Perseguidos Pelo Tempo - Capítulo 3
Enquanto caia, a única coisa no qual pensava era que tinha que diminuir minha velocidade. Então enfiei minha faca na parede, deslizando para baixo com galhos e pedras raspando na minha pele junto a lama. Quando cheguei ao pé do morro, bati minha cabeça em um tronco e rolei alguns metros.
— Minha cabeça! Droga de mundo… — Me levantei um pouco tonto e verifiquei se estava sangrando e, infelizmente, estava. — Podia ser pior, se não estivesse com a faca poderia ter morrido.
Olhando para cima vejo enormes bolas de fogo sendo lançadas e penso: “Desculpa Kitsu, espero que consiga escapar.”
Estava um tanto tonto, mas continuei procurando por Emi e em alguns segundos consegui a ver a alguns metros de distância. Andei sobre os corpos de inúmeros escravos soterrados pela chuva e lama até alcança-la.
Meu corpo já estava totalmente sujo, encharcado e com sangue escorrendo das feridas. Cheguei ao lado de Emi, sua pele estava muito mais suja, com feridas e cortes. Verifiquei seu pulso que me deixou mais aflito, estava fraco e menos constante.
A única coisa que passava pela minha cabeça era que tinha que secá-la de alguma forma e aquecer seu corpo rapidamente. Levantei para procurar um pano e senti algo em minha cabeça, um tecido grosso e pesado, preto como carvão, as pontas estavam rasgadas e um esqueleto a vestia.
Era um manto, mais que o suficiente para deixar Emi aquecida até encontrar algum lugar seguro. Então corri, o mais rápido que podia, já não sentia minhas pernas, estavam cobertas de barro, provavelmente pesadas, só que não parei de jeito nenhum, precisava correr.
Passaram-se horas que pareciam mais dias, meu ombro machucado começou a doer junto a todos os meus músculos feridos. Quando achei que estava longe o suficiente, procurei por algum lugar seco e quente. A tempestade tinha acabado, mas a noite fria chegou em um piscar de olhos.
Atrás de alguns arbustos, achei uma caverna pequena que não tinha sinais de predadores. E com dificuldade, consegui acender uma fogueira que aqueceu a pequena caverna bem rápido.
Arrastei os galhos que podia para a entrada e isso deu uma certa descrição que talvez nos livrasse das tropas que nos perseguiam. Cansado, mas agora aquecido, molhei dois panos com a água da chuva. Usei um para colocar em minha boca e pressionei o molhado com força na ferida, então gritei o mais alto que podia, felizmente ninguém escutou.
A ferida não era funda e a dor agora era tolerável, nem imagino como isso seria doloroso se não tivesse conseguido resistência à dor nesses últimos meses.
“Cadê o desperdício de tempo agora, mãe? Se eu não fosse um fanático por sobrevivência agora estaria morto. ”
Quando a palavra “mãe” ressoou em minha cabeça, lembrei da minha família e de todos que conhecia em meu mundo. Me questionava do porquê de ser eu ali. E se ao invés de sair naquela noite eu tivesse ficado em casa? Talvez fosse o meu vizinho ou um estranho na rua que seriam os azarados? O que estaria fazendo? Talvez desperdiçando meu tempo?
Só que não adiantava pensar nisso, remoer o passado só me traria mais tristeza e fraqueza, tinha que focar no presente para continuar vivo.
Enquanto caia no sono, observava a chuva cair. Não dormi por muito tempo, tive pesadelos, dor constante e preocupação com o que faria ao amanhecer.
Antes mesmo do sol nascer, me levantei para respirar o ar fresco, aquela noite não foi agradável, só que nem de perto foi a pior. Foi melhor que acordar com chibatadas em minhas costas.
Já que tinha levantado, usei o tempo para aproveitar para encontrar algo para comer, ou algum rio para beber água. Verifiquei a febre de Emi que parecia ter diminuído, tentei deixá-la o mais confortável possível, mas mesmo assim não ajudou em muita coisa.
O lugar parecia uma rota comercial esquecida, era provável que perto dessa caverna tivesse algum rio e procurando bem comprovei minha teoria. Um pequeno oásis esquecido, cheio de frutas e nozes, perfeito para dois escravos fugitivos muito famintos.
Rasguei um pedaço da minha camisa e juntei o máximo que podia. Em uma folha extremamente grande, peguei água o suficiente para nós dois. Reuni tudo, então voltei para a caverna, só que a alguns metros de distância, escutei um choro estranho, não era humano, mas sim animal.
O choro vinha de uma árvore oca queimada, coloquei as frutas e a água no chão e me aproximei devagar. Ao olhar dentro vi um filhote de lobo e isso me assustou de imediato.
