Perseguidos Pelo Tempo - Capítulo 35

— O-oi Cristian…! — gritei por impulso.

— Oh, Kazuhiro! É a primeira vez que nos falamos por espelhos. Aconteceu alguma coisa? É muito raro que vocês façam contato fora do nosso agendamento. — O rosto do jovem lorde estava completamente diferente de quando nos encontramos pela primeira vez, agora parecia mais feliz e não me olhava como uma praga.

— Não se preocupe, tudo está dentro dos conformes. Eu só precisava acrescentar mais algumas coisas nas mercadorias que pedimos há alguns dias. Tudo bem?

— Sem problemas, mas por que decidiu mudar tão de repente?

— Na verdade… eu tive uma ideia momentânea. É um pouco diferente, só que eu acho que pode ajudar muitas pessoas.

— Então o que está esperando? Fale logo! — Ele acabou falando um pouco alto, então sua voz ressoou pelo meu quarto. 

— Já vou falar! Só fale mais baixo, eu não deveria nem conversar contigo hoje!

Comecei a explicar minha ideia de ajudar as pessoas a voltarem aos seus antigos trabalhos — ficar jogando cartas o dia inteiro não poderia ser saudável — e sem hesitar, o jovem me apoiou completamente, achou a ideia brilhante!

No começo da ligação fiquei um pouco tenso e com medo do lorde achar que ligar fora do horário poderia ser considerado uma afronta. Só que foi totalmente o contrário, Cristian me tratou muito bem e ainda queria adicionar um bônus no meio das mercadorias que pedi. Depois de falar com os habitantes e das recentes atitudes dele, acho que tem uma chance de nem todos os nobres serem ruins.

Emi — que é a responsável por atualizar o lorde sobre o progresso da reconstrução — também me falou que em todas as ligações que tiveram ele a tratou muito bem. Disse que não se importou da negociante ser uma mulher, que ao contrário de  muitos do reino de Mists, aceitou quaisquer sugestões que ela dava.

Se me recordo bem, a postura do lorde mudou quando retirou uma espécie de artefato de dentro do porão da mansão. Mas isso foi o que me disseram, porque estava dormindo quando isso aconteceu.

Enquanto estávamos decidindo o valor total das mercadorias, Bárbara entrou na sala e sussurrou algo para Cristian. — Kazuhiro, acho que o valor que propôs é mais que o suficiente para tudo. Queria poder conversar mais com você, mas ouve uma mudança nos meus planos e tenho que desligar.

— Tudo bem. Mais uma vez, obrigado por tudo.

A ligação é finalizada e vejo meu reflexo no espelho do meu quarto. Não me acostumei muito com a minha nova aparência, só que não era muito ruim. Cabelos bracos e olhos azuis até que combinavam comigo. 

Infelizmente não pude me exaltar por muito tempo. Castle apareceu de repente e parecia muito bravo. — Kazuhiro! Acha que eu nasci ontem?! — Com toda certeza, não. — Eu sei que você está trabalhando secretamente! 

— D-do que você tá falando? Eu só conversei com o pessoal e…

— Eu não posso tirar os olhos de vocês por um segundo que já estão trabalhando! — Quem é você? Minha mãe reencarnada? — Que saber? Agora todos vocês vão ficar em seus quartos!

Sem dar brechas para qualquer discussão, simplesmente saiu me trancando no quarto. Castle é um senhor que tem a palavra absoluta e quem sou eu para confrontá-lo?

Parecia que agora eu não tinha mais nenhuma opção. 

Deitei em minha cama e encarei o teto até adormecer. Quando abri meus olhos novamente, estava na enorme sala escura, onde lutei com os infinitos esqueletos e inclusive, com Mjolnir.

— Mjolnir. Quero que apareça na minha frente em sua forma física! — Fazia muito tempo que eu não o via em sua forma física. E agora queria falar com ele sobre algumas coisas, então acho que seria melhor assim do que com uma voz na minha cabeça.

O grande minotauro se materializou na escuridão. Quase três vezes maior que eu, vestia uma armadura antiga e destruída em alguns aspectos. Suas mãos nuas estavam enfaixadas com algumas faixas vermelhas e seu corpo tinha inúmeras cicatrizes.  — Meu senhor, por que quis ver essa versão de mim?

— Quero aproveitar o momento para te perguntar algumas coisas. Creio que sua sabedoria pode me ajudar em uma questão que está me atormentando.

— Pois então diga! O que está te incomodando, mestre?!

Me sentei no chão procurando por onde começar e inquieto, comecei a bater os dedos na água sob meu pés. — Me responda com sinceridade. Fantasmas existem?

