Purificação - Capítulo 11
Capítulo 11 – Medo:
Ele poderia ligar para Jacob de novo ou acionar a delegacia pelo rádio, mas não teria tempo de chegar na casa antes do telefone de lá tocar. Estava cada vez mais cansado, o coração foi batendo mais depressa. Decidiu que faria os dois, começou a discar para Jacob (por que seria mais rápido do que discar 911 e ter de explicar a situação para um desconhecido) e empunhou o revólver, subindo os degraus apressadamente e abrindo a porta em um supetão.
Atende, atende, atende.
Momentos antes…
Sarah sentira um enjoo forte, como se o seu estômago estivesse se revirando e os pés pareciam ficar moles à medida que as passadas de suas pernas levavam-na ao banheiro. Chegando lá, desceu a calça e começou a urinar, achando que talvez a viagem até ali ou alguma coisa (provavelmente o suco) estava fazendo-a sentir-se mal.
Sentiu a bile na garganta e simplesmente se ajoelhou próxima da privada, encarando o fundo amarelado do vaso e torcendo para que ainda tivesse forças para vomitar. Como ela temia, nada saiu, o suor descia frio de seu pescoço e testa, ela se secou, já meio zonza, e subiu a calça. Decidiu jogar um pouco de água no rosto. Molhando a face com um pouco de água da torneira, Sarah sentiu um alívio e a sensação de tontura foi diminuída.
Porra Sarah, justo agora? Era melhor dizer a eles que não estava se sentindo bem e se teriam aspirina ou outro medicamento para aliviar o enjoo. Assim, a jornalista abriu a porta e começou a voltar para a cozinha que ficava no final do corredor, quando esbarrou com uma silhueta alta.
Era Bob.
— HI, HI, HI… você é mooooça boniiiiita, lembraaaaa a mi-mi-minha mãããe…
Ela estava mais cansada ainda, só queria chegar ao final do corredor e conseguir um pouco de descanso em uma cadeira, remédio e talvez uma brisa fresca, mas aquela parede branca de carne estava no caminho, ela se esforçou para responder:
— Obrigada, Bob, pode me dar licença? Eu preciso ir…
— Vôôcê pooode me-me ajuuuudar… euuu não consiiigoo me li-limpar sozinhooo…
A voz dele foi ficando distante, ela teve de se apoiar na parede, a voz ficou mais fraca:
— Tá bem… Bob, vai ali e me diz quando… quando você terminar, tá bom?
E o Bob foi, fazendo um HI, HI, HI… finalmente estava livre, agora ela podia voltar, mas antes que desse dois passos, Bob agarrou-a pelo pulso:
— Nããão, vo-você tem queeeee viir cooomiiigo.
Ela tentou gritar, mas não tinha forças nem para falar direito, Bob era incrivelmente forte, ele começou a puxá-la para dentro do banheiro, fazendo HI, HI, HI. Sarah não via alternativa, puxou a faca que estava na jaqueta e rapidamente fez um corte no braço de Bob. Quando ele olhou para o sangue, seus olhos arregalaram-se, a mandíbula perdeu peso e sua feição era desesperadora, bem como o grito de pânico que dera:
— UUUAAAAAAN, SANGUIIIIIIII, MÃÃMÃÃE…
Barulhos de passos ouviram-se no final do corredor, Sarah começou a andar engatinhando, estava cada vez mais perdendo as forças e sua coordenação. Os familiares olhavam confusos para aquela situação, não obstantes, inflexíveis perante a situação dos dois. Foi Margaret quem começou:
— Eu falei que não era uma boa ideia deixá-lo ir sozinho, mas também não achei que a moça ia desmaiar tão rápido. Robb, carregue ela.
De repente, o barulho de supetão, era Charlie. Sarah só via as vozes se distanciarem e o brilho das luzes ficando mais fraco, mas ouviu alguma coisa.
