela confusão?!
— Grande parte, depois que o capitão me atingiu é como se tudo não tivesse passado de um sonho.
Após a disputa, todos nós, exceto a Nozomi, apagamos. Tudo que aconteceu foi contado para mim duas semanas depois.
Ela dirigiu por dois dias pós fronteira. Encontrou um lugar confortável no meio da floresta e cuidou de todos até que finalmente acordamos.
Pelo diagnóstico básico da Emi, Kitsu não vai recuperar a visão do seu olho. Appu se recuperou quase por completo graças a uma bebida que Nozomi fez com algumas plantas da região.
Emi com sua própria cura resolveu o problema das queimaduras, mas infelizmente algumas marcas continuaram.
No meu caso, fiquei uma semana a mais que os outros. Mjonir disse que desativar a proteção exigiu muito mais força do que tenho atualmente.
Então meu corpo entrou em um estado de hibernação total para que todas as feridas se recuperassem por completo.
Quando acordei me sentia diferente. Obviamente estava muito mais forte, só que outras coisas tinham mudado.
Sem querer, Kitsu me empurrou na fogueira quando levava lenha para ela. Somente minhas roupas ficaram chamuscadas e minha pele ficou intacta.
Para confirmar coloquei minha mão novamente e nada além de um leve esquentar eu senti. Fiquei realmente chocado vendo que minha passiva estava funcionando
Em dias frios, quando todos ficavam recolhidos dentro da carroça, sentia uma brisa leve e reconfortante. Sempre gostei do frio, mas não senti-lo era bom também — quem me dera ter essa habilidade quando estava preso.
Coisas como: “ir buscar lenha no meio da noite” viraram minhas obrigações, pois não sentia medo de nada na floresta. Achei um pouco estranho, porque essa era minha barreira quando me mudei da casa dos meus pais.
Apesar de todas essas mudanças no meu corpo, o que me deixava mais satisfeito não era uma habilidade. Estar livre de preocupações como ser acordado aos gritos e fugir, era o melhor.
Esse tempo também me ajudou a limpar a cabeça e organizar tudo que havia acontecido. Agora poderíamos discutir sem pressa para onde iríamos.
Era meio dia, Kitsu e eu estávamos sentados em dois pedaços de tronco tentando pescar algo no lago que ficava ao lado do acampamento.
— Sério mesmo que vocês vão ficar sem fazer nada o dia inteiro de novo?!
Nozomi chegou enfurecida. Já fazia um belo tempo que estávamos ali e sempre inventando alguma desculpa para ficar um pouco mais.
Aquele conforto era muito bom, ainda mais para escravos que sempre tinham que trabalhar todas as manhãs mesmo cansados ou doentes.
Parecia uma festa da vitória, todos os dias comíamos peixes, frutas e carnes, quando tinha. Sei que a gente estava feliz, mas abusamos da boa vontade dela.
— Ei, Kitsu, a Nozomi não anda meio estressada? Acho melhor hoje a noite discutirmos um plano para daqui pra frente.
— É uma boa, mas acho que o problema é com você.
— An? Como assim? Ela não está brava porque ficamos aqui até agora?
— Até certo ponto sim… só que, ela anda te tratando muito estranho, bem diferente do resto de nós.
Observo ela brigando com Emi e Appu que estavam se bronzeando deitadas no chão.
— Sério mesmo? Não tinha percebido, mas ela sempre me trata como um pedaço de lixo, então para mim era comum.
— Se me lembro bem, foi ela que te buscou quando caiu duro no chão depois da luta.
— E qual o problema?
— Nada, é que, antes de desmaiar, eu a vi surrando algo pra você
— An? Sussurrando? Não me lembro de nada.
— Ela pode ser minha irmã, só que ainda é um poço de mistérios… Aliás, quero te contar uma coisa mais tarde.
— É um problema?
— Não, na verdade, é mais algo que eu ainda não contei para vocês.
Ficamos conversando sobre coisas aleatórias enquanto tentamos pescar peixes no lago. Desperdicei um tempo pensando no porquê da Nozomi estar brava comigo, só que foi em vão.
Passaram horas e fui buscar lenha para fogueira já que a noite estava chegando e o frio também. Pensei mais um pouco e decidi aproveitar o tempo para olhar as habilidades.
