Perseguidos Pelo Tempo - Capítulo 4
Meus pensamentos se colidem um com o outro gerando tantas perguntas que parece que minha cabeça vai explodir.
Entre todas, duas perguntas me fazem queimar a cabeça: “porque ele queria me matar? E como ele não me matou?”
Fecho meus olhos e apago por cinco minutos, quando acordo, olho para o céu que agora está alaranjado com nuvens nem um pouco carregadas, uma brisa bate em meu rosto e me sinto tranquilo novamente.
— Foi um sonho? Eu sinto que foi como um sonho, mas foi real demais, será que estou com algum problema psicológico?
Escuto novamente um latido.
— Ah é verdade, o lobinho que veio comigo.
Me levanto e olho em volta, não estou satisfeito que aquilo foi um sonho, mas acho que por hora é melhor manter a postura e ver o que acontece, ando até o depósito no fundo e observo todo o tipo de coisa, folhas caídas, pássaros voando e o vento soprando, parece que tudo está normal e quando vejo já estou na porta do depósito.
Sem a menor preocupação a abro e na mesma hora uma criatura gigantesca me derruba no chão.
— O que é isso!? Socorr… — Sou cortado por uma lambida na minha cara.
Percebo que em uma das patas da criatura tem um curativo, exatamente igual ao que fiz no filhote.
— Você? Não é possível, não tem como você ter crescido nesses poucos dias até chegar a esse tamanho!
— É porque ele é um lobo da terra — diz a senhora pela janela. — lobos da terra crescem muito rápido, e são muito raros, são usados por caçadores de alto calão, ou mascotes da realeza, fiquei assustada quando Isao o trouxe um com vocês.
— Não tem risco dele me comer não né? — Me levanto o afastando um pouco.
— Não, é impossível ele te machucar, eles são conhecidos por serem muito inteligentes e dóceis com seus donos e extremamente protetores.
Ela volta para dentro.
— Então, quer dizer que você me protege agora garoto? — Eu acaricio sua cabeça. — Parece que tem bastante gente me querendo morto, uma proteção a mais vai ajudar, então precisamos lhe dar um nome certo? Que tal… Daisuke!
Daisuke rodopia em volta de mim como se tivesse gostado de seu novo nome, brinco com ele por uma hora com um graveto e depois nos deitamos no chão, a brisa tranquila faz seu pelo movimentar, olho para o céu que está sem nenhuma nuvem e o sol que está quase desaparecendo, sinto pela primeira vez em meses que posso relaxar por pelo menos alguns minutos, ou era o que pensava.
— Isao! Venha rápido é a garota!
Quando escuto o grito meu corpo se levanta tão rápido que não consigo acompanhar com meus pensamentos.
Corro o mais rápido que posso para dentro de casa, vejo a senhora assustada com as mãos na boca encarando dentro do quarto, me aproximo mais devagar com medo do que eu possa ver, entro no quarto e vejo Isao avaliando Emi, sua pele branca agora estava escura como se tivessem jogado tinta em seu corpo, sua boca, olhos e ouvidos estavam saindo sangue preto, fico paralisado com a cena.
— Por… que? — gaguejo.
— Agora vamos conversar. — Isao se senta à mesa da cozinha e me espera.
— O que… ela tem?
— Sua amiga é meia Élfa certo? — aceno com a cabeça. — Ela está com a doença negra.
— Doença… negra?
— Uma doença que apodrece o corpo do paciente com uma rapidez altíssima, já que sua amiga é uma Élfa, nem deveria ser possível ela ter essa doença, creio eu que seja por causa da coleira anti-magia.
— Tem como salvá-la?
— Talvez… a única maneira que pode dar certo é retirar a coleira anti-magia, o problema é a magia que usam nas coleiras, dependendo da quantidade de magia usada pode ser impossível quebrá-la.
— Como podemos descobrir a quantidade de magia usada?
