Perseguidos Pelo Tempo - Capítulo 37
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— Então… os dias passaram e vocês ainda não explicaram como esse método funciona. — Já estávamos na antiga Vila de Adão. Kitsu e Nozomi passaram todo esse tempo preparando poções e fazendo símbolos por toda cidade. — A população está de acordo, mas todo mundo tá bem tenso, acho que explicar um pouco não vai ser tão ruim…
Ambos os irmão pararam o que estavam fazendo e me olharam com ranço. Odiavam ser interrompidos, principalmente quando estavam trabalhando juntos.
— Hunf! — bufou Nozomi. — Tá, vamos falar, só que depois queremos paz até que tudo esteja pronto!
— De acordo — concordei.
Sentamos na borda do palco da cidade, bem ao lado do grande sino. Os irmãos ofegantes, mesmo negando, pareciam aliviados em parar de trabalhar intensamente por alguns minutos.
Kitsu pegou um cantil e virou em seu rosto. Enquanto isso, Nozomi começou: — Como sabe, nossa vila já participou de inúmeras guerras. Algumas perdemos e outras ganhamos, muitas delas contra o próprio rei de Mists.
“Uma vila tão pequena, ganhar guerras… Isso é loucura e ao mesmo tempo incrível.”
— Se eu te conheço bem, deve estar se perguntando como nós, semi-humanos, conseguimos ganhar do exército do rei. — Kitsu, com um dos olhos, me encarava.
— Não se-seja tão convencido! Mas algo assim passou pela minha cabeça… — O maldito me conhecia de verdade!
Alguns minutos se passaram e os dois alternavam para me contar histórias que seus pais contaram para eles. Essas mesmas histórias que seus avós contaram para seus pais.
Tudo começou há décadas, durante a grande guerra entre o rei e os semi-humanos. Os avós deles estavam em uma ladeira de derrotas. Não importava quanto tempo eles investissem em armas e treino, tudo que estavam acumulando eram derrotas, uma atrás da outra.
As antigas escrituras diziam que eles estavam prestes a levantar a bandeira branca e se render como escravos para Mists. Entretanto, durante umas das batalhas que estava perdida, um jovem humano surgiu em meio aos corpos.
Seu rosto estava tapado por um manto. Vestia uma armadura com ornamentos em rubis e possuía uma lança que tinha uma áurea antiga, como algo sagrado. Não era possível ver seus olhos, apenas uma longa barba branca que ia até sua cintura.
Este jovem matou todos os soldados inimigos em um piscar de olhos, como se não passassem de baratas que deveriam ser esmagadas. Os antigos falaram que depois de tudo isso, o jovem se sentou em uma pedra e observou o que tinha acabado de fazer
Atrás dele havia um grupo de aventureiros, que pelas expressões, já estavam familiarizados com o poder do garoto. Os guerreiros ficaram em choque depois daquela situação e tudo ficou mais tenso quando o jovem decidiu falar com eles.
Mesmo com medo, achavam que não levar ele até sua vila seria uma afronta. Tinham que recompensá-lo de alguma forma. Mesmo negando até o fim, o rapaz aceitou o convite dos semi-humanos e jantou junto com os que ele tinha salvo.
Depois de alguns dias, criou empatia com a vila e decidiu ajudar eles na guerra contra o reino de Mits. E, durante sua estadia, ensinou para o conselho um feitiço chamado: O fervilhar do sangue de um portador.
O feitiço consistia em dividir e aumentar igualmente a força dos guerreiros. Era um método antigo, que juravam ter sido criado por um deus, só que isso não importava, era algo necessário para a vitória dos semi-humanos.
— Depois disso, o guerreiro nos ajudou em inúmeras batalhas. Até que no fim, ganhamos a guerra — terminou Nozomi.
— Espera, esse tal guerreiro, por acaso ele não seria o…
— Isao? Exatamente, o guerreiro Barba Branca foi quem salvou nossa vila de ser extinguida cruelmente — falou Kitsu, se levantando. — O feitiço que Isao nos ensinou é uma herança muito importante. Nós devemos nossa vida a ele, todos nós.
Ver a Nozomi séria não era uma novidade, mas Kitsu era algo totalmente novo. Ver alguém que brinca até mesmo quando sua vida está em risco, focado desse jeito, podia até ser um pouco assustador. Parecia que as antigas guerras eram muito importantes para ele, provavelmente por causa do seu passado.
— Certo, muito obrigado por me contarem tudo isso. Irei acalmar o povo para que vocês terminem o trabalho.
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A noite chegou em algumas horas e tudo que podíamos fazer era esperar. Gastamos todos os recursos que podíamos para aprimorar as defesas da cidade e tentar transformar esse lugar em uma base militar.
