Perseguidos Pelo Tempo - Capítulo 38
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O silêncio parecia criar um vácuo dentro da barraca do conselho, ninguém estava disposto a falar sobre o acontecido, muito menos eu. Como falaria para todos que nossa principal força de batalha poderia ser alvejada por simples flechas? Isso era preocupante o suficiente para que o povo começasse a temer a força do lorde novamente.
— Então… não é como se fossemos mudar nossa estratégia, certo? — Grimm começou. — Ninguém se feriu, então o plano continua o mesmo, não é?
A barraca em que estávamos era fria. Improvisada para o campo de batalha e mais que o suficiente para reuniões de emergência do conselho. Além dos guardas, somente nós estávamos lá dentro.
— Não… tudo mudou Grimm. — A única coisa que poderia fazer era demonstrar força para todos ali que confiavam cegamente em mim, mas não podia, estava totalmente encurralado novamente. — Aquelas flechas, eram um aviso, um aviso para mim.
— Ma-mas o que meras flechas poderia fazer contra o senhor? Kazuhiro?
— Elas possuem um feitiço, não é? — Kitsu tomou a fala, parecia ter percebido a minha angústia.
— Um feitiço? — indagou Castle.
— É, um feitiço vagabundo que a igreja de Mists deve ter feito, claro que se fosse a minha igreja, eu nunca usaria esse tipo merda que eles chamam de feitiço. — Kitsu apanhou seu cajado. — Antes que se preocupem, não é nada de mais, não é?
A raposa me voltou seu olhar entediado. Sinalizando para que eu me recompusesse. Fiquei alguns segundos sem dar a resposta, impressionado novamente, Kitsu percebeu minha angústia e tomou a voz firmemente explicando sem demonstrar fraqueza alguma. Sem ele eu estaria perdido.
— Ufa — suspirei. — Exatamente, as flechas apenas me pegaram um pouco de surpresa, pois com aquele tipo de feitiço, minha pele pode ser cortada ou perfurada.
Antes que alguém comentasse, Kitsu falou novamente: — Só que quem disse que isso seria um problema? Pra isso você precisa ser atingido, além de que se algo der errado, você possui um contra feitiço para emergências.
“Obrigado, Kitsu”, agradeço mentalmente.
— Então, já que esse feitiço novo não vai ser um problema, devemos continuar com a nossa estratégia? — perguntou Emi.
— Sobre isso, parece que agora temos um número aproximado de quantos são e o que são — falou Nozomi. — Na minha opinião, a ideia que adotamos de atacar primeiro deveria ser totalmente excluída, em um confronto direto, não sobrará um único homem em pé.
— Se não podemos atacar, devemos ficar dentro da cidade e aguardar que eles venham? — perguntou um dos anciões.
— Blah! — zombou Grimm. — Aqueles desgraçados nos tiraram tudo! Nós deveríamos atacar com tudo! Usar o poder que Kazuhiro vai nos emprestar e dizimar cada homem que estiver após as nossas fronteiras!
Grimm estava prestes a explodir, era um homem que tinha um pavio curto e essa guerra que estávamos lutando já estava enchendo sua paciência. O que o movia era sua família que o esperava na mansão. Ele queria por um fim em toda essa confusão e eu não o culpava.
— Eu sei que está ansioso — Me levantei da cadeira em que estava. —, mas devemos prosseguir com cuidado a partir de agora, você sabe muito bem o que acontece se tudo der errado, não queremos que mais crianças cresçam sem seus pais.
Minhas palavras o atingem igual uma flecha enfeitiçada. A quantidade de crianças que perderam os seus pais nos últimos anos era gigantesca, apenas uma pequena olhada nos números era o suficiente para estragar o dia de qualquer um. Aquele cérebro de músculos se acalmou um pouco e estava disposto a ouvir e dar sugestões sobre o que fazer.
— Pois então, o que devemos fazer? — perguntou um dos anciões.
— Isso é simples, iremos recuar. — As palavras de Nozomi fizeram com que todos e até eu ficássemos confusos. Recuar? Depois de tanto tempo lutando pela reconstrução da cidade, Nozomi queria que tudo acabasse agora? — Pensem bem, aquele lorde com toda certeza é um homem egocêntrico e cheio de si, o que vocês acham que ele pensa sobre nós?
— Que somos fracos?
— Que não temos poder?
— Que somos covardes… — A voz que não vinha da mesa do conselho chamou a atenção de todos. Um dos guardas, por puro reflexo acabou respondendo a pergunta da Nozomi, o que impressionou muitos ali.
Um sorriso surgiu no rosto daquela estressada semi-humana, então continuou: — Exatamente! O lorde pensa sim que somos fracos e que não temos poder, mas o principal, ele acha todos nós somos covardes, covardes por não revidar depois de anos de tortura.
Sim, o lorde pensava que éramos covardes. Acho que todos os anciões pensavam o mesmo. Sentiam vergonha de nunca terem cogitado a possibilidade de revidar, mas quem poderia culpá-los? Mesmo que quisessem lutar, com certeza seriam dizimados pelos monstros nas florestas.
— E onde a senhorita Nozomi quer chegar? — pergunta Castle.
