Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 100
Em meio às árvores pouco balançantes do verão, um grupo considerável caminhava pelas estradas do principado. Na frente iam cavaleiros bem trajados, com espadas longas e balistas pesadas. Eles protegiam os nobres e governantes da cúpula de Edward, Grão-Duque do Oeste.
A maioria estava animada com o banquete, embora estivessem ansiosos também. Esperavam que o Príncipe desse alguma pista de quem dos herdeiros iria assumir sua posição no futuro.
— Achas que o jovem lorde conseguirá vencer lorde Simel e lorde Ruffos? — perguntou um deles, baixinho, ao que estava no assento ao lado.
Os dois estavam em uma carruagem. Muitos da alta sociedade tinham transporte particular, embora a maioria preferisse ir em carroças normais disponibilizadas pelo grão-duque. Um meio de não desagradá-lo.
— Não sei, lorde Lucas. Com a vitória humilhante do Grão-Duque, sua soberania sobre o Oeste se consolidou. As coisas começaram a acontecer desde então. Mas ainda assim, os adversários são terríveis.
O jovem ao lado parou alguns segundos para raciocinar. Ele precisava refletir um pouco para uma conclusão completa.
— Será uma luta difícil, admito, mas nosso senhor tem aliados fortes. O visconde de Duche, por exemplo. Embora Sua Alteza, o Príncipe, tenha-o proibido de interferir na sucessão, lorde RockPlum já mostrou várias vezes simpatia a lorde Edward.
— Escutei estes boatos também…
Ele acenou positivamente, ratificando. Depois abriu as cortinas da janela lateral, deixando o sol inundar os aposentos.
— Há outros, como o lorde Barcellos ou aquele baronete estrangeiro…
O amigo arriou a sobrancelha com esse último nome, mas se manteve composto, esforçando-se para não demonstrar a ansiedade que sentia.
— O baronete de Vilazinha, do baronato de Oss… Soube que o surto dizimou um terço da cidade. O baronete ajudou o filho do falecido barão com recursos e apoio logístico. Desde então, a influência desse estrangeiro vem crescendo bastante na região.
O amigo voltou o olhar para dentro da carruagem, despedindo-se do iluminar do sol e fechando as cortinas da ventana do coche.
— Sim, soube que ele trouxe técnicas de marcha e treinamento. Os boatos que correm é que sua guarda sozinha espantou todos os bandidos e malfeitores da região.
O nobre mais velho balançou a cabeça em aceite, embora os lábios grudados revelassem uma certa angústia.
— A questão é apenas que ele…
— Sim, tem isso. Ele simplesmente…
Eles se encararam, quase que adivinhando o que o outra estava a pensar.
— É um completo maluco! — disseram em uníssono.
Naquele mesmo instante, do lado de fora da carruagem coche, barulhos fortes soaram. Abrindo de novo as cortinas, os dois nobres perceberam uma certa movimentação.
— Afaste-se, plebeu! — gritou um dos guardas da comitiva.
Cerca de dez homens formavam um semicírculo ao redor de um jovem de cabelos compridos e vestes simples. Ele usava um capuz de caçador que dificultava o reconhecimento facial. Estava acompanhado de uma égua magra e abatida e portava uma espada curvilínea e estranha na cintura.
— Eu tô falando, não tô falando? Vim aqui me encontrar com o Ed. Tô em paz, cacete — disse. — Quem não sair da frente vai levar um safanão.
Mesmo sem saber o que era um “safanão”, os guardas encararam aquilo como uma ameaça e sacaram suas armas, ficando em posição de contenção.
Naquele momento chegou um outro jovem, com roupas de linho e uma espada bastarda em punho. Com tom áspero, ele disse:
— Quem ousa violar o perímetro de Sua Alteza, o Grão-Duque?
— Esse plebeu falou que veio se encontrar com lorde Edward, meu senhor.
O nobre arqueou as sobrancelhas em desgosto.
— Sumam com ele!
Os guardas assentiram com a ordem, se aproximando em duplas para capturar o invasor e assim arrastá-lo para fora da estrada.
— Eu avisei. — Essa foi a última coisa que ouviram antes que o coma forçado os capturasse.
Pah! Pah!
Onze batidas depois, e os dez guardas mais o nobre cabotino estavam desmaiados no chão, com as respectivas marcas vermelhas no pescoço — alguns, na nuca.
— Alto lá! Que confusão é essa na minha comitiva?! — soou uma voz alargada e ríspida.
Seu dono era alto, de ombros largos, tinha a barba bem aparada e vestia uma armadura de couro curtida, que lhe caia muito bem.
Era Edward em pessoa, acompanhado de sua guarda pessoal e do velho conselheiro, além de outros poucos nobres mais próximos com quem provavelmente conversava. Eles encaravam com expressões surpresas e confusas, como de quem tentava entender o que ocorria.
— Bom, você chamou e aqui estou — disse o jovem, retirando o capuz.
Pedro fez um cumprimento formal, sendo recebido por Edward, que o chamou para o seguir lado a lado enquanto conversavam. Em breve, a comitiva parou o descanso e seguiu seu rumo.
Por quase três horas, os dois rememoraram os últimos acontecimentos, colocando a fofoca em dia. O grão-duque instruiu o baronete sobre o que planejou para o banquete do pai. A ideia era usar o Novo Exército, a retomada do comércio com a República e a diminuição do banditismo para aumentar o prestígio.
Pedro não contou sobre o incidente com a filha de Simel, colocando panos quentes na situação e apenas informando que conheceu o rival de Ed, que conversaram por algum momento. Nada mais falou e, por incrível que pareça, nem lhe foi perguntado.
Isso porque naquele exato instante ambos foram surpreendidos com um tremendo estrondo.
— Isso é um terremoto? — perguntou um dos oficiais.
— Não — disse Pedro, virando-se na direção do barulho. Um risco de surpresa cobriu-lhe a face.
— Aquilo por acaso é…?
— Sim, aquilo é a porra de um rinoceronte! — respondeu, ríspido. — E não apenas um, é uma tropa inteira. E blindados ainda. Pelo visto estamos sendo atacados, caro Ed.
O nobre quase caiu do cavalo.
— O que faremos, meu lorde?
Os oficiais começaram a se reunir, ansiosos. Eles nunca haviam visto aquele tipo de animais antes. Grandes, largos e com chifres. Ainda mais vestidos de caramuças de ferro e espinhos.
— Recuem, agora! Recuem!
— Recuar! Recuar! — gritaram os oficiais.
Enquanto corriam para se salvar, entretanto, os nobres e guardas perceberam que aqueles animais era muito velozes. Era um contrassenso. Mas eram quase tão rápidos quanto seus corcéis e palafréns, de modo que os que estivessem em carroças seriam facilmente alcançados.
Foi então que Edward percebeu que correr poderia ser pior do que ficar e enfrentar as feras. Afinal, a maioria daqueles nobres vassalos estavam em carruagens e carroças.
— O que devo fazer? — perguntou a Pedro, que seguia ao lado.
— Tem uma lança aí?
— Como? — questionou.
— Ora, caro Ed. Todo mundo sabe que só tem dois jeitos rápidos e práticos de lidar com uma manada de rinocerontes à distância. O primeiro, que eu particularmente gosto mais, envolve uma Valmet 7.62, dois cartuchos cheios e um punhado de granadas incendiárias. Infelizmente, parece que não temos nenhuma dessas coisas aqui. Portanto terei de improvisar.
E foi assim que Pedro adquiriu uma nova alcunha entre a média nobreza de Mea.