Perseguidos Pelo Tempo - Capítulo 27
— Pelos deuses… destruir uma cidade inteira por… — Emi foi cortada por mim.
— Pura ganância. É inacreditável que alguém faça isso só por causa de dinheiro. Seu rei não fez nada? Deixou seu povo morrer, passando fome ou se enforcando em plena luz do dia? — Bati meu punho na mesa de madeira, causando uma enorme rachadura que a dividiu em dois. — Me desculpe…
— Não tem problema, jovem. Entendo sua aflição sobre as decisões de nossa majestade, mas ela não tem culpa pelo que acontece aqui — disse o senhor.
— Como assim? Toda desgraça que cai sob uma nação é culpa de seu rei. — Nozomi se pôs a frente. — É imperdoável o que está acontecendo aqui.
— Vossa majestade não sabe o que aconteceu na Vila dos Ossos, como devem saber, o reino das Três Coroas é um dos maiores do mundo. Nossa rainha não consegue e nem pode visitar todas as vilas, então foi estipulado um valor em ouro que todas as cidades devem cumprir mensalmente.
— Então o rei de Mists pagou esse valor para que o lorde não fosse pego… — Kitsu ficou com raiva junto de nós. — Kazuhiro, precisamos fazer algo, não podemos simplesmente ir embora quando escutamos isso. Tem algo que a gente possa fazer?
O grupo e o senhor me encaravam, esperando a resposta. Pensava no que isso poderia desencadear, acabamos de nos livrar de um ataque do rei, seria certo bater de frente com um dos meus maiores inimigos novamente? Entretanto, era humano deixar com que uma vila morresse quando tenho forças para ajudar?
Em meio a tantas perguntas já tinha decidido, então falei: — Teve uma época em que estava só no meio de um lugar desconhecido, me levantei sozinho para salvar alguém que gostava muito. — Emi colocou sua mão no braço e me levantei. — Não quero que ninguém aqui sofra a mais do que merece, vamos ajudá-los, a capital pode esperar.
Fechamos os punhos com a decisão tomada, o sofrimento desse povo chegaria ao fim, não importava como. O senhor viu que estávamos alegres e determinados, só que para ele isso era impossível, então disse: — Desculpe, mas não consigo compreender como simples aventureiros irão nos ajudar.
Abri um grande sorriso junto ao grupo, com toda certeza, atualmente não somos um simples grupo de aventureiros, muito pelo contrário, somos fortes e destemidos. Conversei com todos e já sabíamos o nosso primeiro movimento.
— Senhor, para ajudá-los temos que falar com a cidade inteira, tem como reunir todos os habitantes em um só lugar? — perguntou Emi.
O homem ainda estava com receio no coração, mas ao olhar para sua filha que ficou ouvindo na porta, decidiu dar um voto de confiança aos salvadores dela. Então com sua voz rouca falou: — Na praça central, onde hoje tem centenas de pessoas enforcadas, há um sino. Era usado para comunicados do lorde, se tocá-lo todos os habitantes, ou maioria, irão para praça.
— Então o que estamos esperando? A cada segundo que passa alguém pode morrer. — Um pouco empolgado, falei e todos saímos da casa.
O senhor fez questão de nos guiar até o local, o colocamos na carroça junto de sua família e no caminho os alimentamos. Então entramos na grande praça, caminhamos em meio aos corpos até o centro, onde no meio de um palco havia um sino grande.
Subimos, deixando Daisuke e a família observando, encarei Kitsu por um tempo tentando fazer ele tocar, mas Nozomi pegou o grande martelo que ficava ao lado e o acertou fazendo um enorme estrondo ecoar por quilômetros. Em alguns minutos algumas pessoas começaram a aparecer, então mais uma vez acertamos o sino.
Esperamos cerca de 15 minutos e parecia que todos estavam lá, homens, mulheres e crianças, cerca de 500 pessoas desnutridas, feridas, machucadas ou semi-mortas. Enfaixadas, cobertas ou sujas com sangue.
“O que irei falar para todas essas pessoas?” Estava com esse pensamento desde que saí da casa, não tínhamos exatamente um plano, tudo dependerá se o povo colaboraria ou não.
Me pus à frente de todos, o improviso parecia a melhor opção, então gritei: — Então… me chamo Kazuhiro! Sou um viajante que estava passando pela sua vila. Estou ciente do que aconteceu aqui, por isso, eu e meu grupo queremos ajudá-los!
