Purificação - Capítulo 14
Capítulo 14 – Redenção:
Quinze. Correr moribundo e escaldado através do bosque escuro e achar a saleta em que estavam escondidos havia sido mais um chute na loteria, e ele sentia que sua sorte estava acabando. Se tivesse demorado mais um pouco, não soube se conseguiria chegar a tempo antes de levarem um deles. Charlie sentiu o forte abraço de Sarah, e, logo após isso Laura e Alex (Lucas estava fraco demais para se levantar) vieram ao seu encontro.
Um tiro, até eles chegarem aqui, menos de dois minutos. Precisavam ser rápidos, mas felizmente todos já haviam entendido a necessidade da agilidade:
— Gente, tem pelo menos umas quinze pessoas no galpão, estamos próximos da rota 42, quase em Courter Town. Tem uma casa a norte daqui, deve dar uns dez minutos de caminhada… – Charlie pegou o revólver do homem caído e foi em direção a Lucas, o coração apertou quando viu o estado do garoto. Tentou miseravelmente esconder a angústia na voz: – fala aí, corredor.
— Tio Charlie, descul –
— Para, para, tô orgulhoso de você, tu é um herói. Eu e a Sarah vamos tirar vocês daqui, mas precisamos que vocês sejam fortes, só mais um pouco. Fiquem atrás de mim.
Charlie conferiu para ver se estavam todos preparados, observou o cadáver de Marley de relance e pensou: olho por olho, cachorro por cachorro. Saíram em uma fila sentindo o suor e a chuva em seus corpos como uma corrente polar invade uma praia tropical.
Sarah vinha logo atrás, ajudando Lucas e apoiada por Laura (as duas não pareciam bem o suficiente para uma corrida acelarada, Sarah cabaleava e Laura parecia fraca demais perante as rajadas de vento); Alex vigiava os arredores. O vento cintilava através dos pinheiros que balançavam gotas de água de lá para cá. O bosque era esparso, mas conseguiam ver a casa ao longe; dois andares. Uma verdadeira mansão de caçador, se tivesse um lago próxima seria a conjectura perfeita para um filme de terror de sábado à tarde.
Mas não era. Foram correndo de árvore em árvore, traçando um L que ia do cativeiro até a casa. No meio do caminho, à medida que o estalar dos galhos e folhas mortas e o barulho dos passos na lama confundiam-se com as batidas de seus corações desesperados que anunciavam a empreitada macabra, dois vultos foram vistos vindo na direção oposta da trilha, um portava uma espingarda, todos com manto.
— Abaixem-se!
Charlie anunciou em um silvo, e todos obedeceram. O policial e Sarah eram grandes demais, então se separaram utilizando troncos como cobertura. Os olhares se encontraram enquanto as crianças permaneciam deitadas próximas às raízes mortas e galhos caídos. Quem olha pra ela mal imagina o quão forte pode ser, Charlie pensou ironicamente no mundo da imaginação enquanto aguardava o que mais pareia ser a eternidade que era a passagem deles. Pareciam falar alguma coisa, mas Charlie não pagaria para descobrir. Quando as vozes diminuíram, ele comandou:
— Vamos, rápido!
E assim foram, árvore em árvore, cobertura em cobertura, Charlie verificou a quantidade de balas no cartucho e percebeu que não teria chance em uma troca de tiros, cada tiro é pra valer. A casa estava lá, parada, como a bocarra de uma masmorra que anuncia seu interior tenebroso, imaginou quem mais poderia estar na casa.