— Nós não vamos fugir, só queremos que ele pense que vamos…
Nozomi começa a falar, colocando cada detalhe sobre o que devemos fazer para que tudo desse certo. Todos começaram a se encarar, a ideia era louca, insana… era mais que perfeita para nós.
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A reunião do conselho terminou com todos empolgados. Havia uma grande esperança de vitória sobre esse lorde cruel. Sim, ainda tínhamos perguntas que poderiam nos ajudar na batalha, como, seria possível esse lorde ser um portador? Ou, será que algum dos soldados possui uma força formidável igual a aqueles que enfrentamos na fronteira?
Eram perguntas que poderiam deixar a batalha mais fácil, só que não mudavam o fato que ganharíamos com toda certeza. A sensação da vitória iminente fez com que minha imaginação se soltasse enquanto a gente saia da barraca.
Conseguia ver uma casa, em cima de um morro, quase igual a de Isao. E lá estava eu, Emi e Appu. Felizes. Sem medo algum. Fazia um tempo que eu não tinha sonhos tão doces quanto esse, o que me impedia de sonhar mesmo?
— Clap, clap! — Ah, sim. Era isso que criava uma barreira entre o sonho e a realidade. Esse desgraçado. — HAHAHAHA! Me desculpe, me desculpe, mas eu não consegui me segurar, HAHAHA! Ver esse tipo de pensamento vindo de você é hilário!
Não foi preciso me virar, nem olhar ao meu redor. Sua voz, aquela que me dava pesadelos, preenchiam o lugar congelado, subindo o arrepio que mesmo não querendo, me fazia tremer.
— Olha só, quem é vivo sempre aparece, não é senhor do tempo? Achei que depois da minha vitória contra o capitão e depois de ter fugido com o rabo entre as pernas tinha desistido de me perseguir. — Nem por um segundo eu pensei nisso.
— Você pensar que eu desistiria me deixa ofendido e só mostra o quão insignificante é o seu conhecimento sobre mim! Eu vim aqui novamente te pedir para ceder, Kazuhiro. E eu sugiro que aceite. — As mãos finas, quase iguais às de um esqueleto, batiam em um trono que se materializou junto com a figura medonha.
Dessa vez, quem estava rindo era eu. Era muita audácia ele pensar que desistiria agora, entretanto eu sabia o porquê disso. — Se você veio só por isso pode retornar ao seu buraco. Hã? Espera — virei minha cabeça de soslaio. —, será que o tão poderoso deus do tempo está ficando sem opções? haha! Que patético!
Essa resposta foi mais que o suficiente para o deus transmutar sua espada a partir do nada. Estava diferente, muito mais magnífica que qualquer outra arma que vi nesse mundo. Só que inútil contra mim, então não a temi nem por um segundo sequer.
— Não seja tolo criança insignificante! Não consegue enxergar através das suas ações?! — Sua espada perfurou o chão, fazendo com que o limbo que nos encontrávamos tremesse.
— Me poupe da sua baboseira de sempre! Eu não vou ceder! Jamais!
— Me escute, inseto! Você ira ceder! E quando esse dia chegar será tarde demais! Todos aqueles que você ama estarão mortos! Eu matarei cada um deles e quando estiver no fundo do poço, orando aos deuses para que tirem sua vida, então você ira ceder e eu vou rir! Rir por milênios se for necessário!
Aquela enorme figura já estava em pé. Me olhando com seus olhos frios e gelados. Pela primeira vez tive um vislumbre do rosto de um deus, assustador, mas não o suficiente.
— Já acabou com o seu chilique? Se não tiver mais nada a dizer, eu tenho uma guerra para vencer.
Ainda me encarando sem descanso. Voltou ao seu trono. — Só mais uma coisa, criança. — Seu comportamento mudou, parecia ter algo em mente.
— Hã?
— Me diga, já se olhou no espelho? Já viu o que o seu reflexo transmite?
— Como é que é? Que droga de pergunta é essa?
— Se você não sabe, me deixe explicar. — A figura levanta uma das mãos e um espelho se materializa em minha frente e nele, estava o meu grupo. — Olhe bem para os olhos dos seus companheiros, veja o que eles transmitem. — Havia ignorância naquelas palavras.
Não era preciso que a figura falasse mais nada, isso conseguia enxergar perfeitamente. Kitsu transmitia um fogo, tão intenso quanto a das suas magias, que falavam por ele que não importava a situação sua chama nunca iria cessar.
Emi e Appu tinham o mesmo olhar, um desejo de ajudar, com tanta esperança que poderia transbordar em lágrimas de alegria. Nozomi possuía um olhar feroz, sem medo ou hesitação. Estava preparada para tudo, não importa o que aconteça.
Até mesmo Daisuke, um lobo da terra, era mais forte e correto que inúmeros homens que conheci. Eu consigo ver claramente o que cada um transmite.
— Agora, olha para si criatura insignificante. O que vê? Me fale!
Minha imagem aparece para mim mesmo, então eu olho, olho tão fundo em meus próprios olhos que a escuridão dentro deles quase me engole, então o respondo: — Nada, não há nada.
E com essa resposta, ele me deixa, sozinho, com os meu próprios pensamentos em meio a multidão do conselho, que agora se dispersava.