Purificação - Capítulo 8
Capítulo 8 – Celeiro:
— Quê que cê qué ver primeiro?
O senhor Robbinson fechava a porta atrás de si enquanto Charlie aguardava-o, já na frente da casa.
— Vamos dar uma olhada nos estábulos.
A resposta veio em um resmungo inaudível, mas a princípio o velho mostrou-se cooperativo, então começaram a caminhada até o lugar. Charlie tentou se aproximar mais do velho:
— Olha, eu já vi bastante fazendas, mas essa daqui tá realmente bem cuidada.
O velho respondeu, ainda hesitante sobre a presença de Charlie em sua residência:
— É, uai, essa fazenda é mais velha que a própria cidade, mas a gente cuida pra que continue dando fruto bom. Meu pai falava que essa terra é abençoada, demorô muito pra eu descobrir que era verdade.
— Pois é, pelo que vejo o senhor é bem religioso, está gostando da nova igreja?
O velho pareceu irritar-se, Charlie não se importava. Com um resmungo, replicou:
— Pff, nova igreja. Essa juventude nem sabe mais o que é a Mary Wood, aquela sempre foi a igreja Mary Wood, depois que aquele prefeito meia-boca inaugurou uma nova, o povo caiu em cima, mas não adiantô.
Charlie imaginava ser há boas décadas atrás. Enfim, aproximavam-se do estábulo, os cavalos estavam descansando e as galinhas já estavam meio sonolentas no galinheiro à direta. Enquanto olhava os cantos do lugar e verificava os montes, Charlie continuava o diálogo:
— Estranho, nunca tinha ouvido falar mesmo dessa Mary Wood, espero que a igreja dê certo, só um milagre pra salvar a reputação daquele lugar.
De repente, o semblante do Robbinson se enevoou, e parou de caminhar junto a Charlie, apenas encarando-o. O policial havia percebido:
— Algum problema?
A voz dele era no mínimo, intrigante:
— Cê acredita em milagres?
Charlie continuava a verificar o lugar, tinha uma boa mini lanterna e no pior dos casos o celular ainda estava de bateria cheia, por fim, respondeu:
— Ainda não sei, acho que falta concluir isso na minha vida. Mas eu sei que maldições existem, ha, ha! – o velho não riu com ele, o policial continuou. – acho difícil acontecer milagres, ainda mais nos tempos de hoje.
— Os milagre acontece só em quem tem alma pura.
— Deve ser, vamos dar uma olhada no celeiro agora.
Assim, andaram mais um pouco até chegarem ao largo galpão, vermelho em tinta desgastada e com seu interior ainda iluminado. A porta esquerda do celeiro estava semiaberta, Charlie perguntou, descontraidamente, mas intrigado:
— Esqueceram a luz daqui acesa ou de contar que esperavam visitas?
— Os dois.
Charlie parou e olhou pro velho. Ele está falando sério mesmo. Abriu o galpão devagar, com arma empunho, a larga porta rangia cacofonicamente à medida que era aberta, e no interior, um largo espaço no centro iluminado por uma lâmpada presa ao teto. O feno parecia ter sido movido para os cantos, e no chão, um largo círculo de algum pó branco contornava um banquinho de madeira, nele, parecia ter algum porta-retratos.
Charlie aproximou-se, mantendo visão tanto no lugar quanto no velho, que estava de mãos vazias. Não chegou a perguntar sobre o forte cheiro de vinagre ou sobre a conjectura do ambiente em si, apenas foi em direção ao porta-retratos e pegou-o. A foto era da menininha da casa, usando as mesmas roupas que Charlie lembrava-se de tê-la visto usando mais cedo. Não pôde deixar de perguntar:
— Então, poderia me explicar mais sobre isso aqui?
Apontava com os olhos para os arredores, estava diretamente centralizado no círculo, o velho Robbinson tinha recostado-se na parede adjacente e o observava de braços cruzados, quase admirado:
— É uma purificação.
— Purificação? Isso é coisa da igreja?
— Não, purificação não é sobre igreja nem religião, é sobre fé.
— E deixa eu adivinhar, tá relacionado a Mary Wood?
