Perseguidos Pelo Tempo - Capítulo 33
Após aquela deliciosa taça de vinho do diabo, dormi mais três dias inteiros. Desde minhas festas da faculdade sou assim, caio bêbado com apenas uma lata de cerveja. Esperava que ser um portador mudaria isso, só que tem algumas coisas que nunca mudam.
Três semanas se passaram desde o acordo com o lorde e fizemos muito progresso na reconstrução da cidade. Grande parte da população já foi realocada na cidade e os feridos que restaram já estão fortes o suficiente para voltar para suas famílias. Tem sim algumas pessoas desnutridas e fracas, mas em geral, todas estão bem.
Com quase todos os feridos na cidade e só os mais graves na mansão, Emi começou a trabalhar em outra área. Agora que estavamos cuidando de exportações como comida e material para reconstrução, os gastos tinham que ser controlados e ninguém melhor que Emi estava apta ao trabalho.
Segurando duas caixas em minhas mãos, levava centenas de documentos para o seu novo escritório. Que é um dos muitos da casa.
Toc Toc
— Entre! — Escutei sua voz de dentro da sala.
Quando percebeu que era eu quem entrou, automaticamente colocou sua caneta para o lado e se jogou para trás na cadeira. — Está com muito trabalho? — perguntei e ela acenou com a cabeça ainda olhando para cima. — E eu trouxe mais um pouco.
— O que?! Sério?! — suspira e até bufa um pouco, mas logo se ajeita em sua cadeira. — Vamos ver o que temos aqui então. O que são todos esses documentos?
Me sentei em uma das cadeiras perto da escrivaninha. — A primeira caixa são mais despesas e alguns números que, sinceramente, não faço ideia do que são.
— Bem vindo ao meu mundo. E a outra?
— Bom, isso é algo que iremos discutir em uma reunião com o conselho. — Passadas algumas semanas, tivemos que nos organizar melhor, agora chamamos de conselho todos os anciões da vila e nosso grupo. — Vai de tratados e acordos de lordes e duques, até para famílias de mercadores e grandes empresas. Bla bla bla.
— Uau, mas por que você trouxe até aqui?
— Uma assistente vai passar aqui para buscá-los depois. Só que em fim, como vai sua assistente junior? — Appu estava sentada em um tapete com alguns lápis e papéis. Parecia concentrada, só me notou quando me referi à ela.
— Agora Appu sabe quanto é 2 mais 2! — Um grande sorriso apareceu no seu rosto e ela esticava os braços me mostrando a folha com sua somas. Mas também percebi que em outro caderno havia alguns textos que não compreendia.
— Que legal Appu! Se continuar estudando vai até conseguir ajudar a Emi no trabalho dela!
Emi me deu um soco na cabeça e falou: — Para de tentar fazer a garota trabalhar, ela ainda é muito nova pra isso!
— Disse a mulher que a ensinou a lutar com facas contra monstros antes mesmo de aprender quanto é dois mais do… — Recebo um olhar mortal e decido mudar de assunto. — Então… que textos são esses no papel?
— An? Ah! Essas são algumas palavras élficas que dei para ela estudar. Appu não sabe nem a língua do deus Nostem, mas ainda sim insistiu em aprender a minha língua.
— Talvez essa pequena garota quer ser igual a tia Emi, não acha? — Com sucesso, fiz ela corar. Acho que Appu tem Emi como figura materna, então não me impressiona ela querer ser igual a Elfa. — Haha. Acho que isso é tudo, tenho que voltar até a cidade agora.
— Como vai o trabalho lá?
— Estamos progredindo rapidamente. Desde que a população voltou até suas casas e não precisam fazer uma grande viagem de lá até a mansão, nos poupou muito tempo.
— Kitsu, Nozomi e Daisuke também estão trabalhando lá?
— Sim, sim. Vamos de carroça daqui a pouco, acho que chegamos até o anoitecer. Perto da hora do jantar, ok?
— Ótimo, bom trabalho queri… — Estava na porta, mas na hora que ouvi suas palavras congelei até os ossos. E pense bem, eu tenho resistência ao frio. — Quer dizer Kazu…
— P-pra você t-também! — Saio rapidamente.
Meu relacionamento com Emi não progrediu muito desde o reino de Mists e não é como se nós dois não quiséssemos, só que o trabalho dificulta muito, ainda mais quando estamos em áreas diferentes. Às vezes eu passo no escritório para entregar alguma coisa ou só dar um oi e falamos algumas coisas, mas sempre damos um pé atrás por causa da vergonha e o desespero.
