Purificação - Capítulo 9
Capítulo 9 – Jantar:
Algo nos olhos daquela garotinha fazia Sarah sentir-se confusa, aquele olhar astuto de quem tenta desvendar mistérios apenas encarando os olhos de uma pessoa. Era como se aqueles mesmos olhos negros fossem um verdadeiro abismo na qual uma vez que ela adentrasse, não teria como retornar.
— Aqui está… tudo bem, Sarah?
Então ela retornou do devaneio, agradecendo pela xícara de chá e bebericando confortavelmente à medida que andavam pelos cômodos. O andar debaixo era separado em três partes, a cozinha, a sala de estar e a lavanderia. Sarah observava as cabeças de veado que estavam em cima da lareira, ao lado, uma espingarda guarnecia a estante onde havia porta-retratos e alguns livros.
— Sua casa é bonita – disse Sarah, tentando se aproximar da senhora, que andava com os braços para trás, como uma verdadeira rainha que vigiava sua escrava, mas se era isso mesmo, então escondia muito bem.
Margaret respondeu:
— É sim, só não é mais do que a nossa querida Lúcia.
— Realmente, ela é uma gracinha, quantos anos você tem, garotinha?
A menina não respondeu, pareceu retomar o olhar para mãe, esperando algum tipo de aprovação, era um relance tênue. Sarah percebeu.
— Pode contar, filha…
A voz dela era monocórdia:
— Tenho onze.
Margaret acompanhou Sarah até a lavanderia, onde nada demais se encontrava, com exceção de uma quantidade estranha de mantos, estendido em um pequeno armário. Ela resolveu não comentar sobre, e quando voltavam para o hall, Margaret disse:
— Bom, ainda tenho que preparar o jantar, pode dar uma olhada lá em cima, minha querida. Lúcia – a senhora se abaixou delicadamente e direcionou o olhar à filha. – pode mostrar o restante da casa para a visitante? Qualquer coisa basta me chamar.
Sarah aproveitou a oportunidade e também se ajoelhou, com ternura:
— Tenho certeza que ela vai me ajudar. Também vou contar com você para umas perguntinhas rápidas, tá bom? Mas vai ser bem legal.
A face da senhora enevoou-se, e Margaret nem ao menos se deu o trabalho de esconder a expressão de nojo, mantendo a cortesia fria, ela começara a falar qualquer coisa, mas Sarah já estava entendendo a situação, e interrompeu-a animadamente, fingindo não ter percebido:
— Então vamos lá, Lúcia, quero ver como é o seu castelo!
Subindo as escadas, deram por si em um corredor que levava à quatro quartos diferentes, além de uma pequena sacada (agora aberta) que matinha a casa refrescada. Sarah foi dar uma olhada e conseguiu ver Charlie e o senhor Robbinson indo em direção ao celeiro. Ela começou a explorar os quartos com a ajuda de Lúcia, que durante todo o tempo era o foco dela:
— Então, Lúcia, pra onde vamos agora?
A menina tinha a voz doce agora, mas decisiva, era quase como se já tivesse respondido essa pergunta várias vezes:
— Pro quarto da mamãe e do papai.
Chegando lá, nada havia chamado a atenção dela, deu uma breve olhada no cômodo e quando verificou que a menina estava observando a cama, ela disse:
— O que está procurando, Lúcia? Esqueceu algo aqui…
— Não, só é aqui que o papai e a mamãe dormem mesmo. Vamos pro meu quarto…
E assim foram, o quarto era branco e com alguns detalhes em rosa, mas o que chamou a atenção de Sarah foram os brinquedos, não eram de pano ou plástico, mas sim de argila, todos se reuniam em uma roda e uma pequena boneca encontrava-se no meio.
— E esses daqui, são quem? – disse num tom descontraído, nem mesmo ela notara algo de interessante naquilo, até a garota responder.
— Essa sou eu e esses são meus amigos.
— Ah, é? E conhece alguns desses?
Sarah mostrou as fotos que Charlie tinha dado para ela antes de sair da casa com o velho, e Lúcia prestou atenção em cada uma das fotos, por fim, disse:
— Conheço, esse é o Alex, essa é a Laura, e esse daqui é Lucas, mas não tô vendo o Marley.
Sarah ficou surpresa, não achava que ela reconheceria (ou admitiria) qualquer coisa:
— Quem é Marley?
— O cachorrinho deles, é tão fofinho…
— Você os viu?
— Sim, na escola, eles estudam do lado da minha sala, eu já fiz os bonecos deles… esses aqui, olha…
Ela tornou a olhar para o círculo, os rostinhos estavam pintados de forma simples, mas as cores que ela usou para representar os amigos eram as únicas coloridas, os outros bonequinhos vestiam preto, e ela, branco. Intrigada, Sarah disse:
— E o que eles estão fazendo?
Lúcia não parecia nem um pouco preocupada em negar as respostas, o que era bom para a jornalista.:
— Me ajudando.
Sarah também tinha seus truques, sempre levava um bloco de anotações e um gravador, agora era a hora de ligar. Lúcia não tinha percebido, o que era bom. Por fim, a jornalista indagou:
— A fazer o quê?
— A me purificar.
Sarah já estava ficando mais apreensiva, mas a concentração sempre fala mais alto quando um jornalista pode conseguir uma informação valiosa:
— E o que é essa purificação?
— É uma homenagem, a senhora Mary Wood, ela é imortal…
Caralho, aqui tá a Mary Wood de novo, calma Sarah, um passo de cada vez. Tentou manter-se no mesmo tom amigável:
— Mas e você, o que eles fazem com você?
— Nada demais, mas essa daqui ainda não aconteceu.
— E já aconteceu outras vezes?
— Muitas, mas eu não participei, não era nem nascida ainda.
— Essas pessoas, tocaram você?
Sarah sabia que o foco eram as crianças desaparecidas, mas ela não podia negar a situação em que se encontrava, ainda mais depois da relação com a Mary Wood. Lúcia respondeu:
— Não, elas não podem, eu preciso ser pura.
— Mas você viu alguma coisa?
— Ainda não, mas quando a purificação ocorrer eu vou poder ver.
— E quando vai ser?
— Daqui a pouco.
Já tenho o suficiente. Sarah não costumava gravar suas entrevistas, com exceção daquela, mas desde que o momento certo se fizesse presente, ela teria certeza que poderia reunir mais provas concretas e que determinariam uma relação com ela e a igreja, e se haveria alguma relação entre esse rito e os abusos relatados anteriormente.
Na verdade, a ideia das crianças desaparecidas fugiu da mente dela, era hora de falar com Charlie. Deu uma última verificada nos quartos remanescentes (que provaram-se sem qualquer suspeita) e desceu as escadas, guardando o gravador em um dos bolsos internos da jaqueta. Margaret esperava pacientemente com um cigarro na mão:
— Demoraram, em? Mas e aí, como foi a jornada no castelo?
Foi Sarah quem respondeu:
— Divertida, no mínimo.
Antes que o diálogo prosseguisse, o senhor Robbinson entrou, e Charlie veio logo atrás dele, já chamando-a:
— Sarah, posso falar com você por um instante? Senhor e senhora Robbinson, já agradeço a paciência de vocês, só vou ter uma conversinha com ela e já vamos embora.
Margaret pareceu decepcionada:
— Mas por quê? Ainda temos um jantar sendo preparado e a noite só está começando.
Era verdade, só estava começando.