Projeto Karma - Capítulo 6
Alguns dias passaram depois do evento daquele domingo. Consegui um emprego de meio-período como bibliotecário, não era a melhor opção.
Contudo era a única que havia naquele momento, o prédio era antigo tombado pela prefeitura local. Era uma biblioteca particular aberta ao público, algo bastante incomum nos tempos de hoje.
O acervo era extenso, tendo dois andares e um local especial para livros únicos. Aqueles originais dos autores ou com autógrafos de escritores para pessoas importantes, alguns tinham anotações de mestres ou doutores e suas reflexões.
Recentemente descobri uma nova habilidade, quando olhava fixo para objetos podia ver tons leves de cores. Eles eram vermelhos, verdes, brancos, pretos e amarelos.
Os vermelhos eram livros que tinham karma ruins, como livros pornográficos, de assassinos em séries e alguns revolucionários sem causa. Livros dogmáticos, cheios de repressão e imposições também estavam nessa classe.
Os tons brancos, não eram bons, muito menos ruins. Comédias, livros infantis, livros religiosos e todo livro que estive entre um equilíbrio, entre ações boas e ruins estava nessa classe.
Amarelos eram os mais estranhos, eles eram variados. Livros sobre estudos, outros sobre leis naturais, alguns livros de física e química. Eles não tinham muito entre si, pelo menos não descobriu sua relação ainda.
Os tons pretos, estavam relacionados a pensamentos muito ruins ou eventos históricos muito negativos. Poderia citar livros de suicidas, drogados, homens como Hitler e sua biografia, eventos como a Inquisição e as várias perseguições religiosas e científicas.
Todos os eventos que atrasaram e muito a evolução de nossa raça ou que causam grandes perdas psicológicas ao leitor. Percebi que os livros são mais fáceis de notar do que outros objetos.
Alguns deles sofrem variações conforme o uso, percebi isso quando comparei cópias do mesmo livro. Em uma sessão houve o caso de três livros iguais terem cores diferentes, parece que a energia do leitor afeta o conteúdo do livro.
Pelo menos essa era a minha suposição atual, caso fosse verdade então as teorias da pseudociência poderiam estar mais certas do que a ciência propriamente dita. Mas ainda era apenas uma especulação.
— Maron, o que está fazendo aí? — um homem de meia-idade, cabelos pretos e olhos pretos. Sua pele era clara, vestia uma blusa branca social e calças pretas que combinavam com seu sapato.
— Estou organizando os livros, senhor Otto — olhei para ele enquanto estava agachado no chão.
— Meu horário de almoço já começou! — Vi o relógio no teto da sala principal.
Continuei minha rotina diária. Trabalhar para o Otto era difícil, ele era um homem muito perfeccionista, ranzinza e controlador.
Contudo, quando o assunto era livro, seus olhos brilhavam e ele conseguia convencer até uma criança a levar um. Ele era outra pessoa quando estava trabalhando ao invés de nos manipularmos em seus horários livres.
— Estou cansado — Sentei em um banco na parte externa da biblioteca.
Era noite, as aulas da faculdade ocorriam de dia e o trabalho na biblioteca começava à tarde. Tinha poucas horas livres antes de finalmente dormir, abri um refrigerante e deixei o vento bater no rosto.
Minha mochila preta estava do meu lado. A blusa de moletom cinza e calças pretas de elastano aqueciam o corpo nesse dia nebuloso.
Estava exausto, depois de quase morrer como Ricard, comecei a fazer exercícios no primeiro horário da manhã, em minhas pausas para almoço e janta praticava xadrez.
No meu horário livre ao chegar em casa dividia meu tempo entre explorar a casa do meu avô e ler o livro de Tristan. Organizei minha rotina para conseguir o máximo de tempo útil, para aquilo que mais precisava.