— Eu já descobri, e também descobri de onde vocês vieram deste jeito. — Ele me olha com um olhar afiado.
Pulo da cadeira. — O que vai fazer?
— Eu sei que vocês são escravos do rei, fique tranquilo, se eu não entreguei vocês até agora não vou mais entregar. — Ele aponta para cadeira. — Magia real é diferente… somente armamentos sagrados podem quebrá-las.
— Suponho que não seja fácil adquiri-los, certo?
— Sim, o rei manda mais de cinco unidades do exército para buscar apenas uma delas.
— Existe alguma que eu possa ir atrás?
Ele parece ter se lembrado de algo, mas hesita. — Bem… existe uma que o rei não conhece.
— Por favor, me diga! Eu juro que vou até lá!
— O problema não é onde está, e sim quem está protegendo ela, toda arma sagrada é protegida por criaturas nomeadas de demônios dos deuses, e o lugar onde fica a arma é a três dias de viagem, tenho um receio que sua amiga provavelmente não durará uma semana, por algum motivo ela pulou muitos estágios da doença e já está no estágio final, como se seu relógio biológico tivesse sido adiantado em várias semanas.
Na mesma hora me lembro do possível sonho que tive, me lembro de que o tal Deus do tempo me disse, que faria da minha vida um inferno, mas ele mataria Emi por um erro meu?
— Quando eu posso partir?
A senhora que estava tomando um chá quente engasga.
— Você não deve ir! Se for certamente morre… — Isao a corta com um olhar.
— Você pretende ir?
— Sim, vou até o fim do mundo se for necessário.
A janela abre misteriosamente, um vento frio entra pela janela e junto com ele escuto um sussurro: “Cuidado, senão eu te mando para lá.” aparentemente só eu escutei.
— Clara, arrume mantimentos que durem pelo menos três dias.
Clara fecha o rosto e sai batendo os pés.
— Agora escute, quando chegar à cidade de Edward terá que se encontrar com uma tribo de semi-humanos que fica escondida no meio de uma floresta, na parte norte a frente da cidade, quando chegar lá fale que o guerreiro barba branca o mandou, provavelmente o levarão até onde fica a arma sagrada.
Ele me fala especificamente tudo o que devo fazer, e fala sobre rotas secretas para chegar mais rápido, fala sobre alguns lugares que devo evitar porque a guarda acampa para fazer emboscadas, e também me disse para evitar ficar parado por muito tempo, porque há muitos saqueadores no caminho.
Já que Isao não tem cavalos que façam uma viagem tão longa em tão pouco tempo, tivemos a ideia de usar Daisuke para chegar rápido, lobos da terra são usados como montaria por caçadores e nobres, e ele serve perfeitamente, afinal é gigantesco.
Ele disse que a vila não irá se importar com a morte do demônio, pois sua magia faz animais de caça se afastarem para muito longe e sua morte traria muitos benefícios à vila.
— Obrigado Isao, se o senhor não tivesse nos salvado, provavelmente nós seríamos só alguns cadáveres na estrada.
— Não se preocupe com isso, agora se deite, que você partira antes do sol nascer.
Voltei para o quarto onde acordei, já esta escuro e me deito na cama, penso no que farei quando chegar ao encontro do tal demônio dos deuses: “Qual o seu tamanho? Sua força pode dizimar um exército inteiro? Como eu, um fugitivo humano que está aos trapos desde que chegou a esse mundo, pode derrotar uma criatura considerada um demônio?” acho que envelheci uns cinco anos só nesses poucos meses. Só de pensar que aquele deus adiantou a doença de Emi me dá vontade de cortar ele em pedacinhos.
No mesmo instante tudo se congela e perde as cores novamente, e diante de meus olhos o deus do tempo se materializa com sua ampulheta, sem a espada de relógios.
— Viu o que acontece ao desafiar um deus?
— Deus? Olha o que fez com Emi, te chamar de demônio seria um elogio.
