Rei Celestial - Capítulo 2
O sol se pôs em Laiden e deixou para trás sinais de neve derretida. Uma linda visão em tempos como esse que deixou a cidade um pouco mais bonita.
Harley caminhou em direção à sala do coronel Klaus, quando avistou Henry escorado em uma das janela, olhando o sol escarlate cair enquanto a fumaça do cigarro que fumava era levada pelo vento.
— Já se decidiu? — falou Henry ao apagar o cigarro na borda da janela.
— Já — Harley disse sem demonstração de que queria continuar a conversa.
— Não sei sua resposta, mas acredito que você deveria aceitar. Você vai poder treiná-los durante meio ano, é meio ano longe da linha de frente, só fazendo missões internas, sem contar que você poderá descansar.
— Enquanto a guerra existir eu não posso descansar.
— Imaginei que diria algo assim. — Henry deu um sorriso singelo para Harley.
— Isso um dia vai te matar. — Harley fez menção ao cigarro que acabou de ser apagado por Henry.
— O sujo falando do mal lavado.
— Ok, eu tenho o fígado mais resistente de toda a Garden. — Harley cruzou os braços e virou o rosto para o lado oposto, achando estar certo. — Não vou morrer por tomar dois copinhos de uísque.
《♤♡◇♧》
Harley se viu de frente para o coronel Klaus, na sala deste.
— E então? — Perguntou Klaus.
Harley deu um suspiro profundo.
— Eu aceito.
Mira, a secretária do coronel, entrou com uma bandeja com duas xícaras de café. Klaus, então, fez menção para que Harley se sente.
— Você sabe que o major Valencia e o tenente-coronel Campbal são meus homens de confiança.
Ele olhou para Mira, que pareceu estar desatenta, mas temeu que ela escutasse a conversa. Klaus pediu então que ela se retirasse.
Harley tirou do bolso uma pequena garrafa de metal onde havia uísque, levantou da cadeira e jogou o café em uma planta, colocando na xícara todo uísque da garrafa.
— Sou todo ouvidos. — Ele tornou a sentar-se.
— Bem, tenho motivos para acreditar haver espiões entre nós. Pode ser qualquer um.
— Espiões de Wolfsburg?
— Não, não … Já ouviu falar dos Valetes?
Harley hesitou em responder. Ele largou na mesa a xícara que estava em suas mãos, como se seus pensamentos estivessem em outro lugar, ele então respondeu:
— Não!
— Imaginei … Os Valetes, os poucos que os conhecem, acham que são lendas ou mitos. Em minhas investigações descobri que eles tentam controlar a sociedade nas sombras. Podem ser qualquer um, de um alto escalão até um civil. Eles atuam em três das quatro grandes nações. — Ele retirou uma pasta azul de uma das gavetas que havia na mesa. — Aqui está tudo que descobri sobre eles. Se algo me acontecer, você já sabe. Agora você também é alguém da minha confiança.
Harley se perdeu em seus pensamentos, mas sem perder sua postura firme.
“Isso é um blefe? Se algo acontecer, terei que matar esse velho estúpido”.
— Há algo maior que essa guerra, e eles sabem o que é …
Harley suspirou como se não tivesse dado a mínima para o que o coronel acabou de falar.
— E os cadetes novos?
— O tenente-coronel Henry me passou o relatório dos dois primeiros testes: no primeiro, de duzentos e cinquenta, passaram cem; no segundo, passaram doze.
— Doze! — disse Harley, surpreso.
— O terceiro teste acontecerá ainda hoje.
— Ok, então vou para lá. — Ele levantou e foi até a porta. — Até mais, coronel Klaus.
《♤♡◇♧》
A lua brilhou no céu junto às estrelas, o vento norte soprou indicando que a chuva estava próxima. Harley caminhou em meio à lama do campo de treinamento. À sua frente havia uma fileira com doze cadetes novatos.
Andou e olhou nos olhos deles, um por um. Ele parou na frente do Luke e olhou para o menino com um olhar frio e firme. Intimidado, o garoto ruivo começou a suar de nervoso, mesmo no inverno.
Não era a intenção de Harley intimidar o garoto; ele só se perguntou como alguém tão jovem havia passado na seleção. Luke tinha quinze anos, ele havia mentido sobre sua idade no formulário de inscrição, visto que a idade mínima para entrar no Exército de Garden era de dezessete anos. Ninguém havia percebido a mentira de Luke, até o oficial Harley colocar os olhos nele e ficar desconfiado.
