Perseguidos Pelo Tempo - Capítulo 34
Daisuke me encarava se perguntando o que eu estava prestes a fazer. A ideia surgiu do nada, mas poderia ser uma forma de eu me aproximar mais dos habitantes da vila e não ser apenas o financiador ou o cara que matou centenas de monstros de uma forma — que aos olhos deles — foi quase suicida.
Iria fazer somente uma entrevista com quem quisesse falar comigo e descobrir um pouco mais sobre eles. A possibilidade de ter mais informações sobre Cristian também era algo tentador. Tinha certeza que não quebraria nosso acordo, só que precisava saber se realmente era uma pessoa boa.
Então com o enorme lobo, entrei na ala médica, onde ficavam todos os feridos da vila. Automaticamente focaram seus olhares em nós. Desde crianças pequenas a senhores de idade.
— Ó-ola… — Acenei e todos permaneceram parados, continuaram me encarando por um tempo até que uma das crianças gritou:
— É o Kazuhiro e o Daisuke!
Todas as crianças que podiam andar, pularam no pescoço do animal peludo. Acho que Emi comentou alguma coisa sobre ter trazido ele às vezes aqui. Ela disse que tem um estudo élfico que diz que animais ajudam na recuperação das crianças e parece que estava certa, pois maioria delas estava desacordada na última vez que as vi.
De qualquer forma, não pareciam tão interessadas em mim.
— Você é o tio Kazuhiro? — Uma pequena garota, chegou a me assustar quando chamou meu nome, então respondi:
— Sou sim. — Me abaixei com um sorriso no rosto. — E quem é você, pequenina?
A garota parecia feliz por eu ter perguntado seu nome e respondeu animada. — Kat! Meu nome é Kat!
— Prazer Kat. E como é o nome das suas irmãzinhas? — Havia duas garotas mais novas atrás do corpo da mais velha. Ambas com tremedeira nas pernas, mas pareciam quase saudáveis.
— Essa é a Nathalia e a Saya. — Colocou as mãos em cima da cabeça das garotinhas. — E aquele ali é o joão, ele tá dormindo, então fale baixinho.
Quando olhei para o bebê dormindo, tive um déjà-vu e me lembrei da onde conhecia esses irmãos. Essas pequenas crianças eram as que roubaram o saco de maçãs quando chegamos na vila, só que não pareciam nem um pouco doentes. Comparado a algumas semanas atrás, estão bem mais saudáveis e coradas de quando as encontrei.
Fiquei feliz por meus esforços estarem dando certo.
— Sua mãe está bem? Vendo agora, ela não parece estar aqui. — Perguntei me sentando em uma das macas vazias. — Ela parecia muito fraca, está se recuperando bem?
— A mamãe? Ela tá bem, acho que está trabalhando como assistente do… consero, consedro, conse…
— Conselho?
— Isso! A mamãe já melhorou do dodói, mas a gente tá com alguma coisa na barriga e não podemos sair até que melhoremos. — A lembrança que tinha de sua mãe era vaga e me incomodava um pouco. No período que dormi, à alguns dias, permiti que Mjolnir liberasse meus sonhos, só que me arrependi depois do primeiro dia.
Todas as minhas lembranças mais horrendas, extraídas puras, do fundo do meu subconsciente. Parecia um amontoado de tragédias, me consumindo por dentro como se meu coração fosse feito de ferro e a ferrugem o corroía até não sobrar nada.
Trabalhar era algo que me fazia esquecer de algumas coisas, mas mesmo assim, quando a noite chegava, tudo vinha à tona, às vezes, disfarçada em sonhos.
— Então eu espero que você e seus irmãos melhorem bastante! Quando a cidade estiver funcionando, vou levar todos vocês para um grande passeio, ok? — Seus rostos se iluminaram, não só os irmãos, mas todas as crianças ficaram empolgadas querendo que as levasse até a cidade. E prometi sem hesitar.
Continuei conversando. Eram crianças energéticas e pareciam nunca se cansar, não importava do que estivéssemos brincando. Algumas vezes fazia perguntas comuns como nomes, idade e do que gostavam, nisso percebi que o que sabiam era extremamente limitado, todas elas nunca saíram da vila, maioria nasceu na pobreza.