— Pra trás, pra trás, PORRA! – era a voz de Charlie, parecia empunhar alguma arma, eles recuaram cautelosos para a cozinha e Charlie veio em direção a ela, com a arma ainda apontada para os outros. Bob batia a própria cabeça no canto do banheiro, ajoelhado, chorando enquanto o corte sangrava. – Aqui Sarah, apoia o braço em mim, vou te tirar daqui…
…
Charlie olhou para os outros no final do corredor, que não abriam passagem para eles saírem da casa, ele também estava ficando meio zonzo, mas o estresse falava mais alto:
— PRA TRÁS, AGORA, SAIAM DO CAMINHO!
Eles começaram a se aproximar de Charlie, Robb disse:
— Achei que quisesse ver a purificação com os próprios olhos, Charlie.
Charlie atirou para o teto, todos arquejaram e saíram do caminho quando o estrondo ecoou através do corredor, atravessando o teto e fazendo cair parte das migalhas de madeira pelo chão. Bob gritou de medo:
— MÃÃÃÃMÃÃÃÃE!
Sua testa estava coberta por sangue e parte da parede do banheiro onde ele insistia em bater com a cabeça estava agora manchada em um círculo sangrento que escorria através dos azulejos. Charlie começou a cambalear com a detetive apoiada no seu ombro.
Atende, atende, atende.
Era difícil manter a concentração naquele estado, o grito adentrando o seu ouvido como o choro de uma criança e os olhos maliciosos daquele porra de família que a cada momento parecia mais macabra. Ele precisava afastá-los:
— Pro canto da cozinha, AGORA!
Eles foram, e Charlie saiu da casa e fechou a porta atrás de si, com um baque estrondoso, quase deixando a jornalista cair e o celular por pouco não deslizou de sua mão escada abaixo. Começou a descer os degraus, o coração batendo mais rápido, o suor frio escorrendo de seu pescoço, a bile na garganta. O barulho dos passos e o murmúrio de vozes que iam de lá pra cá. Em que merda eu fui me me meter?
Atende, atende, atende. Finalmente, alguém tinha atendido:
— Alô?
— Jacob?
Era ele:
— Meu deus, cara, tá respirando igual um cavalo, o que aconteceu?
— São os Robbinson, são eles, doparam a gente… as crianças… estão vivas, envie viaturas!
Um barulho de tiro atrás de si, pegou na terra ao lado de seu pé, fazendo voa poeira nos seus olhos, Sarah já estava quase desmaiada. Lessie começara a latir na direção deles e vinha de encontro a detetive. Jacob respondeu rapidamente:
— Caralho, tá bom, vou chamar o xerife cara, o assunto é sério…
— Não, não confia nele… ele não pode… saber…
Jacob estava dando passos do outro lado da linha, ele estava indo ver o xerife mesmo. A São Bernardo veio em direção a eles e mordeu a perna de Sarah, impedindo-os que avançassem até o final da colina. Charlie deu um chute desleixado na cadela e atirou, o projétil atravessou a arcada dentária da cadela e fez um buraco que ia da garganta e explodia em um rombo atrás do crânio, o breve barulho do choro foi o suficiente para saber que ele tinha acertado, lá trás, mais um tiro, que dessa vez acertou de raspão o policial.
Charlie apenas sentiu o raspar de algo e uma ardência como se seu braço estivesse pegando fogo, mas não podia parar, estavam quase no carroe. Conseguiu ouvir Jacob indo chamar pelo xerife enquanto recrutava os companheiros ao redor (sabia que ele estava no escritório por causa da Elizabeth a maldita gata que ficava miando). Jacob disse:
— Relaxa cara, procura abrigo, a gente tá indo pra aí. Ei, Josh, é você mesmo, porra, vem logo…
Charlie já não tinha forças pra falar. Poderia chamar ajuda pelo rádio, mas não adiantaria, Jacob provavelmente faria isso e usar rádio era um sinônimo perfeito para ¨deixar uma mulher para morrer¨. Os passos foram um atrás do outro, apressados e cambaleantes, atrás deles, o barulho de gritos e o tiro de espingardas que tentavam em vão acertá-los graças à má iluminação do ambiente.