Espero que tudo isso mude quando nosso trabalho aqui acabar.
Desci as grandes e luxuosas escadas da mansão para me encontrar com o pessoal no salão de baixo, entretanto estavam parados olhando para a porta esperando algo acontecer. Castle e mais dois homens, um deles era o estressadinho da batalha contra os monstros, barravam a porta.
— O que está acontecendo? — perguntei.
— Eles não querem nos deixar sair, por algum motivo — falou Kitsu.
— Castle, o que está acontecendo lá fora? Por que não nos deixa sair? — Já estava ficando receoso, até que falou:
— Lá fora? Não tem nada de errado lá. O problema é vocês, até quando acharam que iriam nos enganar? Pensaram mesmo que não íamos perceber? — Olhei para Kitsu e Nozomi vendo se eles sabiam de algo, mas ambos pareciam não estar entendendo. Até Daisuke parecia estar confuso.
— Do que está falando, velho? — Nozomi o respondeu.
O velho senhor, usando os dedos para assoviar. Chamou mais dois homens que estavam acompanhados de Emi e Appu. Agora a situação estava mais confusa, será que fizemos algo de errado?
— Agora terão de pagar por tudo que fizeram. — Ele levantou a bengala para o alto e por reflexo, estava preparado para chamar Mjolnir, mesmo que tivesse certeza que nunca nos machucaria. Até que o mesmo apontou a bengala para nós. — Vocês estão trabalhando demais!
— … o que?
— Nós fizemos o que nos ensinou e votamos. Chegamos a um consenso e vocês estão proibidos de trabalhar até amanhã!
— Mas a gente não tá se sentindo cansado nem nad…
— Eu não quero saber! Acha que não vemos a Emi passando noites sem dormir só pra cuidar da parte administrativa?! Ou a Nozomi treinando de madrugada para ajudar caso os monstros voltem?!
— Escuta Castle, é que a gente tem muita energia e é difícil ficar parado. — Kitsu tentou argumentar, mas foi rebatido.
— Isso não é desculpa! Os guardas da madrugada já se cansaram de ver você e o Kazuhiro nas obras no meio da noite! Sério, vocês precisam descansar, não é saudável ficar trabalhando desse jeito. Deveria existir alguma lei trabalhista pra parar vocês em casa!
Não importava que tipo de argumentos a gente usasse, Castle não deixaria o braço a torcer e no final, todos acabamos de castigo por trabalhar. Agora estávamos em uma sala, todos entediados e se perguntou o que fazer agora.
Desde que cheguei a esse mundo nunca tive um momento assim, onde não precisava me preocupar com nada e poderia ficar à toa jogando tempo fora. Só que não adiantava nada, não sou o mesmo Kazuhiro que ficava horas a fio jogando jogos ou assistindo animes na TV.
Agora ficar parado me deixava ansioso e não conseguia parar de rodar a sala em que estávamos. Precisava de algo para ocupar minha cabeça, se não começaria a pensar em tudo que poderia dar errado.
— Vocês tem alguma ideia do que podemos fazer? — perguntou Kitsu sentado de cabeça para baixo em uma poltrona vermelha. — To cansado de ficar olhando para essa planície. — Havia uma grande janela em sua frente.
— Que tal jogarmos alguma coisa? — perguntei.
— Quer jogar alguns jogos de criança? Por que é só isso que tem nessa mansão. É uma vergonha ter uma casa tão grande e nada de divertido nela — citou Nozomi.
— Falou e disse — comentou Kitsu.
— Já sei! — Emi pulou do tapete em que estava. — E se a gente trabalhasse, só que sem parecer isso!
— Como assim? — Kitsu sentou-se direito para prestar atenção.
— Por exemplo. E se por acaso eu e Appu fomos à cidade para dar um passeio e, também por acaso, eu inspecione as obras para talvez, cuidar das despesas mais tarde?
— Gostei da ideia! Já tenho até uma ideia na cabeça e vou precisar do você, Nozomi! — Kitsu falou empolgado.
— Qualquer coisa que me tire dessa sala onde o tempo não passa.
Então todos saem, deixando só eu e o Daisuke pensando no que poderíamos fazer para trabalhar sem que ninguém soubesse. — E então, garoto, alguma ideia? — Recebi um olhar depressivo como resposta. — É, pelo jeito vamos ter que andar por aí, o que acha? Um passeio seria bom.
Nós dois estávamos quase saindo para andar por aí, talvez na floresta ou em qualquer trilha por perto. Até que passei perto da ala médica e uma ideia surgiu em minha cabeça. Talvez não funcionasse, mas não custaria nada tentar.