Rei Celestial - Capítulo 4
Ele estava em pé, de frente para uma janela, olhava as estrelas que brilhavam naquela madrugada fria, com sua espada, a Escorpion, sempre ao lado. Em suas mãos uma folha, que passou a ler com atenção: “Sua primeira missão será escoltar o representante do Reino de Iskald. Ele desembarcará na cidade portuária do sul…”. Harley esfregou os olhos e, logo em seguida, levou a mão ao peito na procura por seu cantil, quando percebeu que estava de pijama. De repente, escutou um som originário da sala do QG, e num instinto defensivo ele pegou a espada e foi lentamente até a origem do som, deparando-se com Luke e Akemi, que estavam sentados no chão, envoltos de várias embalagens de chocolate.
— Mas que porra… — Harley disse sem acreditar.
— Foi ele!
— Foi ela!
Um apontou para o outro, na tentativa de se livrarem da bronca. Harley, indignado e bravo, pegou a caixa de chocolate das mãos de Luke.
— Quem deu permissão para vocês saírem do quarto, e ainda mais para comer? — Ele colocou um chocolate na boca, o que fez Akemi protestar.
— Ei! Foi um presente de despedida do Roger.
Harley, que já estava em seu terceiro chocolate, engasgou ao ouvir o que a garota acabou de falar.
— Cof… Cof… Falasse antes! Pode me fazer mal.
Ele começou a analisar o ambiente com seu olfato ao sentir um aroma fora do comum. Parecia ser cheiro de carne e vegetais cozidos.
— Que cheiro é esse?
Com a boca suja de chocolate, e um sorriso sacana no rosto, Luke se pronunciou: “É que chocolate me dá gases.”
— Não, não é um cheiro ruim, é cheiro de comida.
Enquanto se dirigia à cozinha, ele deu sua última ordem para Luke e Akemi:
— Os dois, vão dormir! — Harley disse em tom autoritário.
Ao chegar à cozinha, ele se deparou com John. Seus olhos castanhos em um tom escuro brilhavam mais que o normal, enquanto manuseava uma panela sobre o fogão. Uma badana laranja prendia seus cabelos negros. Com uma faca na mão ele cortava e descascava vários legumes e vegetais, jogando-os na panela. O vapor que emanava fez sua pele morena suar. Ao avistar seu comandante, ele presta continência.
— Comandante Barnes!
— Ok, vocês sabem que horas são?
Amália estava sentada com a cabeça apoiada na mesa. Ela esfregou os olhos de cor púrpura e bocejou.
— Duas e meia da madruga? — A garota passou a mão nos cabelos castanhos, na tentativa de ajeitá-los. Então deitou a cabeça novamente na mesa. Sua pele branca estava agora vermelha por conta do frio que fazia naquela madrugada.
— Por que vocês não seguem o exemplo da Judith e vão dormir?
— Ela saiu… Disse que ia dar uma volta para respirar.
— Ok, vocês só podem estar de brincadeira com a minha cara… Vão dormir, agora! — ele respirou fundo e tentou não se estressar. — Amanhã temos nossa primeira missão.
— Mas já? — John disse surpreso.
— Parece que o conselho de Garden quer que entremos em cena o quanto antes.
— Mesmo com quase nada de treino? — Amélia tentou argumentar.
— Quem vocês acreditam ser o inimigo? Agora vão dormir logo, antes que eu decida puni-los.
《♤♡◇♧》
Cidade portuária ao sul de Garden: Henoria
Os cavalos correram e levantaram poeira na estrada de terra. Em meio ao som das patas dos cavalos que batiam o no chão, Harley explicava a missão à sua equipe.
— Vamos até Henoria para escoltar um representante do Reino de Iskald. Se Wolfsburg atacar, será no nosso porto, pois ninguém entra e nem sai de Iskald.
Iskald era um reino fechado ao resto do mundo, nem mesmo espiões conseguiram entrar lá, e os que se arriscaram a tentar não retornaram. Com exceção de um único representante, ninguém saia de Iskald. Os rumores dizem que espinhos de gelo gigantes rodeiam todo o reino, e se alguém tentar entrar lá é perfurado na hora.
Longe dali, o sol se escondia atrás dos montes verdes da região. Seus últimos raios davam aquele ar de paraíso ao horizonte. O céu, tingido em tons de amarelo, laranja e azul, esboçou uma bela pintura natural. Pássaros voaram em direção ao sol e embelezaram ainda mais a paisagem. Roger desceu de sua carruagem vestido com uma roupa formal, um colete escarlate, um casaco comprido no mesmo tom, que tinha botões pretos, e calças e sapatos na mesma cor. Roger olhou em volta e viu várias crianças que brincavam, corriam e gritavam na grama verde do local.
— Senhor Valencia! — Uma senhora com a pele cheia de rugas, vestida com trajes de freira e um sorriso no rosto, estendeu a mão para cumprimentá-lo.
— Madre — ele a cumprimentou — Eu queria informações de uma das crianças que veio deste orfanato, por volta de 1837.
— Vamos, levarei o senhor até a sala onde guardamos as fichas.
Eles passaram por diversas crianças que corriam para lá e para cá alegremente. Algumas freiras cuidavam do local. As paredes de tijolos cinza e as grandes janelas de vidro do orfanato remetiam a uma igreja, pois o local era mantido pelo clero.