Que era desenvolver novas habilidades, meu conhecimento sobre xadrez havia me salvado, mas depender só dele seria tolice. Os conhecimentos sobre a aulas de história me dão conhecimento mínimo, sobre toda a história e suas alterações temporais.
As habilidades de xadrez compreendem as minhas ações e como elas afetarão direta ou indiretamente o mundo ao redor, além de me preparar para imprevistos.
O livro de Tristan me ensinou sobre uma gama de ervas comestíveis, temperos, remédios naturais e como produzir itens sintetizados para uso quando necessário.
— Preciso fazer perguntas para o guia, as informações que tenho são muito escassas — Terminei de tomar o refrigerante.
O corpo estava dolorido pelos exercícios, percebi o quão forte era o corpo de Richard quando comparei com o meu.
— Quantas horas ele treinava por dia? — suspirei.
Levantei e joguei a lata no lixo indo em direção a minha casa. Ainda tinha que pegar o ônibus e esperar alguns minutos até ele me levar até lá.
Na faculdade percebi o quão estranho é viver a história de outra pessoa. Após o retorno, minha mente se expandiu de uma forma que nunca imaginei, as minhas crenças evaporaram e minhas desculpas deixaram de ser válidas.
Olhei meu celular e eram 20h e 30min o ônibus passaria daqui a cinco minutos.
— Ei, você pegará o ônibus? — uma voz soou ao meu lado. Olhei para aquela direção, era outra pessoa.
Os cabelos eram negros e curtos até o pescoço. Seus olhos eram da mesma cor e sua pele era clara, ela tinha uma gargantilha negra envolta do pescoço.
O corpo era magro e sua altura era 1,70 de altura, sua blusa azul-escuro folgada com estampa não deixava claro as curvas do seu corpo. Ela usava uma legging preta que não era justa, seus sapatos eram de skatista.
— Você é nova aqui né?— ri.
— Neste lugar tem apenas um ônibus, além dos intermunicipais. Então esperaremos bastante — estiquei meu corpo e alguns ossos estalaram.
O ponto de ônibus era antigo, tinha um toldo transparente que eram fixos por parte de ferro pintado de cinza e estava se deteriorando, a luz oscilava em alguns momentos. Era o típico lugar abandonado pelo poder público, bastante comum em algumas cidades.
— Você também nem parece daqui. Desculpe meu nome é… espere você nem falou o seu. Então senhor ESTRANHO qual é seu nome. — Ela estendeu a mão e sorriu. Seus lábios eram vermelho brilhante, mas estavam ressecados com o frio.
— Maron, não falamos sobre isso. É bastante incomum, não me pergunte pelos apelidos da escola — sorri e apertei sua mão.
— Sophia. — Ela me olhou por um tempo.
— Você é o neto de Agrippa? — Seus olhos analisaram todo meu corpo.
— Sabedoria divina… — minha mão foi até o queixo.
— Conheceu meu avô?— fiquei surpreso.
— Sim, ele ajudou muito minha família. Na verdade, seu avô é bastante famoso na cidade. Ele ajudou quase todos os moradores em momentos diferentes da vida.
— Inesperado vindo dele, quero dizer… parece que não estamos falando da mesma pessoa — olhei para ela.
— Quando foi a última vez que o visitou? — ela parecia espantada.
— Agora que falou, foi há muito tempo. Quando era mais jovem, nas férias de verão vinha muito a esse lugar, parece que durante minha adolescência nos afastamos bastante por culpa dos meus pais.
— Ufa… quero dizer, seu avô era um ícone na cidade. Quando nós tínhamos um problema e ninguém conseguia resolver sempre recorremos a ele, parecia mágica— ela disse animada.
— Como mágica… entendo. Qual é o real motivo de estar aqui? — olhei para ela.
— Então você percebeu? — Ela sorriu.
— É bastante incomum, principalmente depois da primeira viagem… seja como for esse não é momento adequado. — Sophie se levantou e continuou andando até sair da minha vista.