— Sim, e a Lúcia vai ser purificada.
— Aqui?
— Não, aqui é onde preparamô pra verdadeira purificação.
— Então tem mais gente, por que eu não ouvi falar sobre isso antes?
— Simples, uai, nosso trabalho não é evangelizar ninguém, nós só mostramô o caminho pra ser purificado. Se qué saber mais, é só ficar aqui, a gente vai começar hoje a prepara as coisa.
— Bom, vamos ver, eu preciso dar uma rondada na casa em si, vamos.
E assim foram eles, andando ao redor da casa, passando pelo poço rústico e escuro, ao apontar a lanterna para dentro, Charlie tee a impressão de ter visto um roso afogado gritando por ajuda, mas depois descobriu que era o próprio reflexo, essa cidade tá me matando aos poucos.
Depois, encaminhou-se a uma despensa externa, onde enlatados e ração encontravam-se no mesmo lugar, por que não colocam essas coisas dentro de casa? Manteve o pensamento para si, depois foram até mesmo a uma latrina. O resto da caminhada tinha silenciosa, mas antes de completar a volta, Charlie viu um alçapão no lado esquerdo da casa, parecia trancado por uma corrente. Caminhou calmamente em direção ao lugar, mas o velho o parou:
— Que cê qué ver ali? Não tem nada.
— Então não vai se importar em abrir pra mim.
Os dois estavam tensos, mas o velho parecia mais. Resmungando, ele tirou uma chave do bolso e destrancou o cadeado rudemente. Depois, pegou uma pá e encaixou numa fresta à esquerda da porta, forçando para desemperrá-la, após um tac, ele disse, afastando-se:
— Pronto, tá livre.
Charlie empunhou a arma de novo e a lanterna e foi em direção à alça que levantava a porta, olhando de relance para o velho que ficava cada vez mais atrás dele, dava pra perceber o maxilar dele contorcendo-se. Antes que pudesse finalmente abrir, Charlie hesitou e disse:
— Na verdade, vai você primeiro, coloca a pá ali no canto e me dá a chave.
O velho hesitou, Charlie pressionou-o:
— Eu não tô pedindo, anda logo, senhor Robbinson.
Por fim, ele concordou e seguiu todas as instruções, abrindo a porta e entrando no breu, olhando para Charlie de cima para baixo, como se ainda estivesse decidindo algo que estava longe da concepção do policial. Continuou andando para dentro e acendeu uma luz, foi aí que Charlie desceu.
Novamente, o cheiro forte de vinagre se fazia presente, a sala estava abafada mas organizada, parecia uma sala de ferramentas e reparos. Charlie seguiu com o procedimento como fizera todas as vezes antes:
— Alguém aqui? Se tiver, bata na madeira ou tente gritar.
— Não vai encontrar…
— Silêncio!
Após algum tempo, ele ouviu alguma coisa do lado de fora, após verificar cada canto do lugar, as ferramentas organizadas e as tralhas de casa espalhadas pelos armários e paredes. Atraído pelo som, saiu com o velho e encontrou uma São Bernardo, já de idade, segurando uma bolinha. Não sabia que tinha um cachorro.
— Essa aqui é…
— A Lessie, nossa cadela. É mansa, não se preocupa.
Um cachorro era sempre uma boa ferramenta de vigia, mas melhor ainda para acalmar os ânimos, os olhares vermelhos e tristonhos da cadela, o rabo balançando e a penugem macia foram o suficiente para apaziguá-lo de uma vez.
— Bom, acho que é isso, vamos voltar pra dentro.
Robbinson começou a se afastar e Charlie acariciou-a.
— Tu é grande em garota? Gosta de brincar, então…
Charlie tinha pego a bolinha e estava prestes a jogar, foi quando percebeu que na verdade aquela era a bola de beisebol que presenteava para os seus alunos quando era treinador, gostava de autografar algo pros alunos destaque, o espanto tomou conta de seu corpo quando ele leu: Para Lucas, um verdadeiro corredor.
— Você vem? – disse o velho Robbinson.
Agora fodeu. Mas o que disse foi:
— Vou sim. Aqui, garota, pega!