Antes que pudesse continuar, um homem no meio da multidão gritou: — Vão embora! Não queremos mais pessoas roubando nosso dinheiro e comida!
— N-não estamos atrás de dinheiro! Queremos apenas ajud… — Sou cortado novamente.
— Ajudar?! Pare de falar asneiras! A não ser que você seja um exército, não existe possibilidade alguma de nós ajudar!
— Pare de dar falsas esperanças aos meus filhos!
— Vá embora!
Os gritos de um homem tornaram-se o de centenas, o povo estava com ódio e a amargura que sofreram parecia lenha para os gritos e insultos que proferiram. Olhei para os três e Kitsu sussurrou: — Mjolnir!
Sem pensar, ergui minha mão para cima, imediatamente um objeto voou em alta velocidade vindo da carroça e quando chegou em minhas mãos, um enorme estrondo, maior que o do sino, ecoou por toda cidade. Os gritos cessaram, o povo observava atentamente assustados.
— Sei que estão com medo! Não querem dar falsas esperanças para suas famílias, só que não estamos aqui para roubar o pouco que vocês tem. Sou um inimigo declarado do rei de Mists! Presenciei de perto como suas ações machucam e mudam as pessoas! — Ergui minha arma. — Esse machado não é um armamento comum! É uma arma sagrada, nela tem a força de um exército e eu sou o portador!
Mesmo com a minha demonstração ainda havia murmúrios, o senhor que estava vendo de dentro da carroça ficou estressado, então gritou:
— Chega! Já estou cansado de ouvir as reclamações de vocês! Este grupo salvou minha filha sem esperar nada em troca, talvez seja hora de pararmos de negar ajuda e abraçá-la antes que outros morram!
Comecei fazendo tudo errado, obviamente não escutariam um estrangeiro que provavelmente queria trazer mais sofrimento, o sensato sempre foi colocar um homem que conheciam para falar, um senhor que sofreu tudo que sofreram.
O discurso os motivou e agora queriam me escutar. Abaixei meu machado e chamei o senhor para cima do palco. Sussurrando, falei: — Está escurecendo e como disse, a noite vai ter muitos monstros, tem algum lugar onde podemos levar todos para passarem a noite?
Com uma das mãos apoiadas na bengala e a outra coçando a cabeça ele teve uma ideia. — Existe uma mansão no topo do morro ao sul, antigamente um grande mercador vivia lá, entretanto, não sei se conseguiremos chegar a tempo.
Chamei o resto do grupo para conversa. — Temos que tentar, se deixarmos para amanhã haverá muitas mortes. Vamos escoltá-los, sei que com nossas forças todos vão chegar lá em cima.
— Como vamos nos organizar? Se não protegermos todos, tudo será em vão — disse Nozomi.
— Isso eu deixo com você. Deve saber algum tipo de proteção que cubra todos, afinal trabalhava no exército da sua vila, certo?
— Pode deixar comigo, preciso do papel e da quantidade de pessoas que vai ter no grupo.
— Deixa que eu ajudo! — gritou Appu de dentro da carroça.
Nos preparamos o mais rápido possível e quando terminamos já estava escuro. Nozomi formou um plano que parecia funcional, Daisuke e Appu iriam guiar o povo a frente junto com o senhor e sua família. Emi ficaria no centro para ajudar os mais feridos e debilitados, enquanto Kitsu e Nozomi estariam dos lados.
Ficaria atrás, para ir de frente contra os monstros e me certificar que ninguém seria deixado para trás. Quando tudo estava pronto, a noite já tinha chegado e os monstros estavam fazendo barulhos assustadores e macabros.
Começamos a caminhar em uma estrada mal iluminada, os que ainda tinham um pouco de força carregavam tochas e lanças para defender suas famílias. Não conseguia sentir, mas a noite estava fria e soturna.
O barro no chão não ajudava na locomoção, os mais velhos deixamos na frente, só que não havia diferença de força entre um senhor e um jovem. As crianças órfãs ficavam para trás já que não tinham o suporte de seus pais, entretanto Emi as ajudava como podia.
Meio caminho já havíamos andado, começamos a subir o grande morro e a lua agora iluminava a todos nós. Mas, mesmo que confortável, era um falso alívio, pois como agora estávamos vendo nossos pés, os monstros também nos viam. Então centenas surgiram em meio às moitas, ogros, lobos, goblins. Todos desorganizados, só que com um objetivo em comum, nos matar a sangue frio