Sentiu um alívio tremendo por ter chegado no carro, apoiou a detetive do lado do passageiro… mais um tiro… Chalie retaliou com alguns tiros também, estava cada vez mais fraco, abriu a porta e colocou Sarah no banco, depois deu a volta e entrou no carro. Deitou Sarah para que ficasse protegia e ficou abaixado enquanto pegava a chave e tentava ligar o carro…
Mais tiros, o coração estava na boca, conseguiu ouvir o barulho do vidro se estilhaçando e os cacos voando pelas suas costas, a mão tremia tentando encaixar a chave na ignição. Ainda abaixado, girou a chave com toda a força que lhe restava e quase chorou de alegria ao ouvir o som do motor.
Charlie deu mais um tiro em direção à casa, depois engatou a primeira e começou a dirigir, mas o carro estava pesado, tão difícil de controlar como uma bicicleta em uma pista de gelo. Charlie engatou a a segunda e começou a acelerar, mas a caminhonete andava muito devagar para o capacidade do motor… mais tiros, próximos dessa vez…
Charlie colocou a cara para fora da janela o mais rápido que pôde e verificou que os dois pneus laterais haviam sido furados. Filhos da puta. Já que Jacob iria chamar ajuda direto do xerife, ele procurou o rádio que estava com Sarah, mas ela devia ter tirado ainda dentro da casa, então à procura que durou um instante também fora em vão.
Que se foda. Engatou a terceira e começou a descer o morro desgovernado, ouvia vozes como ¨não dá pra sair, Charlie¨, ¨Já era¨, mas ele não ouvia, primeiro por que as vozes tornavam-se cada vez mais distantes e segundo por que sentia sua cabeça pendendo de um lado para o outro. Um tiro, muito perto dessa vez, fez o ouvido do policial zumbir, ele retaliou, foi quando ouviu o click, click, olhou para o tambor e viu que as balas tinham acabado.
Não tinha como se proteger de tantos tiros, então Charlie, com o coração na boca, invadiu a plantação, atravessando a plantação de trigo em um ziguezague enquanto ouvia agora o barulho de uma caminhonete se aproximando. Tentando ganhar o máximo de tempo, poderia se esconder com a ajuda do milharal, e ele ganharia tempo para recarregar.
Quando o carro atolou de vez, Charlie deslizou do banco do motorista, abrindo a porta e catando as balas que caíram da caixa de dentro do porta-luvas quando a fuga começou. O barulho do motor e das vozes aumentava atrás de si, os dedos tremiam, como se algum mal de parkson de aposse dele e as pequenas balas fosse minhocas, que se recusavam a entrar no tambor.
Se existia sensação de medo, Charlie certamente saberia, mas estava calmo, talvez lá no fundo ele esperasse por isso, ela entrou lá por que queria que isso acontecesse, sabia que quando o momento de tensão chegasse, ele não saberia fazer nada. Afinal, ele nunca fez nada que prestasse, agora não poderia ter sido diferente. Conseguiu encaixar apenas duas balas, o tambor girou e ele usou a própria capota para colocá-lo no lugar. A luz de lanternas projetavam-se atrás de si, ele sabia que a qualquer momento alguém chegaria ali e estouraria os miolos dele, e assim ele não precisaria se preocupar com mais nada.
Foi quando, no tapete, ele ouviu o celular tocar. Olhou para a tela enquanto o barulho de passos quebrando o plantio vinham a seu encontra. *Rebecca*. Foi aí que lembrou do que tinha proposto a ela, talvez sua vida não fosse uma perda total, se ao menos Sophia fosse realmente sua filha, mas antes que estendesse a mão para pegar o celular, Robb apareceu como um gigante olimpo que observa um mortal de seu coliseu, a sobra projetando-se como um eclipse que anunciaria uma nova era, uma era escuridão. A voz possuía estranha ternura, o sotaque europeu apenas contribuindo com a conjectura bizarra que a atual situação:
— Oh, caro Charlie, é um erro tentar fugir assim tão cedo, nem terminamos a sobremesa. – Chutou o celular que ele tinha alcançado para longe, plantação adentro. – Achávamos que você tinha o bom senso que carecia em sua companheira, mas pelo visto, você continua sendo um covarde.
Vai se foder, ele queria dizer, mas não tinha forças nem mesmo para levar a língua aos lábios, agora secos e rachados, ele poderia ao menos se esforçar para expressar algo, afinal.
Foi quando a coronha da espingarda veio de encontro ao seu rosto, e tudo ficou preto.