[– Pelo menos umas quinze pessoas…]
O galpão a leste parecia uma nave, imóvel, silenciosa, escura, ninguém saberia as coisas que aconteciam lá dentro. A varanda e a sacada da porta dos fundos ficavam subsequentes uma à outra, dando entrada ao que parecia ser uma cozinha. Se alguém aparecer na sacada, só precisa ter mobilidade o suficiente para não tremer a arma, o tiro é fácil. E era. Olhou para todos um instante antes de sair da última árvore que dava para a clareira dos fundos da casa, apreciando seus olhares de apreensão e tentando se comunicar com suas almas através das pupilas dilatadas pela escuridão da noite e o terror de seus espíritos. Por quê eu virei policial no final das contas? Charlie sentiu que os olhares de cada um se correspondiam, o som da respiração ofegante que comunicava um orgulho por chegarem até ali, os verdadeiros soldados que estavam prestes a mergulhar em uma Madrugada D. Sarah aquiesceu, ela de alguma forma lera seu olhar de apreensão e dera um voto de confiança, um ¨conta comigo¨ que valia mais do que qualquer expressão gramatical que uma corda vocal poderia emitir. Agora, deus, me dê forças.
Charlie correu, agachado como se invadisse um banco com assaltantes armados com fuzil e sob efeito de metanfetamina. Mirava a sacada, se alguém aparecesse ali, sua mente remontava como um deus cronológico todas as formas com que a bala atravessaria cada um de seus corpos. Mas ninguém apareceu. Quando chegou próximo o suficiente da casa e viu se não tinha ninguém se aproximando ou qualquer tipo de presença que poderia ameaçar a corrida, Charlie olhou para trás e fitou o bosque atrás deles, vendo se os dois sujeitos já estavam vindo. Não estavam, era a oportunidade perfeita. Fez sinal para que corressem e verificou de soslaio através da portela logo acima dos degraus. Nada, por enquanto.
— Venham, rápido, rápido.
Um por um, eles subiram os degraus que levavam à porta. Charlie aproximou o ouvido da parede para perceber sinais de movimento. Passos, deveriam ter pelo menos duas pessoas nos cômodos adjacentes à cozinha (se estavam juntas ou não, ele não conseguiu perceber no calor do momento). Tentou abrir a porta, mas estava trancada, havia uma janelinha perto do fogão e da pia.
— Algum de vocês consegue abrir por dentro?
Laura respondeu, com tom de incerteza:
— Acho que eu consigo…
— Ótimo, sobe aqui nos meus braços…
Charlie deu a arma para a jornalista e auxiliou Laura, que debruçou-se cuidadosamente e evitou esbarrar nos pratos e talheres.
— É só girar a chave.
Foi quando viu, no final do corredor, uma porta se abrindo, como se o mundo ficasse em câmera lenta, ele olhou para os olhos castanhos de Laura e com uma expressão apreensiva e tensa meneou a cabeça (não daria tempo de falar nada com clareza). Não tinha como ter certeza se ela havia percebido a natureza do gesto, apenas debruçou-se rapidamente ao lado da soleira, colando com o braço (como os pais fazes quando seus filhos estão em perigo) as crianças na parede, Sarah não precisou do aviso, já estava segura. Um suspiro, precisavam prender a respiração, se Laura fosse vista, teriam de invadir. Ouviram os passos de alguém entrando na cozinha, a voz era de uma mulher, o sotaque do norte era palpável e parecia gritar gentilmente para alguém que se encontrava em outro cômodo:
— Lúcia, minha querida, tem que comer alguma coisa, pelo menos um refresco! Lúcia? Eu vou… mas o que é…
É agora. Charlie já estava pegando o revólver e preparando-se para levantar de súbito, quando a mulher continuou:
— Quem deixou o suco fora da geladeira? Ai, esse povo, – ouviram o som de uma geladeira sendo aberta. – aqui querida, eu levo pra você!
E ela levou. Charlie olhou de soslaio e viu Laura debaixo da mesa da cozinha, contra a parede e do lado da geladeira. Fez sinal para que viesse. Quando a porta foi aberta e eles entraram, a primeira coisa que Charlie procurou foi um celular, o coração de todos estava acelerado. Charlie disse, às pressas e falando o mais baixo que podia:
— Sarah, veja se consegue achar alguma chave de carro, Alex, vá pro fim do corredor e vigie pra ver se não tem ninguém vindo. Laura, fica de olho lá fora, eles podem voltar a qualquer momento, Lucas, pega algumas facas e distribui pra eles enquanto isso.