— Mjonir, como faço para abrir a janela de status?
— Apenas diga: “Abrir status”, mestre.
— Certo… Abrir status!
Quando falo, uma enorme janela se abre bem na minha frente. Cheia de informação, mas me acostumei rapidamente graças à interface simples, comparada a dos jogos que jogava.
[Mjonir]
[Portador: Kazuhiro]
[Idade: 21]
[Altura: 1,81]
[Classe: Bloqueada]
[Status: Estrangeiro]
[Espécie: Humano]
[Nível de portador: 1]
[Habilidades]
[Volte para casa]
Mjonir é o descendente da grande arma usada pelo deus Thor. Seu poder é desconhecido e foi criado para superar a arma do deus do trovão.
E como sua descendente, herdou algumas de suas habilidades, entre elas, o admirável poder de voltar para as mãos de seu portador. Não importa onde ele esteja.
[Divisão de almas]
Uma habilidade criada para que o primeiro portador, Kazuhiro, não desistisse do seu poder para o deus do tempo.
A vida de uma pessoas é cortada exatamente ao meio e é dada para outro indivíduo. Não existem limites para divisão de almas, ou seja, qualquer um pode ter sua alma dividida.
Graças ao nível 1 um bônus de vida é adicionado aos usuários da habilidade.
[Análise]
Desenvolvida por causa de um ataque surpresa, a análise pode ser usada para descobrir como uma arma foi feita e onde.
Balas, flechas e facas arremessáveis também estão inclusas no processo, mas a limites para essa habilidade.
Graças ao nível 1 agora é possível recriar as armas já analisadas por completo. Só que dependendo da arma é necessário um ferreiro de alto nível.
[Último desejo do portador]
Habilidade atualmente bloqueada.
[Misericórdia]
Desenvolvida graças ao aumento do nível do portador, perante a uma situação de extrema urgência, misericórdia é capaz de deixar um indivíduo em estado de hibernação por tempo indeterminado.
Não há consequências para o afetado. Somente um pouco de dor de cabeça e lembranças embaralhadas de acontecimentos recentes, mas somente pelas próximas 24 horas.
[Habilidades passivas]
[Resistência inicial a lâminas]
Desenvolvida para que o portador não fosse afetado pela arma de um adversário poderoso.
[Resistência inicial ao fogo]
Desenvolvida para que o portador não fosse afetado pela arma de um adversário poderoso.
[Resistência inicial ao frio]
Desenvolvida quando o portador sentiu um frio assustador em um lugar desconhecido.
[Sem medo do escuro]
Desenvolvida no momento em que o portador sentiu estar sozinho no meio do escuro.
— Caraca…
Mesmo desperdiçando quase a minha vida toda jogando jogos, ver de perto uma janela de status era fantástico. Algo totalmente novo parecia ter surgido. A empolgação de estar em um mundo cheio de aventuras.
“Tinha informações que Mjonir não tinha me dado, talvez por eu ser um portador nível 0?”.
— Certo, Mjonir, qual o limite de level para portadores?
— Essa pergunta foi interessante. Level 20
— Você me subestima demais… Ok, me fale sobre a diferença de níveis.
— O sistema de portadores é como uma hierarquia dividida em quatro partes. Dyusi, Laijha, Oshyo e Behadis.
— Isso tem haver com o capit… Eduardo, não conseguir me ferir?
— Portadores nível 0 não são numerados em uma categoria. E como ele estava abaixo do Dyusi, ele não conseguiria te ferir nem com o cem por cento de seu poder.
— Por que eu subi de nível mesmo sendo mais fraco fisicamente que ele?
— Cada portador sobe de nível de um jeito totalmente diferente, às vezes por esforço físico, mental ou até mesmo com ajuda de outros.
— Existem portadores nível 20?
— Essa informação é incerta.
“Ok, mesmo conectados, é impossível saber o nível dos portadores”
— Certo, acho que minhas dúvidas sobre você foram saciadas, por enquanto.
Releio toda janela de cima a baixo para gravar as informações bem na cabeça. Me levanto, volto para o acampamento e sou recebido com olhares de ódio.
— Kazuhiro. — Kitsu quebrou um galho com o pé.