— Bem, vamos começar! Vocês vão fazer duplas, e lutar um contra o outro.
Ele olhou para um homem velho que estava ali:
— Como membro do conselho de Garden, o primeiro-tenente-coronel William irá decidir quem serão os membros dessa equipe. Não se esqueçam, vencer não é um dos critérios para entrar na equipe.
— Com licença, as duplas serão por sorteio?
A garota que fez a pergunta tinha uma aparência séria, com cabelos pretos e presos em um rabo de cavalo, olhos em um tom cinza. Ela usava uma blusa branca e calça preta e, assim como os outros, seu olhar fixo demonstraram respeito e serenidade.
Harley olhou para ela dos pés à cabeça.
— Seu nome? — Ele caminhou até uma carroça e sentou-se.
— Judith Allen!
— É o seguinte, senhorita Allen, quando estamos no meio do campo de batalha, sorteamos quem iremos atacar? — Ele cruzou os braços e esperou a resposta da garota, que não respondeu. — Responda!
— Não!
— Ok, foi o que pensei. Ataque quem quiser. Podem começar!
Enquanto todos conversaram entre si, Luke estava imóvel, temendo ser escolhido por alguém, até que ele escutou uma voz masculina chamá-lo:
— Ei, você!
Luke olhou, e um garoto com idade próxima à dele o observou com um sorriso sarcástico. Ele pegou Luke pelo ombro:
— Qual é seu nome?
— Lu-Lu-Luke — Luke respondeu com medo ao perceber que o garoto era duas vezes o seu tamanho.
— Eu me chamo John Galphin!
— Ok, quem serão os primeiros? — perguntou o oficial.
— Aqui! — John puxou Luke pela mão.
John e Luke ficaram frente a frente. Harley deu o sinal para que eles começassem a luta.
John então desferiu o primeiro golpe, Luke desviou do soco fazendo com que John acertasse o chão. Nesse momento, John transformou sua mão direita em uma garra, com unhas afiadas e tamanho desproporcional à mão esquerda, ele partiu para cima do Luke, que criou pequenos escudos laranjas para cada golpe que John desferiu.
— Vai ficar só na defensiva?
— Se-se-se for necessário, para não me machucar.
John colocou mais força em seus socos e consegui assim, quebrar um dos escudos de Luke. Ele então acertou o queixo de Luke com sua mão esquerda, o garoto ruivo caiu no chão e sujou sua blusa branca de lama e sangue.
Assim as lutas aconteceram até que William anunciou os que faram parte da equipe.
— Bem, pude avaliar cada um de vocês …
Enquanto William falou John e Luke conversaram sussurrando um para o outro:
— Será que o nanico vai ser nosso comandante? Por que mais ele estaria aqui?!
Harley percebeu que eles estavam cochichando.
— Com licença, senhor!
Ele interrompeu William e foi até os dois que cochicharam e os encarou mortalmente com seu olhar turquesa, frio como um oceano no inverno.
— As madames querem um café para fofocar melhor?
— Desculpe, senhor! — Os dois disseram juntos, em tom uniforme, olhando para a frente.
— Como eu ia dizendo … Os que eu chamar, por favor, um passo à frente … — William olhou para o papel em suas mãos, onde havia anotado os nomes dos integrantes da equipe — John Galphin, Judith Allen, Luke Fallett e Amélia Campbal.
Ele olhou para Harley:
— Agora seu comandante vai falar algumas palavras.
— Estão prontos? Estão prontos para ir ao inferno e voltar?
Ele olhou para os quatro, e todos responderam “sim” em simultâneo, mas dentre esses “sim” ouviu-se um “não”.
— Luke, não é mesmo? — Luke somente confirmou com a cabeça. — Do que você tem medo no inferno?
— De-de-demônio!
— Não te contaram? — Harley olhou diretamente nos olhos castanho-avermelhados do Luke e amedrontou o garoto. — Sou o Demônio! Bem-vindo ao meu inferno!
— Assustando os novatos? — Klaus olhou para Harley e sorriu ao entregar um papel para ele. — Localização do seu QG.
— Vocês agora vão para casa, arrumar suas coisas. — Ele levantou a folha para que todos enxergassem. — Quero vocês aqui amanhã às dez em ponto, sem atrasos.
— Mas isso é muito longe, e minha casa é fora da cidade! — John disse preocupado.
— Então acho melhor você sair agora e correr, porque não vou tolerar atrasos.