O rosto da enorme criatura mostrou uma expressão semelhante a duvida. — Hmm… Ah, então é sobre isso. Ufa, achei que você ia me pedir conselhos amorosos. Então, respondendo sua pergunta, sim, fantasmas existem.

— E-eu não pediria conselhos pra ninguém! E f-fique sabendo que eu era muito popular entre as garotas!

— Nós dois sabemos que isso é mentira.

— Que seja! Vamos voltar ao assunto principal! — Cocei a garganta um pouco envergonhado, mas continuei: — Eu perguntei aquilo porque sinto que tem algo diferente comigo, fisicamente e mentalmente.

— Achei que você já tinha passado pela puberda…

— Sem brincadeiras!

— Ok… Provavelmente que você esteja assim por causa do seu despertar. Não é todo dia que um novo portador chega no nível 1, principalmente tão rápido. 

— Tem isso também, só que é diferente. Eu acho que a filha do capitão tem algo haver. Às vezes eu escuto sussurros e sei que é sua voz, acho que também tenho lembranças na luta sobre ela, mas nada passa pela minha cabeça.

— Sabe, minhas memórias são ligadas a sua, entretanto isso não impede que eu veja coisas que você esqueceu. Só que eu estava muito ocupado durante seu despertar tentando fazer seu corpo não explodir e não prestei atenção nas suas memórias, então tudo que sei é o que o senhor lembra.

Não sabia que eu poderia ter explodido…

— Acha que tem alguma chance da alma dela estar ligada a minha?

— É possível, ela tem assuntos pendentes, principalmente com você. — Mjolnir falou e começou a pensar em algo. Parecia inquieto e com uma dúvida martelando sua enorme cabeça. — Mestre, se isso for verdade, tem como sabermos se ela está interligada a sua alma.

— Sério? Então diga!

— Se existe uma pequena chance dela estar ligada a você, tem alguém que podemos recorrer para saber disso. Emi.

— Emi? O que ela tem haver com isso?

 — A alma da Emi, ela não existe mais, lembra? Pelo menos a original. Com sua habilidade, você deu metade da sua vida para ela, isso cria um laço impenetrável entre vocês dois, o que significa, que se a filha do general está ligada a você, ela também está ligada a Emi.

— Então temos que falar com ela agora! — Quando escutei minhas próprias palavras, senti que meu corpo estava me avisando algo. Isso normalmente acontece quando eu preciso acordar ou alguém está me acordando. — Acho que esse assunto vai ter que esperar um pouco, vamos ver o que está acontecendo.

Acordei calmamente, não sentia que estava em perigo. Estava escutando um toque na janela, sutil e quase imperceptível para um ouvido comum. Me levantei, abri a janela e observei uma árvore a cerca de 10 metros.

— Pra um portador, você demora bastante para vir até aqui, não? — Uma figura preta e sem imagem estava na sombra da árvore, se eu não fosse um portador nunca escutaria ele.

— Isso importa? Se está aqui é porque tem algo para mim. Então fale logo!

— Certo. Acho que o assunto principal é o lorde, então vou começar por isso. Faz alguns dias que ele descobriu sobre a reconstrução da vila e pode ter certeza que não está nenhum pouco feliz.

— É, eu imaginei. Estava demorando para ele descobrir… e então, o que ele planeja fazer?

— Demorei um pouco, mas consegui ler todas as cartas que esse lorde recebia e parece que quem o contratou descobriu primeiro o que vocês estão fazendo aqui. Foi ele que contou para o lorde. — O rei de Mists deve estar irado, até indiretamente eu interfiro em seus negócios, preciso saber mais sobre isso. — Consegui ler as cartas que ele estava enviando também e parece que está reunindo seus homens a nordeste daqui. 

— Quantos quilômetros de distância?

— Se meus cálculos estiverem certos, cerca de 100 quilômetros e se aproximando rápido. 

Me sentei na borda da cama e comecei a calcular quanto tempo levaria até chegarem na cidade. — Certo, essas informações foram mais que úteis para mim. Acho que nosso contrato está encerrado, sobre o pagamento, vá até onde nos encontramos pela primeira vez. O seu dinheiro está enterrado lá.

— Mas eu ainda não terminei, não quer saber quantos eles são?

— Não importa. Eles podem ser centenas, milhares ou até centenas de milhares. Todos que ousarem tentar algo contra essa cidade, vão ser esmagados pelo grupo mais forte e desajustado que esse mundo já viu.

— Se é assim que deseja. Foi um prazer fazer negócios com o senhor, Kazuhiro.