— Guardamos as fichas mais antigas aqui. — Ela parou em frente a uma sala com uma porta em tom marrom.
Ao entrar, Roger se deparou com várias gavetas.
— Estão organizadas por data, e as fichas, por ordem alfabética — ela informou.
Roger foi até a gaveta com a etiqueta de 1837. Ele abriu a gaveta e procurou pela letra “H”, mas não encontrou o nome de Henry.
“Mas é claro, ele não se chamava Henry” pensou ele ao fechar a gaveta.
— Henry Campbal; ele vem desse orfanato? Foi adotado pela matriarca da família Campbal.
— Ah, sim! O pequeno Lancelot. — A senhora manteve um semblante amigável e sereno. — Onde eu estava com a cabeça? As fichas das crianças que foram adotadas ficam em outro lugar. Se não se importar de esperar aqui, vou buscá-la.
Roger confirmou com a cabeça. Ao sair da sala e dar as costas ao oficial, o semblante da velha freira mudou drasticamente, de amigável para sério. Ela murmura um “enxerido”, enquanto andou pelo longo corredor. Um minuto depois ela retornou com uma pasta nas mãos e a entregou para Roger.
— Aqui está.
Roger analisou a pasta. Ao abri-la, ele percebeu diferir das outras que viu. Estava com o papel amarelo, devido ao tempo, e a tinta quase se apagando em algumas palavras.
— Diga-me, senhora, Henry nasceu em 1837?
— É o que está na ficha.
Roger sorriu amigavelmente.
— Está bom; é melhor eu ir, mas antes eu poderia tomar um pouco de água?
— É claro! A cozinha fica no fim do corredor.
Quando andou pelo longo corredor, ele se perdeu em seus pensamentos, franzindo a testa: Nem ferrando que o Henry nasceu em 1837. A ficha aparenta ser mais velha, então ele é mais velho do que diz ser; e essa velha, parece que ela esconde algo. Ele chegou à cozinha e viu uma das freiras, que descascava várias batatas. Roger pensou em perguntar-lhe o porquê de terem mentido na ficha de Henry, mas a moça parecia ser nova ali, por conta de sua aparência jovem.
— Olá! Posso ajudá-lo?
— Uma informação! Você já ouviu falar de Henry Campbal, ou Lancelot?
A moça então parou o que estava fazendo, e virou sua atenção totalmente para Roger.
— Sou nova aqui, mas conheço uma história. Dizem que certa noite, em 1830, um lobo se apaixonou por uma rosa. Ela morava em um grande jardim, por isso não puderam ficar juntos, e do amor dos dois nasceu um menino, chamado Lancelot.
Em sua carruagem, Roger retirou do bolso de seu casaco um bloco de notas e uma caneta. Ele suspirou, riscou o nome de Henry de seu caderno e, antes de guardá-lo, retirou uma folha. Ela estava gasta, com marcas de dobras, e nela havia um retrato falado de um homem, que usava um chapéu, com os cabelos até os ombros. Os olhos se igualavam aos de uma águia, e tinha um semblante assassino. Roger olhou pela janela e avistou as poucas estrelas que já apareciam no céu azul-escuro enquanto grandes pinheiros eram deixados para trás, dando lugar a imensos campos com flores violeta. Roger se pegou pensando na história que a freira havia lhe contado. O que ela quiz dizer com o lobo se apaixonou pela rosa? Certamente a pergunta não sairia da cabeça de Roger até que ele entendesse o significado.
《♤♡◇♧》
Já no porto, Harley e sua equipe avistaram um navio que se destacava no horizonte, em meio ao mar, num tom azul-escuro que refletia a lua cheia e às estrelas. Judith, com seu olhar observador, começou olhar em volta, como se houvesse algo de errado. Seria o pequeno número de civis que passavam por ali, ou o fato de não haver nenhum barco ancorado no porto? A garota olhou para Harley, que movia apenas seus olhos para não chamar a atenção. Então ele se dirigiu até Judith, que também observava tudo com apreensão.
— Percebeu também?
Luke escutou o que o seu comandante acabou de falar, e o medo tomou conta da face do garoto e o fez com que ele cometesse a gaguejar e olhar em volta, desesperadamente.
— O-o-o quê?
— Nem navio, nem pessoas; um número muito pequeno de civis… preparem-se!
De repente, vários civis que estavam por ali apontaram armas para a equipe; os tiros começaram. Harley e os outros se escondem atrás de caixas de madeira.
— Resolvam antes do navio chegar! — ele gritou esperando ser ouvido em meio ao som dos projéteis sendo atirados.
Um homem que aparentava ser o líder do grupo fez um sinal com a mão para que os tiros cessem. Ele então olhou em volta, com seus olhos em um tom roxo-escuro, que mal eram perceptível por trás da máscara negra que usava. Como se procurasse alguém, o som de seus passos ficou mais próximo. Ele então parou, colocou a mão no bolso do seu longo casaco preto e retirou de lá um relógio de prata.
— Não tenho muito tempo, sabem? — Ele olhou para o navio que se aproximava cada vez mais do porto. — E suponho que vocês também não.