Perseguidos Pelo Tempo - Capítulo 25
Emi não fazia ideia do que estava acontecendo na floresta. Kitsu foi atrás de alguma fruta e acabou se encontrando com a gente brigando. A curiosidade bateu mais forte que a razão e ele decidiu escutar o que estava acontecendo, então somando dois mais dois, Kitsu já sabia que o resultado disso era improvável.
— Ora, Ora! Então era isso? — Um grande sorriso abriu-se em seu rosto. — Ser um telespectador dessa história vai ser realmente interessante…
Quando voltamos para o acampamento, Kitsu já estava lá como se nada tivesse acontecido. Peguei a tábua redonda que usamos como mesa e falei:
— Pessoal, acho que já está na hora de discutirmos o que faremos daqui pra frente.
Emi e Appu tinham adormecido, então ambas levantaram sonolentas até as pontas da mesa. Abri o grande mapa do reino das três coroas e me sentei.
— Kitsu e eu estamos pensando em um lugar, só que a opinião de todos conta aqui.
— Tudo que eu conhecia era no reino de Mists, topo qualquer lugar. — Emi segurou Appu que mal ficava em pé.
— Para onde vocês pretendem ir? — Nozomi sentou-se dizendo.
— A capital das coroas, a grande Cidade do Ouro.
— Por que lá? — perguntou ela.
Me sentei e respondi: — Porquê a gente queria encontrar com um parceiro de cela.
— E, também, tem grandes chances de encontrar um parente do Kazuhiro. — Kitsu ergueu a voz.
Somente Kitsu sabia sobre o deus do tempo. Inventamos uma desculpa para conseguir ir até a igreja das coroas.
Diziam por aí que era ela quem tinha o maior conhecimento sobre deuses e eu precisava saber de tudo que me ajudasse na luta contra ele. Em uma batalha contra um deus, informação era uma arma poderosa.
Se tivesse alguma razão, gostaria de saber do porque dele não conseguir me ferir ou simplesmente voltar no tempo e me matar.
Era provável que existissem regras que nem deuses podiam quebrar e, talvez interagir com a vida de humanos seja uma delas, mas é só uma hipótese.
— Tudo bem! Rumo a capital.
— Vamos, estou cansada desse lugar no meio do mato.
— Então está feito. Amanhã bem cedo vamos sair em direção a capital.
Todos dormiram. Enquanto isso, fiquei revisando rotas para chegar bem rápido à capital. Não sabia me localizar muito bem ainda, mas já dava para ir de um ponto a outro.
Quase dando meia noite, Emi acordou, me viu quase dormindo e quis me ajudar a achar a melhor rota.
— Ler mapas realmente não é meu forte, consegui achar algumas estradas, mas não são muito seguras.
— Achava que agora o senhor portador estava muito forte!
— Engraçadinha, não estou preocupado comigo e sim com vocês.
— Posso não ter um machado que solte raios, mas sei me defender.
— A é? — gargalhei. — Espera, nunca soltei raios com meu machado.
— Nunca? Não se lembra da luta? Quando você jogou o Eduardo na parede com um raio?
— Sério? Mas, eu não me lembro disso.
— Ah, é verdade. Você nos disse que não se lembra de muita coisa da luta, né?
— Isso mesmo, tudo aconteceu como se fosse… um sonho.
Por um segundo não sabíamos o que falar, ficamos nos encarando por um tempo e algo no céu me chamou atenção. Uma estrela cadente demorou alguns segundos para sumir da minha vista e agora estávamos apreciando-as.
— Ainda não me acostumei.
— Deve ser difícil estar longe de casa, espero encontrar esse seu parente.
— Por que você não me pergunta sobre minha casa?
— Bom… não gostaria de falar sobre algo que te incomoda. Então, se um dia quiser conversar comigo sobre sua família e casa, ficaria feliz.
— É… você está certa. No momento, não quero falar de onde vim. Me lembrar das pessoas que conheci e de tudo que vivenciei, dói um pouco.
Ela abriu um sorriso, bateu em minha testa com o indicador e apontou para uma rota no mapa.
— Aqui.
— Essa rota? — perguntei olhando com mais cuidado onde ela apontou.
— Sim, nós podemos ir mais tranquilos, é longe de rotas comerciais. Tem uma pequena vila onde podemos comprar comida e nos localizar com mais precisão.
— Caraca, você é boa.
— Ainda duvidava das minhas habilidades?
— Nem por um segundo.
Guardamos tudo e fomos dormir. A manhã chegou sem pressa e todos já estávamos acordados prontos para sair.
Quando já estávamos a uma hora na estrada, Emi adormeceu por ter ficado a noite acordada comigo. Appu, por algum motivo, afiava sua espada curta enquanto Nozomi dirigia conversando com Daisuke.
Kitsu e eu ficamos na parte de trás olhando a estrada e me lembrei que ele não havia dito o segredo que queria contar.
— Ei! Você não queria me dizer uma coisa antes? O tal segredo.
— Ah, verdade, quase me esqueci. Não é muito importante, mas eu sou um filho de Zuyr.
— Filho de que?