— Ah! Um… filhote de lobo? O que raios está fazendo aqui sozinho? — perguntei para mim mesmo e percebi uma coisa. E se a mão estiver perto? Não gostaria de enfrentar nenhum animal atualmente.
Ignorei o filhote e voltei para a caverna. Comi um pouco das nozes e frutas que peguei então bebi um tanto d’água. Até tentei dar um pouco para Emi, mas ela rejeitou a maioria.
Então, perto do meio dia, parto da caverna em direção a floresta, totalmente oposta a que vim. Passei pelo filhote que ainda estava chorando e me perguntava se a mãe tinha saído para caçar, mas era muito difícil deixar sua ria desprotegida por tanto tempo.
Andando por alguns minutos, acabei pensando em algumas coisas, principalmente as que estavam me atormentando.
“Kitsu… você conseguiu fugir? E o pessoal da cela?” O passado me incomodava, mas o presente também. “Para onde devo ir na minha situação… Provavelmente todos sabem quem é o prisioneiro acusado de ter matado a filha do general.”
Não sabia as leis desse mundo, mas pelo que kitsu me disse que foi o básico do básico, creio que a experiência que tive em jogos e longas leituras, não irão se aplicar a um mundo que está a quase 500 anos atrasados.
Continuava a pensar até que fui cortado por alguns urubus grunhindo em cima de algo. Me escondi rapidamente atrás de uma árvore e deixei Emi. Sem chamar muita atenção me aproximei dos animais que ficaram assustados e correram, revelando um grande cadáver.
Fiquei assustado, mas o fato de não ser um humano me deixou muito aliviado. Vendo melhor agora, percebi que era um grande lobo, talvez a mãe do filhote que ficou lá trás.
Uma dúvida surgiu em minha cabeça e me obrigou a pensar por alguns minutos. Só que deu em apenas um resultado, voltar e ver o que faria com o filhote.
O pequeno dormia incomodado e com frio, então o agarrei com surpresa e tirei para fora.
— Escuta, não posso carregar mais peso agora, então você tem apenas duas opções. Ou você fica aqui e morre sozinho, ou me acompanha e tem uma mínima chance de sobreviver, ambas são ruins, mas a minha é um pouco melhor.
Falo e o coloco no chão, sigo pelo trajeto e ele me acompanha. Depois de horas sem parar, chego em uma planície. Sem proteção das árvores e o sol escaldante, estava com dificuldade em andar.
Cada passo que dava me deixava menos consciente, então caí no chão quase desacordado, ouvindo alguns galopes de cavalos e uma carroça.
❃❃❃
Acordei assustado com um pesadelo e tentei levantar depressa, mas uma tontura repentina me impediu. Olhando em volta, vejo que estava em um pequeno quarto, rústico e simples. Fiquei aliviado por não ser uma cela suja então me acalmei.
Olhando pela janela, estava no segundo andar de uma cabana, meu ferimento estava enfaixado e minha dor tinha praticamente desaparecido.
— Oh! Então você acordou querido! Venha, estou quase terminando o almoço!
Uma senhora simpática me cumprimentou de repente saindo do corredor. Sua aparência era alegre e calma, ela sorriu para mim e voltou.
Fiquei com receio e por reflexo vou pegar minha faca, mas não a encontro, olho em volta para ver se tinha algo para me defender, só que a senhora gritou novamente.
Enquanto a seguia, passei por um corredor bem interessante. Os moradores pareciam ser alguns aventureiros que colecionavam alguns de seus feitos. Observei, chifres, espadas, armaduras e joias, sentia que estava em um museu.
Desci a escada e cheguei à cozinha da senhora.
Olhando em volta, me lembro de algo. — Senhora, não quero parecer ingrato, só que estou muito preocupado com a mulher que estava me acompanhando. Preciso saber agora onde ela está
— Ah, sim! a moça que estava em estado deplorável! Siga-me a deixamos em outro quarto.
Acompanhei a senhora até um quarto. — Você deveria cuidar melhor de sua esposa, se alguém a visse desse jeito você seria linchado na rua.
— Esposa? Você entendeu errado, ela só é uma amiga. — Olhei para outro lado incomodado.
— Haha! Me desculpe então, é que não se vê por aí homens viajando com mulheres que não sejam suas esposas, servas ou escravas.
A mulher abriu a porta e entrei, de cara, vejo Emi deitada em uma cama, estava com uma aparência muito melhor. Seus cabelos brancos que antes pareciam marrons de tanta lama agora estavam tão limpos que pareciam neve.
