Purificação - Capítulo 7
Capítulo 7 – A Fazenda dos Robbinson:
— Alô, Jacob?
Que se foda o que o xerife quer. A voz estava meio abafada do outro lado da linha, mas nada que pudesse atrapalhar o entendimento.
— Oi, Charlie, qual é a boa?
— Então cara, o xerife me enviou para residência dos Robbinson pra dar uma conferida em um chamado, eu tô ligando pra pedir que fique de olho na delegacia e atento ao celular, se eu precisar de reforço ou acabar não voltando cedo, vem pra cá com um pessoal de confiança.
— Nossa, parece que tá fazendo um testamento? Qual é a natureza do chamado?
— Não sei ao certo, a princípio parece que as crianças foram vistas por lá mas o xerife pediu pra eu dar uma conferida sozinho, ele não queria que eu chamasse você. Também tô com uma amiga, Sarah. A gente só tá tomando esse cuidado por que parecem ter algumas coisas que foram pra debaixo do tapete, mas vamos conferir isso juntos, depois.
— Tranquilo, tá anotado aqui, mais alguma coisa? Aliás, não tinha viatura disponível não? Ele podia ter chamado o Josh…
— Pois é, parece que eu tô virando empregado mais dele do que da delegacia. Enfim, se der algum problema, vou te notificar pelo celular antes, só por precaução, pode ser?
— Pode ser, boa sorte aí e vê se não se perde nas pranta, em? Ha, ha, ha, tchau!
A caminhonete percorria a Dawn Road estrada acima, os milharais dançavam à medida que o vento forte atravessava os campos. Sarah disse:
— Olha, parece que vamos a mais uma caçada! Mas falando sério agora, você conhecia as crianças?
— Na verdade, conhecia um deles, Lucas, o moleque joga beisebol muito bem, e os pais dele eram meus antigos vizinhos e me ajudaram com as mudanças quando fui pra casa da Rebe… deixa pra lá…
— Ah, conta aí, a gente ainda tem tempo.
— Bom, pode não parecer, mas já fui casado.
— Mentira! Tô passada…
— Pois é, mas não durou muito tempo, tivemos alguns problemas e agora já estamos livres um do outro. Mas o garoto é esperto, treinei ele quando ainda era professor de beisebol…
Sarah sempre mantinha-se animada com as coisas, Charlie sentia-se sem senso de humor genuíno ultimamente. Novamente com um tom carismático, ela disse:
— Mas Charlie, estou tendo várias revelações aqui, o que mais eu não estou sabendo?
Que minha esposa era uma puta. Mas o que disse foi:
— Eu já fui abduzido depois de me embebedar no bar do velho Tom.
Os dois desataram a rir. Sarah disse:
— Bom, mais alguma coisa?
Não havia por que esconder:
— Pretendo sair da cidade daqui a pouco, mas vou esperar esse lance com as crianças terminar.
— Se aventurar aos arredores é sempre uma boa pra escapar da rotina, vai ficar fora por quanto tempo?
— Não pretendo voltar.
Um silêncio trivial pairou no ar. Ao longe, onde os montes se aplainavam para depois ficarem irregulares novamente, em uma morro, a larga residência rural dos Robbinson encontrava-se ao final de um caminho tortuoso de terra batida, as nuvens e raios amarelos projetando a sombra da casa como um despenhadeiro de cinza. Foi Charlie quem disse:
— Chegamos, um desses Robbinson estava lá na igreja, mantenha o perfil baixo e não chame muita atenção.
De repente o tom dela mudou, parecia uma outra pessoa em termos de semblante:
— Algo que eu tenha de saber em específico sobre eles?
— São conservadores, mas diferente do povo do centro, eles quase não tem amizade nem com o povo da igreja. Não ligam em tratar você do jeito como bem entenderem, se quiser ter uma chance de ter respostas, a senhora Margaret é a menos rude dali, e a filha deles, é claro.
Enquanto subiam a estrada estreita entre os milharais, observavam a casa que tornava-se maior à medida que se aproximavam. Quando chegou em um escampado, Charlie parou a caminhonete já apontando para a saída, pegou o bloco de anotações com a foto das crianças e carregou seu revólver .38, guardando-o no coldre. Do porta-luvas tirou alguns documentos e seu distintivo, além de uma faca que deu para detetive (o unicórnio balançava de lá pra cá, como que quisesse sair dali com a ajuda do vento):
— Aqui, se você falar que é jornalista estamos perdidos, será a assistente policial Sarah Jacob (ele nunca ouviu falar do Jacob original, disso tenho certeza), chegou recentemente na cidade e não gosta muito de falar sobre seu passado, quer arranjar uma grana e o trabalho é digno. Guarda a faca debaixo da jaqueta, não gosto de brincar em serviço, você vai usar esse negócio em último caso, mas mire no pescoço e fuja caso dê merda. Aqui, toma também, é o rádio reserva.
— Nossa, estou me sentindo como o Robin aqui, já fez averiguações antes?
Os dois saíram do carro e fecharam a porta. Charlie respondeu:
— Só uns usuários de heroína numas raves do lago, tem sempre um maluco, mas é sério, não baixe a guarda, estamos nessa juntos.
…
O céu lilás estava atravessado de nuvens, e apenas alguns raios de luz restavam no horizonte, o barulho de grilos acompanhava-os à medida que iam subindo lado a lado, a casa de dois andares e telhado de ardósia estava bem iluminada, duas janelas no andar de cima e outras duas no andar da varanda, separadas apenas pela porta da frente.