Ninguém respondeu, mas todos entenderam perfeitamente do que se tratava. Charlie procurou nas gavetas por um celular, mas não conseguia achar nada ali. Olhou para a geladeira, tinha um celular em cima, correu para ele enquanto observava Sarah pegando várias chaves e balançando uma em específico (era a chave de um carro). Lucas distribuía uma faca de cortar pão para todos e Charlie verificou a bateria: cinco por cento.
— Tem alguém vindo!
A voz de Laura soou como um rastro de bala.
— Tranque a porta. Acharam a chave do carro? Ótimo, a gente tem que achar uma garagem, deve ficar no final do corredor. Alex, tá tudo bem aí?
— Parece que tem alguém descendo as escadas.
Charlie rezou mais uma vez: Deus, me dê forças, celular, tenha sinal, por favor, preste para algo. Enquanto esperava o celular ligar, Charlie olhou pela janela, dois deles estavam indo em direção a casa rápidos demais, um deles parecia falar em uma espécie de rádio, além disso, o som dos passos que desciam das escadas anunciavam mais um dos obstáculos.
— Vamos, fiquem atrás de mim. Sarah, prepara a chave.
No final do corredor abria-se espaço para uma sala de estar, teriam de encontrar a garagem o quanto antes, se quisessem ter uma chance de saírem vivos dali. Não sabiam o que encontrariam depois, e nem precisaram. Uma mulher extremamente gorda surgiu como um paredão na frente de Alex. As crianças se assustaram e o policial tentou falar qualquer coisa (riu em sua mente ao saber que estava prestes a falar ¨você está presa¨), mas a mulher ignorou e agarrou o braço de Alex como uma draga.
Foda-se. Charlie puxou o gatilho. A bala traçou seu voo através da têmpora da mulher, que caiu dura no chão. O som do tiro ecoou, e antes que pudessem continuar, as janelas se estilhaçaram dando lugar a projéteis de bala vindos de fora da casa.
— Pro chão! – Charlie gritou. – Fiquem agachados e procurem pela garagem!
Charlie esgueirou-se e preparou para mais uma jogada, agora era ele quem arremessava a bola.
…
Tudo ocorria em câmera lenta para Sarah. Cada respiração, o arrepiar dos fios em seu pescoço, o fraquejar da perna que lutara para manter o passo firme e acompanhar Charlie e as crianças, além de ajudar Lucas. Enquanto as balas e os cacos de vidro voavam pelo chão da cozinha e do corredor como o bombardeio de zepelins em um filme de guerra, ela sabia que tudo aquilo provavelmente se passara em menos de quatro minutos, mas esse é o preço que se paga pelo desespero.
Ouviu Charlie atirando atrás de si, pela primeira vez na vida de liberal, Sarah torceu para que ele tivesse acertado alguém, as chaves serviriam de alguma coisa? E se os carros estivessem fora de casa? Então estamos mortos, mas o pensamento não impediu-os de continuarem avançado até a sala, onde uma larga escada encontrava-se adjacente a uma parede e no final desta, um outro corredor. À direita, havia uma porta dupla corrida estava semiaberta. Agora é hora de correr.
— Crianças, fiquem atrás de mim.
Ela correu, e eles vieram atrás. Cruzou para o corredor como se estivesse um labirinto e fosse um rato, à espera de qualquer tigre que poderia surgir na primeira esquina que virasse. Decidiu que iria dobra à direita no final do túnel. As crianças vieram junto, e por sorte ela parecia ter ganhado a sua porcentagem na loteria pela vontade de viver, pois a porta, além de estar aberta, permitia ver duas caminhonetes.