— Isso pode acabar a qualquer momento! Se você fizer o que digo, posso ajudar Emi, mas terá um preço.
O encaro por um tempo e hesito um pouco. — O que devo fazer?
— Agora sim estamos na mesma sincronia. — Ele dá uma gargalhada. — Como deve saber, neste mundo temos maravilhosos dons, que poucos possuem habilidade necessária para poder exibi-lo, e no seu caso, seu dom… como posso dizer… é peculiar!
— Peculiar?
— Sim peculiar, e se me transferir esse seu dom peculiar posso sumir com a doença de sua amiga e deixar você viver em paz aqui, ou o que você chama de vida aqui.
Sei que não posso confiar nele, mas se a uma mínima chance de eu salvar Emi o mais rápido possível.
— Tudo bem, eu faço o que pedir.
— Então estique sua mão direita e repita: eu portador deste dom, em plena consciência transfiro o dom dado a mim por Deus, ao tempo. — Ele estica sua mão.
Eu estico minha mão. — Certo… eu, portador deste dom, em plena consciência transfiro o dom dado a mim por Deus, ao… — Meu corpo se trava e escuto uma voz em meu ouvido dizendo: “não faça isso!”
— Diga criança!
— Não não não, tem alguma coisa errada!
— Você já me causou muitos problemas!
A espada de relógios se materializa em uma de suas mãos e vai em minha direção, minhas mãos se movem instantaneamente, o que faz a espada ricochetear para longe.
— Você fez sua escolha agora! Espero que esteja preparado para as consequências que estão por vir! — O deus desaparece diante de meus olhos.
— Droga, será que fiz a escolha certa? Mas agora sei que aquilo não foi um sonho.
Algumas horas pensando e finalmente pego no sono, tenho um pesadelo que o deus do tempo me fazia queimar pela eternidade e que nunca morria, pois ele curava minhas feridas para queimá-las de novo.
Acordo com Isao batendo palmas me alertando que já está na hora de me arrumar para partir.
Clara me dá uma muda de roupas novas, as que eu estou ainda são as que eu sai de casa a mais de três meses atrás. É uma pele de urso branco, uma calça de couro de algum animal que eu nunca vi antes, e um par de botas que são absurdamente parecidas com as do tal senhor caveira que me mandou para este lugar.
Ela não fala comigo em nenhum momento, ela realmente desaprova minha atitude, talvez nem eu saiba o que estou fazendo , posso estar fazendo tudo isso em vão, mas não há outra escolha, acho que tem algo por trás de toda essa sua angústia, só de Isao cogitar me enviar para o demônio, ela já ficou enfurecida.
Arrumo-me e vou para frente da casa, Isao está colocando uma cela em Daisuke, me aproximo e Daisuke que está muito sonolento, ele é mais um bebezão que um animal destemido.
— Ei garoto, Já está na hora de acordar hein? — Acaricio sua cabeça. — Dormi muito mal essa noite.
— Preocupado com Emi?
Ele pega uma sacola e prende na cela de Daisuke.
— Uma parte sim, a outra pensa no que eu vou fazer quando chegar ao encontro do demônio.
— Nunca na minha vida eu colocaria um estranho dentro da minha casa, eu passei por muita coisa nessa vida, andei por quase esse mundo todo, conheci pessoas que nunca sairão de minha memória e outras que eu realmente queria esquecer, mas quando passei ao lado de vocês três senti como se alguém tivesse colocando as mãos em meus ombros direcionado meus cavalos para vocês.
Ele olha para planície.
— Garoto, não sei o que, mas tem algo em você que me diz que vai voltar, então eu quero que volte vivo.
Eu aceno com a cabeça. — Obrigado pela confiança, Isao.
Ele me ajuda a subir em Daisuke, Clara ainda está furiosa com Isao por não me impedir de ir para minha provável morte certa, apesar de nem a conhecer direito sei que ela é uma mulher adorável, ela me lembra muito minha mãe, já Isao, não me lembra em nada, meu pai é cem por cento à favor da paz já Isao não tenho muita certeza.