Enquanto subiam, Charlie viu uma garotinha de pele e roupas claras, os cabelos escuros amarrados em dois laços, ela encarava-os sem ao menos piscar, a feição sem qualquer emoção. Sarah deu um tchauzinho a ela, mas a garota apenas sumiu de volta a qualquer lugar que eles não conseguiam ver.
Quando chegaram nos degraus, Charlie teve uma melhor visão da fazenda, os estábulos e o celeiro ficavam ao norte, separados por apenas alguns minutos de caminhada, alguns animais de gado podiam ser vistos ao longe. Subiram nos degraus que rangiam a cada passada e deram por si à frente da porta. Não havia qualquer janelinha na porta. As janelas laterais estavam bem iluminadas em amarelo fosco, na entrada apenas uma fresta abaixo permitia observar a luz que corria para a saída. Charlie tentou chamar alguém com batidas educadas:
— Olá, alguém em casa? Senhor e senhora Robbinson?
Novamente, toc, toc, toc. e fechou as cortinas, de forma tão rápida que ela nem teve tempo de verificar a outra janela ou prestar atenção no interior da casa. Os mosquitos voavam de lá para cá, e o céu trocara sua cor por um cinza escuro. Toc, toc, toc.
Ouviram-se passos em madeira, algo grande dando passadas que pareciam vir ora da esquerda e ora da direita. Estranhando, Charlie olhou para Sarah desconfiado, e ela respondeu com um meneio de cabeça, apontando para baixo. Ao acompanhar o olhar, Charlie agora via sombras de pés parados próximos da porta, presos ao chão como estátuas. Charlie chamou de novo:
— Olá, senhor e senhora Robbinson, abram a porta, por favor, gostaríamos de conversar, é da polícia.
A porta não abriu. Charlie empunhou a arma e Sarah foi para trás dele. Aumentou o tom de voz, vendo a silhueta da sombra ainda parada:
— Não queremos causar incômodo, mas se não cooperarem teremos que abrir a força!
Nenhuma resposta. Charlie tentou forçar a entrada pela porta. Estava trancada. Sarah verificou as janelas. Também estavam trancadas.
— Vamos ter que dar a volta.
Quando ele e Sarah viraram-se, de súbito viram uma sombra no escampado mal iluminado empunhando um machado, de frente para eles, o objeto pendendo na mão direita da silhueta, que era grande.
O susto passou rápido, visto que a sombra se aproximou e revelou-se como o senhor Robbinson, de roupas enxadrezadas, barba rala e calvo, um suor forte e dentes amarelados, além de ter uma barriga protuberante (mas braços musculosos) e um nariz amassado para dentro. Sua voz não era nem um pouco acolhedora:
— Que cêis qué a essa hora da noite?
— Senhor Robbinson – Charlie tentou ser o mais educado que pôde. – queríamos apenas verificar um chamado sobre o desaparecimento das crianças mas não fomos atendidos, agora que o senhor está aqui, gostaríamos de dar uma pequena ronda na casa e ver se está tudo certo.
— As criança tem quantos anos?
— Aqui está uma foto delas… é… se você deixar a gente entrar, vai dar pra ver melhor por causa da iluminação.
O barulho do ranger à medida que o velho subia os degraus de madeira eram surpreendentemente altos, mas ele não disse nada, apenas deixou o machado encostado no parapeito da varanda e olhou intrigado para Sarah, dizendo:
— Quem que é ocê?
— Estávamos na igreja, lembra? – foi Charilie quem respondeu. – ela é minha assistente policial, o departamento tá passando por reformas e ajuda sempre é bem-vinda.
— Prazer. – Sarah disse, estendendo a mão para o senhor Robbinson.
O velho estendeu a mão e a cumprimentou, era pelo menos três vezes o tamanho da dela, o cumprimento foi bruto e de fria cortesia. Por fim, parou na frente da porta e espalmou a maçaneta:
— Abre a porta aê.
Alguém abriu, era a garotinha de novo, que ao ver os dois ali, saiu correndo para as escadas que encontravam-se no hall. O Robbinson ficou ali parado, e pegou as fotos das crianças de qualquer jeito, semicerrando os olhos para enxergar melhor, até finalmente dizer:
— Não tão aqui, se tivessem eu saberia.
— Então não se importa se dermos uma olhada pela casa, só preciso fazer uma vistoria. Tem mais alguém na casa?
— Tem, minha mulhé e minha cadela…
— Certo, gostaríamos de conversar.
De repente, uma mulher já de idade, mas de aparência boa e apresentável chegou de encontro a eles:
— Olha, parece que temos visita. Policiais jovens e bonitos, formam um belo casal.
Foi Sarah quem respondeu:
— Ora, o policial aqui é só meu parceiro de equipe, mas obrigado pelo elogio, senhora…
— Margaret, e esse é o meu marido, William, mas já devem conhecê-lo… e vocês? A propósito, devem estar com sede, gostariam de uma água?
— Aceitamos de bom grado, meu nome é Sarah, e esse é o policial Charlie.
— É um prazer conhecê-los, aqui está.
Foram em direção a cozinha à esquerda do hall, nada fora do padrão americano, pratos e louça simples, armários pequenos mas enfeitados, e uma geladeira e fogão, além de uma mesa que aparentava já estar sendo preparada. Charlie tentou se antecipar:
— Bom, Sarah, você fica aqui e dá uma olhada na casa com a senhora Margaret. Senhor Robbinson, gostaria de dar uma olhada lá fora com o senhor, se importa de me acompanhar?
— Claro que não, uai, vai ser um prazer.