Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 0
Era apenas mais uma segunda-feira comum na movimentada Belo Horizonte e eu havia acabado de despertar.
Dim! Drim!
Ou melhor, ser desperto…
— Cara, eu não devia ter bebido aquela pinga de banana! Ressaca braba. Aí, aí! — reclamei comigo mesmo, enquanto dava um tapa no maldito despertador.
Pah!
— Só mais cinco minutos…
Ou assim pensei.
Dim! Drim!
— Pronto! Acordei! Feliz agora? — perguntei, enquanto encarava o maldito.
Eu realmente não gosto de segundas-feiras. Elas são um saco!
Mas o motivo maior do meu mau humor foi a noite anterior. Sim, eu saí com meus amigos pra beber e jogar RPG. É um costume nosso.
E tava muito divertido, até alguém aparecer com a brilhante ideia de o pior jogador de cada turno tomar um copinho de pinga.
Resultado: acabei com metade da garrafa sozinho.
— Foi um incidente infeliz, mas vida que segue. Da próxima vez eu sairei de lá sóbrio! Eu espero…
Como já estava de pé, resolvi ir me trocar para o trabalho. Meu chefe já mandou logo o papo: mais um atraso e eu estou oficialmente ferrado.
A vida de um jovem advogado é de fato bem impressionante. Formei no mês passado, aliás.
Como me graduei em uma das melhores Universidades do país, rapidamente fui arrebatado por um grande escritório. Humpf! Eu sou incrível né?
Sei que parece que eu estou me gabando e isso é porque eu estou mesmo. Caramba! Os últimos cinco anos da minha vida foram um inferno!
E se querem saber, tenho uma namorada linda também. Podem sentir inveja. Haha!
— Preciso ir mais rápido. Se eu atrasar de novo o chefe me mata! — comentei, ao reparar a hora no relógio da cozinha.
Me apressei e rapidamente sai de casa.
Foi aí que eu tive uma surpresa:
“Em manutenção. Por favor, utilize o elevador de serviço!”
Tive que andar mais um pouco até o elevador de serviço, só para ter outra infeliz surpresa:
“Um incidente aconteceu, elevador parado. Por favor, utilize as escadas!”
— Isso só pode ser uma pegadinha, não é possível! —amaldiçoei em indignação.
Bom, não tinha outro jeito. Tive que retirar meu terno novo e descer as escadas. Eu moro no 13º andar.
Sniff… Sniff…
Triste, mas engoli o choro — e a ressaca — e resolvi descer as escadas. Sou rápido como o flash. Tenho certeza que meu cabelo vai ficar uma bagunça, mas paciência! Poxa!
— Doutor Rios! Eu tenho um aviso para o senhor.
— O que foi? — respondi ao porteiro.
Mas ele não respondeu de imediato. Na verdade estava silente demais, o que me fez seguir a filosofia do sábio do morro: “quando o bagulho tá quieto demais, é porque tem parada errada aí”.
— Fala logo! O que foi?
Ele me olhou com uma expressão complicada, misto de curiosidade e hesitação, e então se virou para o lado.
Observando o embrulho sob a mesa, eu também fiquei curioso. O que diabos era aquele pacotinho?
— Senhor Rios, o mordomo da sua família deixou isso. Está relacionado ao seu avô — falou o porteiro, gaguejando e hesitante.
Em seguida me entregou uma carta, aparentemente redigida à mão:
“Meu querido filho,
Encontrei esta caixinha carmesim escondida nas coisas de seu finado avô. Aliás, no testamento diz que apenas você pode recebê-la, eu pedi ao Charles para entregá-lo.
Sei que você é bem ocupado, por isso peço que não se preocupe demais com a situação. Lembre-se: seu avô era um homem sorridente e alegre. Ele gostava muito dessa caixinha, por algum motivo que eu desconheço.
Enfim, aproveite-a bem, é a sua única parte da herança.
Abraços, Mamãe.”
— Tá de sacanagem, né? — questionei, confuso e puto.
Por um breve momento minha tez ficou rígida e meu rosto vermelho.
— Que história é essa de “minha parte na herança”?! Vovô não era bilionário? Mamãe, o que a senhora tá fazendo? Aliás, não foi o próprio vovô quem fez a herança? — murmurei, enquanto coçava o queixo.