— Não se esqueça de que você atualmente é um fugitivo procurado pelo rei, vai ter guardas em cada esquina a sua procura.
— Eu sei, preciso tomar cuidado com cada passo que eu dou daqui a diante.
Aceno para Clara que me responde com um sorriso.
Despeço-me de Isao e direciono Daisuke para o caminho que vou, ele corre mais rápido que muitos cavalos, se eu estivesse com ele em meu mundo com toda certeza venceria corridas com muita facilidade.
Deixo-me levar pelos meus pensamentos, a imagem do deus do tempo não sai nem por um segundo da minha cabeça, ela não me assusta, mas me deixa completamente furioso, quando percebo já é quase meio dia, quero muito continuar, mas não estou fazendo a viagem sozinho e com o sol quente não quero deixar Daisuke doente ou algo do tipo.
Encontro um riacho e decido parar em lugar afastado para não chamar atenção, e deixar Daisuke beber um pouco d’água, verifico tantas vezes à minha volta que se alguém me visse acharia que sou um lunatico.
Me tranquilizo por causa do silêncio e me sento no chão para descansar um pouco, olho a água do rio bem calma e vejo alguns peixes, até penso em pescar, mas não tenho tempo para isso e afinal nem sei pescar.
Escuto o estalar de um galho, dou um pulo imediatamente e quando vejo Daisuke já está do lado do indivíduo rosnando, o chamo de volta ao ouvir um choro, quando vejo uma criança mais ou menos de nove anos com lágrimas nos olhos.
— Ei ei garoto, não precisa chorar, ele não é mau não, olha aqui pode dar carinho nele, olha que pelo bonito.
“Quase que Daisuke engole ele meu Deus, tenho que tomar cuidado com esse bicho”
Daisuke deita perto da criança que vai se acalmando pouco a pouco até começar a rir com as lambidas que ele dá em seu rosto.
— Então, agora que o choro passou, porque não me diz o que está fazendo sozinho na floresta?
— Eu… — O garoto hesita um pouco. — vim brincar com meus amigos, mas cai em um barranco e não consegui subir de novo.
— Entendi… bom pode-me dizer onde fica sua casa para eu levá-lo?
O levanto e o coloco no Daisuke.
— Eu não sei onde eu moro, mas sei o nome de um lugar que fica perto… — O garoto coça a cabeça à procura da palavra. — A ravina!
— Ravina?
— Sim, tem uma ravina que fica pertinho de casa, os adultos não deixam a gente ir lá, mas às vezes vamos escondidos.
Lembro-me que Isao me disse que tinha uma pequena aldeia que ficava perto de uma ravina e pelo tempo que estou viajando devo estar muito perto, não sei se devo levar a criança para evitar movimentos desnecessários, mas não posso deixar ele ir sozinho com possíveis saqueadores.
Pelo que vi até agora tenho certeza que se os guardas pegarem uma criança sozinha o venderiam sem nenhum receio, afinal existem tantas crianças no lugar que trabalhava que chegava a perder a conta.
— Acho que sei onde fica, vamos indo.
— Moço? — Eu olho para o garoto. — Andam dizendo que um homem muito perigoso está solto por aí, não é bom viajar nessa época.
Engulo em seco. — Sério? Você sabe como é este homem?
— Não consigo lembrar agora, mas transmitiram seu julgamento em nossos espelhos a alguns meses, parece ser um homem muito ruim.
O garoto observa alguns pássaros coloridos.
— Acho que me lembro sim, ele deve estar muito longe agora.
Ficamos em silêncio por um tempo quando vejo movimento à frente.
— Ali é sua aldeia? — O garoto se estica para enxergar.
— É sim! — Ele dá um pulo de felicidade e quase cai do Daisuke.