Sarah atravessou correndo, os tiros não paravam de vir, cada segundo poderia ser a diferença entre a vida e a morte, Laura e Lucas estavam logo atrás, porém, enquanto o tom amadeirado dava lugar a um cinza claro e cheiro de graxa, ela viu, em câmera lenta, como uma pessoa que acaba de entrar na contra-mão e vê uma carreta vindo em sua direção, ela viu o senhor Robbinson recostado na parede, bem ao lado da porta, terminando de tragar um cigarro. Assim que eles passaram e o hesitar de Sarah não fosse o suficiente para escapar, Robbinson de súbito fechou a porta em um chuto, o barulho estridente das paredes vibrando com o impacto e o tuc do corpo de Alex que acabou ficando do outro lado.
As crianças gritaram, o braço de Sarah esticou-se para protegê-las enquanto o senhor Robbinson levantava um machado. Um espírito materno se apossou de Sarah, que gritou:
— Pra trás do carro, crianças!
Secretamente, tinha passado a chave do carro para Laura. O velho Robbinson pestanejou:
— Olha, cês dão um trabalho do cão. A gente falô que ia cuidar de ocês mas querem por que querem dar uma de espertinhos. Agora eu vô tê que enfia esse machado na cabeça dessa vaca…
O barulho da lâmina do machado cortando o vento em um Voouf veio de encontro a Sarah, que pulou para trás, não antes de ser recebida com mais um golpe que vinha de cima para baixo como uma guilhotina ambulante.
— Vê se fica quieta, porra!
Ela não ficaria. A faca voou no rosto de Robbinson, que arregalou os olhos quando a lâmina saiu da jaqueta dela. Ele sente medo, afinal. E assim começou uma dança de golpes, ela desviava como podia, tentando ganhar tempo para que as crianças ligassem a caminhonete, até que em um desses momentos o velho vacilou, é só um velho, grande, mas só um velho.
A faca atravessou o peito dele, mas antes que Sarah pudesse girá-la, ela foi pega como uma galinha pelo pescoço, sentindo os dedos rígidos e calejados enterrando-se em sua traqueia, o balançar do corpo que ia da vertical para a horizontal. O Robbinson apontou a cabeça dela em direção ao vidro e quebrou-o com ela, o som dos estilhaços anunciando um mergulho ao desconhecido. Um zumbido, o mundo girou, ela viu o rosto apavorado de Lucas e Laura no interior do carro, para depois ficar pendurada, sem forças, pelas mão dele, como se ela fosse um cabide que anunciaria a vestimenta que um homem de idade usaria no velório de sua amada, sendo sua amada a própria roupa. Ele abriu a porta e deixou-a cair entre o banco a lataria. O pavor tomou conta de seu corpo: ele quer me esmagar.
Antes que o Robbinson estourasse a cabeça dela com a batida da porta, Sarah colocou a braço na frente. Só ouviu um sonoro Creck e uma dor que abraçou-a de tal maneira que achou que fosse desmaiar, sentia-se leve quando o velho agarrou-a pela jaqueta. Olhou de relance para o braço esquerdo, estava torto em três direções diferentes, o osso repartido rasgando a pele e expondo o tutano.
E então o impacto dela sendo jogada na mesa, o machado de novo, a guilhotina. Estou morta. Mas o velho demorava muito, a sua mão ainda estava agarrada, as crianças tinham a faca, mas se errassem o golpe, quem teria a cabeça esmagada eram elas, na verdade.
[– A gente vai dar um jeito, a gente sempre dá. – a mãe estampava um sorriso de pena.]
[– Relaxa, Sarah, não é como se você fosse morrer. – o toque gentil e a voz contagiante do namorado veio à sua mente.]
[– Moça, fala pra minha mãe que eu amo ela? – Lucas de novo.]
Então, o machado parou no ar, um último suspiro, enquanto o machado descia em um corte uivante através do ar, ela decidiu: ainda não, ainda não, Sarah! Sarah desviou jogando a cabeça para o lado no último momento, sentindo mechas de cabelo voando atrás de si, o machado estava enterrado na mesa.
— Vaca teimosa essa, sô!