Sempre amei o vovô! Ele foi um homem incrível! Mas dinheiro é dinheiro, pô! Foi ele quem me ensinou isso.
Aliás, quando eu era criança, o vovô também me ensinou a soltar pipa. Ele era muito ocupado, mas sempre arranjava tempo pra mim. Eu achei que ele ia me deixar algo bacana, como um novo objetivo ou algo assim… Me enganei.
— Droga! Vovô, por que o senhor teve que ir assim, do nada, me deixando sozinho nesse mundo escuro e explorador?! E o pior, sem a minha aposentadori… cof… cof.. digo, herança! — exclamei, enquanto me lembrava de algo.
— Droga, tô atrasado! Melhor deixar esses questionamentos pra depois.
Rapidamente forcei um sorriso e decidi que eu não iria mais ficar triste hoje. Era isso que o vovô iria querer!
Assim, depois de acalmar a minha mente e colocar meus sentimentos em ordem, me despedi do porteiro e fui correndo pro trabalho.
…
— Isso mesmo, congestionamento na Avenida Afonso Pena, Claudia, como de costume temos vários carros saindo ao mesmo tempo para o trabalho e…
Bip! Desliguei o rádio.
— Gyaaa… Hoje não tá nada bom! Vou ter que avisar o chefe — suspirei.
Mas antes que tivesse a chance de fazer isso, o telefone começou a tocar.
Prim! Prim!
Era minha namorada.
— Oi amor! Que bom que você me ligou, quer marcar alguma coisa pra hoje de noite? Tamo precisando conversar.
Vou desabafar com ela.
— Pedro, eu sei que você é bem ocupado, só vim te falar que nós estamos terminando. Tchau!
— O quê?!
Tru… tru… tru…
Sim, ela desligou na minha cara, logo depois de terminar.
— Mas que!? Eu não acredito que ela terminou comigo por telefone! Arrgh! Que bandida! — reclamei, atônito.
Fiquei uns minutos olhando pro teto do carro, sem entender.
Bem, no fim apenas resolvi deixar pra lá. Se ela quis tomar essa atitude, então não era boa o suficiente pra mim. Eu acho…
— Eu sou um cara bonito, e rico, por que ela terminou comigo assim? — murmurei, enquanto me analisava pelo espelho do retrovisor.
Ajeitei levemente meus lindos cabelos castanhos e então percebi que o trânsito começou a andar. Acelerei o passo.
As ruas do centro são largas e repletas de árvores em suas laterais, não é à toa que BH é conhecida como a “Cidade Jardim”.
Enquanto dirigia, gostava de olhar pelas janelas do carro e analisar esse lindo cenário. Isso me distraía e eu não via o tempo passar.
…
— Que o Senhor possa me abençoar nesse fatídico dia e que meu chefe não me demita. Amém!
Após fazer o sinal da cruz, adentrei a sala de reuniões. Lá, encontrei um senhor de meia-idade e cabelos grisalhos, extremamente carrancudo e com uma expressão sinistra no olhar.
— Pedro, você chegou vinte minutos atrasado! — disse meu chefe, conferindo as horas no seu relógio de pulso. Provavelmente também contou o tempo que me resta de vida.
Abaixei a cabeça e tentei salvar minha alma, forçando o melhor sorriso que consegui.
— Poisé, chefe, teve um congestionamento e…
Após contar a ele as coisas que haviam acontecido, mesmo meu chefe não pôde deixar de se sensibilizar comigo.
— Eu já falei isso quando estávamos com sua mãe antes, mas de qualquer forma, sinto muito por seu avô. Tive a oportunidade de jantar com ele algumas vezes, Clark era um grande homem!
Logo em seguida ele se afastou e foi até a mesa. Depois se apoiou sobre o móvel, deu um pequeno sorriso e continuou:
— Sobre o restante: é por causa desses incidentes que eu insisto que você venha pelo menos meia hora antes das reuniões, tá vendo?
— Sim, chefe — respondi em um tom um pouco mais feliz, ao perceber que não estaria ferrado hoje.
— Tudo bem, moleque, agora eu vou te contar como eu quero mediar esse acordo de hoje e… — avisou, enquanto apontava para a papelada ao lado.
…
No final do meu expediente…
— Bom, espero que esse acordo dê certo — comentei após as partes irem embora.