— Filhos de Zuyr, são crianças que foram abandonadas por seus pais ou parentes.
“Filhos de Zuyr, é? Que bom que aqui eles tem um deus para crianças órfãs.”
— No meu mundo os chamamos de órfãos. Um segundo, quer dizer que Nozomi não é sua irmã?
— Sim, resumindo, após uma grande batalha que a vila enfrentou, me acharam no meio dos corpos. Não me lembro de nada, então para mim, Nozomi é como uma irmã.
Fiquei parado olhando para ele.
— O que foi? — Me desafiou.
— Nada, é que… agora eu sei porque você é biruta. — Cai em gargalhadas e ele me deu alguns murros. Respirei e continuei: — Mas isso não muda nada, agora fazemos parte da mesma família, ou seja, você é irmão de um humano super bonitão.
— Caraca, você realmente não se olha no espelho, né?
Brincamos e rimos um pouco. Não me importava sobre o passado de Kitsu, ele podia ser um criminoso ou algo do tipo, só que para mim, o que importava era o presente.
Passados três longos dias na estrada, estávamos a alguns quilômetros da primeira vila onde pegaríamos um pouco de comida.
Nossa expectativa estava alta, começamos a imaginar que seria uma vila acolhedora e feliz, mas quando chegamos, foi o contrário.
Bem de longe vimos o portão da entrada, antes eram dois pilares, agora destroços com uma placa enterrada ao chão dizendo o nome da cidade. Paramos e fomos verificar se era realmente o lugar certo.
— E então? Essa é a cidade que estava no mapa? — perguntou Emi para mim descendo da carroça.
— Infelizmente, sim. O que aconteceu aqui?
— Achei que seria um pouco diferente de casa, mas sinto como se tivesse no reino de Mists — falou Kitsu chutando um pedaço de madeira.
— Parece que o lorde dessas terras é igual ao seu rei. — Subi na carroça. — Vamos, com certeza não vai ter comida aqui.
Entramos na vila e cada segundo que passava era pior que o outro. Cadáveres no chão apodrecendo, expelindo um fedor horrível. Crianças roendo ossos que provavelmente eram de seus pais. Prostituição, pessoas bebadas e até assasinos matando em plena luz do dia.
Uma senhora, que estava tentando abrir seu portão com uma cesta de frutas podres, foi assaltada em segundos por crianças com vestes cheias de lama e sangue. Chegando na praça principal, nos galhos das árvores, podíamos ver pessoas enforcadas aos montes.
— Que merda é essa?! — perguntei assustado, segurava meu machado, com o estômago embrulhado.
— Esse lugar tá pior que a vila dos desejos, como um reino desses consegue se manter em pé? — Kitsu também estava enojado.
— Tem algo muito errado aqui, os jornais diziam que o reino estava próspero e rico. Não tem como a gente estar no lugar certo. — Nozomi guiava Daisuke tentando desviar dos corpos.
Avançamos rapidamente até o portão de saída, até que uma criança fingiu ser atropelada para que seus irmãos roubassem um saco de maçãs nossas.
Elas correram até um beco, fui repreendê-las, mas não consegui após ver um bebe sendo amamentado por uma mulher tão magra que se levantasse quebraria em vários pedaços.
Quando finalmente saímos daquele lugar, a ânsia ficava maior, todos ficamos em silêncio tentando processar o que tínhamos visto. E passados dez minutos, pedi para Nozomi parar, porque agora precisávamos discutir outra rota.
— E agora? A próxima cidade é em uma semana, precisamos de comida para continuar — falou Nozomi. Todos estão em volta da mesa.
— Dei uma verificada rápida na área, não tem animais e nem plantas comestíveis, parece que tem algo que assusta os animais aqui. — Kitsu colocou as duas mão sobre a mesa.
— Acho que vamos ter que avançar alguns quilômetros para achar algo comestível. — Cocei a cabeça olhando em volta.
Emi afastou-se um pouco, procurando algo, então gritou: — Pessoal! Precisam ver isso!
Chegamos perto dela que estava abaixada com as mãos debaixo de um monte de terra. Ficamos olhando-a por um tempo e perguntei: — Você está bem?
— Apenas observem… Drif pardy tamb doc! — Seus olhos começam a brilhar em um verde claro bem forte e o terreno em volta ficou azul até sumir da minha vista, então tudo voltou ao normal.
— O que foi isso?! — perguntei impressionado.
— Foi um feitiço de avaliação de terra? — Kitsu aproximou-se dela.
— Feitiço de avaliação de terra? — perguntei novamente.
Nozomi estalou os dedos e falou: — Ah! Eu me lembro disso, lá na vila usávamos isso para decidir em qual lugar iríamos plantar.
— Exatamente! E se tivesse ficado roxo, seria porque o solo é muito ruim, mas ficou azul por centenas de metros, ou seja, a terra é muito boa para plantio. — falou Emi levantando-se.
— Se a terra é boa desse jeito, porque…
Fui interrompido por um grito que ecoou na floresta e, de imediato, nossos instintos reagiram em direção aos pedidos de socorro. Ficamos parados, esperando a voz da garota que parecia estar cada vez mais perto.