E ela correu em direção ao carro de novo (estava ligado), a alguns metros, esticando a mão para dentro do veículo.
— A faca, me dá a – e então, como se uma onda de dor a banhasse, ela uivou, como uma loba que tem seu útero rasgado por filhotes que tentam achar seu caminho tortuoso para uma saída de um local escuro como o que ela se encontrava: – AAAAAAARGH!
O velho Robbinson a tinha pego pelo pulso do braço que estava repartido em três, e ela desmaiou, batendo de costas contra a porta do carro. Estava tudo escuro, de vez em quando ela via alguma coisa… o Robbinson resmungava… tinha deixado de lado o machado e pagava uma enxada… se aproximando aos poucos e deixando a lâmina enferrujada do aparelho de plantio arrastar-se no chão, estava cansado e ferido pelo corte…
— Olha só o que ôce fez comigo, sua vaca. Agora cê vai vê…
Ouvia mais tiros, dentro de casa, agora. Mas já não importava. Ele se aproximou e se ajeitou junto com a ferramenta rente à porta do carro e manuseando a cabeça dela, para que ficasse reta o suficiente para ser atravessada como um espigão.
[– Você acredita em deus, senhora?]
Vou descobrir já já, querida. As lágrimas escorreram como suas esperanças de um dia sair dali, o velho se agachou para falar com ela pela última vez, ajeitando sua cabeça e apoiando-a contra porta do carro para que não caísse:
— Ôce primeiro e depois aquele policial desgra –
Sarah só viu uma mãozinha saindo da janela com uma faca e atravessando o globo ocular, um barulho gelatinoso que soou como uma ópera para os ouvidos cansados dela, a boca fedida se abrindo de medo, as mãos cambaleando junto com o restante do corpo, sem entender ao certo o que acabara de acontecer. O velho caiu para o lado, sem vida. Ela desmaiou de novo. Um feixe. O rosto de Laura estava em cima dela:
— Moça, anda, tem que levantar…
— Ele não tá mais aqui, Laura. – a voz era de Lucas, que havia aberto a porta. – DROGA! Tem mais gente…
— Sarah, por favor!
Ela voltou, alguém a tinha puxado do turbilhão dessa vez, foi uma luta levantar-se e entrar no carro. Laura foi logo atrás, Lucas deu um salto pela janela. Já estava difícil para Sarah falar e o braço esquerdo pegava fogo. As palavras saíram como se ela estivesse aprendendo a falar de novo, entorpecida pela dor:
— Laura… a marcha, troca pra mim… Lucas, a porta da garagem…
Ele correu, apertou o botão e voltou, pulando pela janela quebrada. Laura estava no banco do passageiro. Tinham duas pessoas na frente da garagem, mas estavam desarmadas e tomaram um susto quando viram o estado do senhor Robbinson e que os fugitivos estavam dirigindo. Outros entraram pela garagem da porta de onde eles vieram, derrubando-a em um supetão. Sarah pisou no acelerador, quase atropelando e perdendo o controle do veículo enquanto prosseguia através da trilha a toda velocidade.
— Fique abaixada, Laura. Lucas, abaixe-se.
Ela acelerava pela trilha, os tiros acertaram o para-brisa e a lataria. Lucas parecia de algum modo preocupado e feliz:
— Conseguimos, obrigado, deus! – Laura e Lucas estavam chorando, Sarah também, mas não sabia dizer se era pela dor ou pela fuga. Lucas debruçou-se entre os bancos e exortou, preocupado: – mas e o tio Charlie, ele ainda tá na casa. A gente tem que chamar ajuda, o Alex de –
Ela não olhava para trás nem para os lados, os pinheiros pareciam multiplicar-se, mas ouviu, ouviu o som da bala atravessando a carne do menino, do jato de sangue que voou nos bancos e vidro da frente. O corpo de Lucas caiu em cima da marcha, um buraco de bala deixava à mostra a massa cefálica, a boca de de quem ainda terminaria a frase que anunciaria a escapada, a coragem que levou-o até ali.