Sua pele branca que antes estava suja agora parecia perfeitamente limpa e a febre que chegava a me queimar tinha diminuído drasticamente. Após ver ela, sai do modo defesa e fiquei mais tranquilo, pelo menos por hora, ninguém iria me atacar.
Conversei com Emi por algumas horas, falando bobagens do meu mundo e outras coisas como comidas ou jogos que joguei. Falei sobre meus pais e quase minha vida inteira resumida em algumas horas.
A senhora me chamou e vou para cozinha.
— Meu querido, aposto que está morrendo de fome, não é? Coma à vontade, meu marido chegará daqui a pouco. Aposto que vai gostar de conversar com você, foi ele que resgatou vocês três.
Ela encheu uma vasilha generosa de cozido.
— Três? — Um relance da minha memoria volta. — Ah, claro, o lobo que estava comigo.
— O colocamos no depósito atrás da casa, caso queira ver como ele está
— Irei verificar mais tarde, obrigado.
Começo a comer e um único pensamento vem à cabeça:
“Oh meu Deus! Faz tanto tempo que não como algo assim!”
Algum tempo depois escuto a porta da frente abrindo. Instantaneamente levantei virando para o corredor de entrada.
Um senhor exageradamente grande entrou, parecia ser maior que o Hiroíto. Estava usando uma pele que parece ser de um urso polar, tinha uma barba branca que chegava até sua cintura e cicatrizes pelo rosto todo.
Virou-se seu olhar para mim que na mesma hora engoli em seco. Pareciam os olhos de uma águia me cortando sem dizer uma palavra.
Caminhou calmamente até o meu encontro e colocou sua mão na minha cabeça
— Sua febre diminui-o — falou e sua voz ressoou pelo como inteiro. — Irei dormir, converso com você mais tarde.
A mulher, vendo que fiquei um tanto em choque, falou: — Tudo bem meu jovem, quando Isao chega, normalmente vai direto pra cama. Ele deve acordar bem no final da tarde.
— Tudo bem… — Escutei um latido e meu sangue voltou a correr. — É claro, quase me esqueci dele. Algum problema se for lá fora?
— Claro que não, pode ir, só pega um casaco porque deve estar frio.
Eu pego a pele que estava na cadeira e vou até a porta, quando sai parece que viajei por horas. A vegetação mudou completamente, a casa de meus salvadores ficava bem em cima de um morro, conseguia ver um grande e bonito campo verde bem na minha frente.
Pensei que a guarda poderia chegar a qualquer momento, deveriam ter soado um alerta na cidade de escravos fugitivos. O que com certeza estragou o apetite do general e do rei.
Acabei abrindo um sorriso após a imagem dos dois surgirem em minha cabeça. Mas outro pensamento vem a tona.
— Será… que talvez um dia eu tenha uma vida normal aqui? — Quando falei, minhas palavras ecoaram na enorme planície. Achei que ninguém as escutaria, entretanto tinha mais uma entidade ali.
— Eu não permitirei.
Então tudo ficou lente, como se estivesse acelerado, todas as cores se tornaram cinzas e mostras. Quando virei meu corpo, me deparei com uma criatura gigantesca de 4 metros de altura.
Em suas mãos havia uma ampulheta e uma espada que parecia ter um relógio em seu centro. Não era possível ver seu rosto, estava tampado por um capuz e, por algum motivo, não sentia medo, parecia que estava até mesmo familiarizado com a criatura. Como se a conhecesse..
— Porque não? — perguntei, sem sentir nada.
— Você está aqui foi um erro que não pode ser consertado. Então deve ser eliminado sem causar mais danos a esta dimensão, agora morra, intruso!
Sua espada foi em minha direção, mas por algum motivo não me mexi ou me assustei. Como um reflexo, levantei meu braço e a espada ricocheteou de volta.
— O que? Isso é possível? — Seu incômodo era aparente, conseguia sentir sua desaprovação. — Bom… se insiste em se rebelar e não fazer o que peço. Farei de tudo para deixar sua vida aqui um inferno, moverei todos os meus peões para que sua estadia nesta dimensão seja o mais desconfortável possível e que deseje nunca ter nascido.
Quando escutei aquilo, fiquei um tanto preocupado, tinha perguntas, mas as palavras que surgem em minha boca não eram de alguém assustado e sim, de alguém preparado para tudo. — Você chegou um pouco atrasado.
A criatura desapareceu diante dos meus olhos. Tudo voltou ao normal e eu caí no chão. Fiquei paralisado, pois meus sentimentos e principalmente o medo me afetam como uma bala.
Imediatamente tentei pedir ajuda, só que ao invés disso, apenas gritei:
— O Deus do tempo!