O ônibus veio logo em seguida, foi bastante estranho, na verdade. Olhei para o horário do celular e notei haver se passado trinta minutos.
— Esse ônibus, nunca se atrasou tanto — entre e me sentei no fundo, aproveitei para ver a vista da estrada mudando continuamente.
Cheguei em casa, tomei um banho e me troquei. Quando estava indo em direção ao meu quarto, um som de objeto caindo foi ouvido próximo à escada para o primeiro andar, olhei para trás e vi uma escada em direção ao teto.
— Essa casa nunca teve um sótão, minhas recordações estavam erradas? — Estranhei a situação, peguei o celular e virei em direção ao sótão.
Estava bastante escuro, sem nem uma luz. Normalmente os sótãos têm uma janela para iluminação, me esforcei e subi era maior que parecia.
A luz do celular era muito fraca para iluminar o sótão todo, caminhei em direção a janela suja do local. Minha mão passou pelo vidro, a luz noturna entrou no local revelando um grande número de estantes de madeira.
Com o aumento de luz consegui ver o interruptor do sótão, o liguei a luz era levemente alaranjada. A madeira das prateleiras estavam uniformes e pareciam wengue.
Seu tom combinava perfeitamente com o piso mogno claro. Todas elas estavam ocupadas de frascos de diferentes formas e cores.
— São poções? — Olhei para uma delas com rótulo.
— Impressionante, uma coleção de poções é algo bastante único.
Peguei meu celular e comecei a anotar os nomes de cada uma delas, era um número extremamente extenso. Havia uma variedade de mais de dez mil categorias de poções.
Naquela noite comparei todas elas com livros de Tristan. Poucas delas se encaixam no conhecimento inicial, por volta de 500 apenas.
Esses números me impressionaram bastante, quanto tempo foi necessário para adquirir um número tão extenso e variado.
Quantos materiais e plantas foram necessários? É se não foram todas produzidas, qual teria sido o custo de comprá-las.
Passei a noite fazendo anotações, percebi que as prateleiras eram divididas por seções. Mas não sabia como era essa divisão e qual poções tinha em cada área.
Tentei me lembrar de todas as prateleiras e criei um mapa com minhas lembranças, depois fui até o sótão e comparei. Parecia bem próximo da realidade, havia alguns erros, era natural, afinal era primeira vez que tentava algo assim.
Depois que retornei da vida como Ricard percebi que muitas coisas mudaram. Meus pensamentos tinham se tornado menos confusos, a memória e concentração melhoraram extensamente.
_________________________________________
Acordei no dia seguinte, meu corpo estava completamente cansado. Meus olhos não queriam abrir, até mesmo a luz me incomodava.
O alarme tocou e comecei meu dia de maneira apressada. Fazendo os exercícios pela manhã, depois a faculdade e retornei para a biblioteca no final da tarde.
Uma visita estava me esperando logo quando entrei. Em uma das mesas centrais estava lá. Sophie, sentada com um café na mão.
Suas roupas mudaram completamente, roupa social branca, calça social preta e sapatos fechados. Seus lábios tinham brilho rosado e seus olhos olharam para mim com um sorriso.
— Então esse é seu horário? — um sorriso surgiu de seus lábios
— Então adquirir um local como esse, se tornou ainda melhor — ela me olhou fixamente antes de se aproximar.
— Comprar? — o olhei para ela de maneira confusa.
Era um dos prédios mais valorizados da cidade, não apenas por ser patrimônio histórico. O acervo tinha muitos livros raros e foi um local muito famoso para lançamentos de livros, na região do interior.
Otto mostrou os números, o local era avaliado em uma fortuna próximo de vinte milhões se contabilizarmos apenas os livros do acervo. Com o prédio é possível valorização nos últimos anos seria algo entre trinta milhões.
Nota do autor: “Para fortalecer a obra deixe seu comentário, ele é muito importante para nós autores!”