[– Moça, fala pra minha mãe que eu amo ela, tá?]
Laura gritou de horror, Sarah também, mas por dentro, já não tinha forças. Estava perdendo o controle do carro:
— Tira ele da marcha, Laura, senão eu vou bater!
Ela se esforçava ao máximo para jogar o corpo do amigo para trás… quando conseguiu, já estavam saindo a trilha em direção a uma estrada em plena madrugada…
Momentos antes…
Charlie já não se preocupava consigo mesmo, o celular tinha ligado, mas o sinal estava fora de área, maldito interior filho da puta dos Estados Unidos. Os tiros atravessavam a janela e estavam cada vez mais próximos, precisava se certificar de que pelo menos Sarah e as crianças conseguiriam sair, foi quando mais um entrou no corredor atrás de si.
Charlie escondeu o celular e em um salto disparou na direção do sujeito, que acabou sendo pego de raspão, mas estava na esquina. Estou cercado, percebeu. Quando começou a ouvir o barulho nos degraus da varanda, correu em direção a sala, virando a esquina e… se deparando com pelo menos três pessoas, uma delas estava encapuzada, mas Charlie tampouco reconhecia as outras, ouviu tiros de fora da casa e ameaçou atirar, foi quando Alex surgiu de trás de um deles, com uma faca no pescoço (a mesma que Lucas havia dado).
— Largue a arma.
A voz feminina que ordenara soava quase como uma juíza em um tribunal. Charlie hesitou:
— VOCÊS, LARGUEM O GAROTO!
— Não adianta, Charlie, o garoto…
Ele atirou. Mas no que acabara de arrombar a porta da cozinha, durou um segundo, mas antes que pudesse retornar o olhar para a sala, o cano de uma arma estava apontado para sua cabeça. Foi somente então que Charlie largou a arma, dizendo:
— Mas que porra são vocês?
— Iríamos responder isso se tivesse paciência o suficiente, ninguém sairia ferido, mas…
— MAS É O CARALHO… vocês espancaram as crianças e ameaçaram levar um dele agora pouco…
— Nós queríamos ajudá-lo, isso sim, mas você é tolo demais…
Alguém descia as escadas, era Lúcia, que tinha tom de medo em sua voz:
— Tia Carla, mamãe?
— Vá para cima querida, eu já vou…
Charlie tentou interferir:
— Lúcia, olha pra mim, vai pro seu quarto e tranca a porta, foge, foge, sua família é louca, vão te machucar!
Lúcia começara a chorar, mas a moça interveio:
— Paul, leve ela pra cima e volte aqui depois disso. – aguardou até que ouvissem o barulho das portas fechando lá em cima.
— Tio Charlie…
A voz de Alex deixava-o com medo também, mas tinha que ser forte:
— Tá tudo bem, Alex, tá tudo bem.
A moça encapuzada disse:
— Sempre esteve tudo bem Charlie. Você matou quatro dos nossos essa noite.
— Me dê mais tempo e mato você também –
Um súbito calor veio de encontro ao braço dele quando alguém enterrou um soco na sua ferida, fazendo-o cair. A moça encapuzada disse, a voz gutural:
— Algumas pessoas só aprendem vendo, amarre ele de novo, vamos terminar os preparativos…
Uma voz aflita o interrompeu:
— Mas, mestre, a mulher e as outras crianças fugiram, a polícia, vai estar a caminho.
Conseguiu ver uma mão enrugada na testa de um dos homens. A sua voz era doce como a maçã do éden:
— Não se preocupe, querido, ligue para nosso contato e o informe da situação. Vocês aí, amarrem ele e o menino, depois peçam a Margaret que prepare Lúcia, já não temos muito tempo. E Paul, – ele já havia descido neste momento – vá atrás das crianças, por favor.
Charlie só conseguiu pensar em uma coisa: acelere, Sarah, acelere.