— Q-que foi?
Emi cobriu Appu na carroça. — Você se lembra do motivo para ter ido à floresta?
— Motivo…?
Olhei novamente para minhas mãos e percebi que voltei sem a lenha que fui buscar.
— F-foi mal…
Kitsu pega um pano para limpar seu cajado. — Você anda mesmo com uns problemas de memória, né?
— Ei, Nozomi, pode ir com ele pra ver se dessa vez ele volta com a lenha? Normalmente a Appu acorda com um pesadelo depois de dormir.
— Merda, sério mesmo? Que seja, vamos logo imbecil!
Ando atrás da Nozomi até o meio da floresta, tento às vezes falar algo, mas recebo respostas secas querendo terminar a conversa rapidamente.
— Então, Nozomi…
— Que foi?!
— N-nada é que… Kitsu me falou que você disse algo para mim depois da batalha e eu fiquei curio…
— Ele tava imaginando coisas!
— É, deve ser… — Tento pensar em algo para abafar o clima. — Ando preocupado com os pesadelos da Appu, às vezes tenho que usar minha habilidade para que ela durma tranquilamente.
— Ela foi a primeira a acordar de vocês e com um pesadelo.
— Espero que acabem logo. Voltando para você, sabe, seu humor tem haver com a gente estar enrrolan…
— Acho que já temos lenha o suficiente!
Ela começou a andar para longe. — Qual é Nozomi! Se você não me falar o que está te incomodando, como que eu vou resolver?!
Nozomi estoura, joga a lenha longe e voa para perto de mim. Me dá um chute na barriga que me lança em uma árvore, não sinto nada, mas fico assustado. Ela colocou sua faca em meu pescoço e ficou bem perto.
— Seu desgraçado! Depois do discursinho, você faz uma merda daquela?!
— Do que você tá falando?! O que eu fiz?!
— Mas que droga! Acha mesmo que eu não vi? Você deveria pedir desculpas!
Os olhos dela encheram de lágrimas e eu fiquei assustado. A faca em sua mão se soltou e a luz da lua iluminou o seu rosto.
Nozomi sempre prendia seus cabelos para não atrapalhar uma possível luta surpresa, mas agora estavam soltos e iam até suas costas.
Sua mão que segurava minha camisa se soltou lentamente. — Porquê…?
— Por ter desistido da gente…
“Desistido? Mas em nenhum momento eu…”
— Você está falando da luta?
— Eu vi, quanto o capitão te acertou. Você não resistiu ou lutou, você queria morrer!
“Ela percebeu? Como?”
Ficamos em silêncio por um tempo. O clima ficou pesado. A culpa caiu sobre meus ombros e nela a preocupação de ter se exposto.
— Me desculpa, eu prometi não deixá-los assim e fiz exatamente o contrário.
— …
— Naquela hora eu realmente desisti. Não me lembro direito do que aconteceu, mas sei que ouvir vocês me trouxe de volta. Principalmente a sua voz.
— Como que posso confiar em você de novo? Se toda vez que as coisas ficarem feias, você desiste.
— Eu não sei, eu poderia inventar mil desculpas para eu ter feito aquilo, só que eu realmente não sei…
Ficamos caídos no chão, ambos se encarando pensando no que falar, até que ela se levanta.
— Vamos logo, vão ficar preocupados.
Enquanto observava ela ir, senti um sentimento que já tinha sentido. Não conseguia me lembrar, mas durante a luta, em algum momento, eu pensei nela.
Em meio segundo relembrei do que aconteceu desde que cheguei nesse mundo e então descobri a resposta.
— Vocês! — Nozomi virou-se. — Eu posso prometer que não vou mais desistir!
— Como?! — Ela gritou de volta.
— Eu sei porque vocês vão estar comigo! Mesmo se em algum momento eu desistir, tenho a absoluta certeza que estarão comigo! Nem que seja pra me chamar de um idiota imbecil!
— …
Mais uma vez não nós falamos e sem perceber Kitsu escutou tudo em cima de uma árvore, do começo ao fim. Agora era ele que estava empolgado com o que ia acontecer.
— Hora hora, então era isso? — Um grande sorriso abriu-se em seu rosto. — Ser um telespectador dessa história vai ser realmente interessante…