Eu e meu chefe os observamos da janela.
— Moleque, apenas espere. Isso vai dar certo, eu garanto!
Admito que fiquei cético com as palavras dele. Afinal, como poderia ter tanta certeza?
— Eu até entendo a menina, mas como você sabe que o garoto vai aceitar? — perguntei, sem esconder meus sentimentos.
— E você acha mesmo que um moleque virgem como esse vai recusar reatar com essa linda princesinha?! Ahr… Meu jovem, nem todos são como você, rodeados de belas mocinhas — explicou o chefe, meio ciumento na última parte.
Falando assim, nem parece que o safado tem quatro namoradas e mais umas vinte amantes. Esse safado!
Mas enfim, após aquela reunião eu resolvi umas outras coisinhas e fui embora do trabalho. No caminho de volta, tentei ligar para alguns amigos.
— Ei bro, me diga, bora sair pra beber hoje? — perguntei.
— Ih bro, hoje eu tô com minha mina aqui, não vai rolar.
— Tranquilo bro, curte ae…
Fui insistente e tentei outra pessoa.
— Hello, amiga.
— Hello boy.
— Aí, eu fiquei solteiro hoje, bora sair? Você me ajuda a achar alguém…
— Poxa migo, hoje não dá. Já tinha combinado sair com umas colegas minhas, sorry!
— Hum… tudo bem! Mas na próxima você vai me retribuir.
— Deixa com a mãe! Amanhã te apresento algumas amigas.
Depois disso acabei desistindo da noitada. Voltei pra casa triste.
Algumas horas haviam se passado e agora eu estava na minha pequena cozinha, muito bem acompanhado pela companheira da noite anterior.
Eu te amo, minha pinguinha de banana! É a única que sempre tá aqui pra mim…
— Bandida! Me abandonou no pior dia possível… Glub! — reclamei, debruçando-me sobre a mesa.
Esse mundo é realmente uma caixinha de surpresas. Às vezes ele nos dá coisas muito boas, mas às vezes coisas ruins acontecem.
E hoje foi um dia muito ruim!
Nesse momento eu já estava meio bêbado e então, cambaleando, decidi largar a garrafa e ir pra cama.
Minha sorte é que essa kitnet é pequena, de modo que o quarto fica bem próximo à cozinha.
Pra falar a verdade, eu até já tava olhando outro lugar pra morar. Mamãe sempre enche o saco, “nós somos ricos, você não precisa viver naquele ninho de rato” e blá blá blá.
— Enfim, melhor dormir logo, o dia foi cheio…
Decidido a curar todas as minhas agonias com uma bela noite de sono, recostei sobre o travesseiro e me preparei pra apagar. Contudo, uma coisa invadiu meus pensamentos.
Me lembrei do pacotinho. Tinha deixado ele em cima da mesa depois que voltei. Tsc! Até poderia fazer isso outro dia, mas aquela era uma herança do vovô. Sem chance!
— Raios! Preciso ver o que tem dentro dessa caixinha!
Com esse objetivo em mente, fui ao aposento subsequente ao que estava. Chegando lá me deparei com o alvo.
Abri a embalagem com velocidade e a encarei atentamente. Era simplesmente incrível!
— Esse tom carmesim profundo… — murmurei, enquanto analisava o cubo.
Girando o objeto percebi um estranho símbolo gravado em seu lado. Três dragões voando em um círculo concêntrico. Sopravam fogo.
Analisei com cuidado essa última parte, passando suavemente minhas mãos sobre ela. Mas, ao tocar o seu centro, algo que não esperava aconteceu.
— Essa coisa corta! — exclamei de dor após sentir as pequenas garrinhas pontiagudas sangrando meu dedo.
A caixinha então se abriu e logo em seguida tudo ao meu redor ficou escuro. Eu apaguei.
E foi só quando meus olhos se abriram que pude perceber o breu em que estava. Eu estiquei os braços, tentando achar alguma coisa. Mas logo notei que não conseguia mais enxergar as coisas ao meu redor. Era tudo muito escuro.
Inicialmente eu pensei que tinha desmaiado por conta da bebida, foi aí que fui surpreendido por uma estranha voz.
— [ Sangue do anfitrião confirmado. A Herança foi ativada! Seja bem-vindo a Ark, senhor Rios! ]