Só que tudo que faltava era compensado por uma imaginação viva e sem limites sobre o mundo ao redor. Conseguia ver futuros brilhantes para cada um deles e isso era como combustível para eu trabalhar mais e mais para que esta cidade renasça.
Passadas algumas horas, todas adormeceram. Mesmo que tivessem muita energia, ainda estavam doentes e eram crianças. Esse tempo que passei com elas foi muito bom, às vezes apenas esquecer do mundo e também das preocupações era do que precisava.
Mas respirei fundo e foquei meu olhar nos mais velhos. Adultos e idosos que provavelmente viram a cidade ruir e também estão vendo ela ser reconstruída. Agora precisava voltar ao trabalho.
— Oh! É o Kazuhiro! Obrigado por brincar com as crianças, nós não temos mais tanta energia assim, haha! — Me aproximei de um dos senhores e sentei em uma das cadeiras que estavam vagas. Pareciam estar jogando algum tipo de jogo de cartas.
— Não precisam me agradecer, hehe! Foi um prazer brincar com elas, são todas incríveis.
— Tão pequenas e mesmo assim sofreram tanto…— Uma mulher de cabelos cor de vinho, com as castas na mão falou. — Que bom que vocês passaram por aqui, se não, estaríamos ferrados.
— Não precisam se preocupar com o que aconteceria, o que importa é que estamos aqui para ajudar, então aproveitem. — Olhando para os olhos da mulher, pareciam brancos e prestando um pouco a mais de atenção, percebo que ela é cega. — E então, o que estão jogando?
— Se chama, Duque Dourado. — O jogo é simples, quase idêntico a 21, que é um jogo de cartas do meu mundo. Existem algumas regrinhas bobas, só que os fundamentos são: Comprar cartas, desistir e chegar mais próximo do número apostado. Se você tiver exatamente o número apostado, ganha quem falar primeiro.
Joguei um pouco com eles, entretanto fiquei extremamente curioso em como a mulher de cabelos cor de vinho jogava. Mas quando peguei as cartas entendi. Era improvisado, provavelmente feito com uma faca, mas todas as cartas tinham um relevo que se passasse às mãos, podia sentir o número e o símbolo.
Joguei algumas partidas e quando se cansaram, iniciei uma conversa da mesma forma como com as crianças. Perguntei nomes, se já saíram da cidade, entre outras coisas. E eventualmente, foi sabendo um pouco mais de cada um, junto com informações sobre Cristian.
Ao contrário do que pensava, ele recebeu inúmeros elogios e parecia ser um homem que cumpria seus acordos. Era respeitado até mesmo pela alta realeza. Isso tirou um peso das minhas costas e agora poderia realizar a segunda etapa do meu pequeno plano.
Descobri que a mulher cega era uma grande costureira, suas roupas eram de qualidade altíssima, mas quando a cidade caiu, infelizmente sofreu de uma doença que tirou sua visão.
Havia outros que também tinham qualificações excepcionais, que só estavam parados porque não tinham materiais para realizar seus trabalhos. Por isso, no final da tarde, com o sol quase se pondo, decidi contatar Cristian secretamente.
Em meu quarto, tentava decifrar como funcionava um espelho de comunicação. Não existiam botões e não tinha como teclar também, estava perdido. Tinha recebido o espelho em uma das encomendas que pedimos e o conselho decidiu que era a forma mais eficiente de comunicação, principalmente agora que estamos indo bem na reconstrução.
— Mjolnir…
— Sim, mestre?
— Como esse troço funciona…? Sério, precisamos de algumas aulas de magia ao invés de aulas de combate à noite. — Cheguei a morder a peça de tanta raiva.
— Vejo em suas memórias que em seu mundo usava algo chamado… telefone. Estou correto? — Concordo com a cabeça para a arma que está pendurada em um suporte na parede. — O princípio é o mesmo, apenas diga: Se comunicar com Cristian Vinnicius Albert e espere.
— Ok… Se comunicar com Cristian Vinnicius Albert! — Fiquei tenso, era minha primeira ligação em outro mundo. Para ser sincero, nunca pensei que faria uma ligação em outro mundo. Até que de repente, a imagem do jovem lorde apareceu em minha tela.
— An? Kazuhiro?!