Já que não tivemos tempo de erguer muralhas, adotamos uma estratégia diferente. Ao invés de esperar que eles nos ataquem, nós iremos fazer isso. Por isso, fizemos o possível para impedir que as tropas ultrapassem um certo limite.
Colocamos grandes e pequenas estacas de madeira por todo o campo de batalha. Assim fazendo com que cavalos e carruagens não sejam um incômodo, pelo menos durante a luta.
Sobre a proteção para nossos atiradores, aproveitamos as antigas casas e destroços como casamatas improvisadas. Não era nada de grandioso, só que protegeria nossos arqueiros e alguns magos, que eu descobri recentemente.
— Certo pessoal. — Todo o povo já estava reunido na praça central e eu o grupo e o conselho já estávamos em cima do palco central. — Eu expliquei para vocês o básico sobre o feitiço. Não se preocupem, as chances dele dar errado são quase nulas, então espero a colaboração de todos.
Todos seriam afetados pelo feitiço, menos eu. Parece que havia algumas limitações sobre quem poderia receber o “boost”, mas isso não me preocupou muito, afinal, flechas e espadas não podiam me ferir facilmente.
Escolhemos dar poder a todos, desde idosos a crianças. Mesmo que não fossem lutar na guerra, uma forma de defesa a mais não era desnecessária.
— Peço que todos fiquem parados o máximo possível, vamos começar — falou Nozomi e em seguida deu um sinal para que Kitsu começasse. O semi-humano estava com um livro em uma das mãos e na outra seu cajado.
Todos nós respiramos fundo, esperando tudo acontecer, entretanto, antes mesmo de Kitsu falar uma única palavra, ouvimos os gritos:
— Eles chegaram!
— Todos se abaixem imediatamente!
— Se protejam!
Os sentinelas gritaram, então quase imediatamente do céu, uma enorme chuva de flechas surgiu. Todos que continham um escudo pularam para ajudar os seus parceiros desprotegidos.
Kitsu o mais rápido que podia criou um escudo para proteger o conselho, enquanto Emi, Nozomi e eu fomos ajudar quem estava desprotegido.
Lançava Mjölnir e somente a velocidade em que estava era capaz de parar algumas flechas. Nozomi com sua velocidade tentava tirar todos do caminho e Emi usava sua magia para criar barreiras protetivas em quantos pudesse.
Tudo aconteceu em um piscar de olhos, as flechas pararam de chegar e tudo estava silencioso. Conseguia ouvir a respiração ofegante de todos ao meu redor e parecia que tudo estava acabado.
Só que não fazia sentido, por que não conseguia ouvir as tropas invadindo e destruindo tudo? Essa calmaria era assustadora.
Levantei minha cabeça e parecia que todos estavam bem. O conselho, os guerreiros, a população e o grupo. Ninguém foi atingido por uma única flecha.
— Eles recuaram! — Escutei os gritos de uma das sentinelas. Então rapidamente, corri até o limite da cidade, onde dava para ver o grande exército.
Meus olhos pareciam estar me enganando… Havia no mínimo 7.000 homens no campo de batalha. A escuridão da noite engolia todos eles, então o número com toda certeza era maior.
Só que não estavam marchando com desejo de sangue em direção a nós. Todos estavam recuando e montando barracas, inclusive os inúmeros arqueiros abaixaram seus poderosos arcos.
Continuei com meus olhos fixados neles, até que sinto algo diferente no ar.
— Mestre — começou Mjölnir — Eu detectei magia no ar.
— Eu também senti algo, o que está acontecendo? — Olhei em volta e não tinha nada que parecia diferente, todos estavam bem, então da onde vinha essa sensação?
Comecei a andar até que esbarrei em uma das flechas fincadas no chão e assim senti uma presença.
— Mjölnir, use análise naquela flecha! — Imediatamente uma bolha cobriu o projétil e, em segundos, a análise estava pronta.
— Mestre, a composição desse projétil é normal, quase igual aos nossos.
— Mas…
— Mas tem um feitiço imposto nelas. Só que esse feitiço não altera a composição delas nem aumenta a penetração. Eu vejo traços diferentes, entretanto é o mesmo feitiço que estava nas facas daquele paladino há alguns meses.
— O nosso contra-feitiço ainda funciona? Mesmo com as alterações?
— Sim, já fiz as mudanças necessárias.
Foi nesse momento que percebi que essas flechas eram apenas um aviso, dizendo: “Acha que não sabemos que está aí, escravo fugitivo? Parece que sua força como portador não vai ser muito efetiva nessa batalha, não é mesmo?”
Era muito provável que não só os arcos possuíssem esse feitiço, mas também espadas e lanças. Até magos de magia elemental poderiam ser um problema agora.
Isso me preocupou, nossa estratégia estava indo ladeira abaixo e não tínhamos muitas opções. Agora o que eu deveria fazer era reunir o conselho e formar uma nova tática de batalha.