Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 103
O interior do castelo estava agitado. A construção em si era larga, mas não muito alta. Ao invés de beleza, os engenheiros se concentraram em robustez. Típico dos sulistas de Mea, com seus portos estimados e rotas de comércio chamativas. Terem sido alvos ao longo da história fez com que suas cidades principais tornassem verdadeiros bunkers de batalha.
Pedro não sabia de detalhes, claro. Só que a região costeira era muito visada. Por isso, aliás, que a capital WillBlood foi construída no centro do país, perto da floresta e longe das marés.
Ele estava com Edward e mais meia dúzia dos nobres de maior estirpe da comitiva. Dois condes e um barão muito rico, dono de uma certa rede de bares e cafés que Pedro conhecia bem.
— Qualé, Ed. Guerra é bom pra caramba! É com ela que vamos conseguir mostrar pro seu velho que você tá preparado pra ser o herdeiro oficial.
— Hei de concordar com o ilustre baronete, alteza. Uma guerra pode não ser tão ruim se considerarmos as circunstâncias — disse um deles, de óculos e roupas rústicas, uma mistura do estilo campestre com o urbano.
Ele, contudo, negou. A cara do grão-duque era de quem não estava confiante. Cara de quem sabia que estava entrando numa jaula e não enfrentaria um simples gato, mas um tigre.
— Tenho que falar com meu pai. Isso é péssimo. Eburove é uma nação militar e talvez tenha o segundo exército mais poderoso da península depois de Erula.
Enquanto estavam caminhando, eles puderam perceber a agitação da corte. As notícias vieram em um péssimo momento. Afinal, com o banquete, vários nobres estavam presentes, ou em vias de chegar, de modo que não restava espaço para controle de danos.
Todos saberiam da guerra, e se preocupariam. Um caos logo inundaria a cidade, caso o príncipe não agisse rápido.
— Chegamos — informou Edward, na frente de um grande corredor. — Lá na frente, no fim do corredor, fica a sala de conferências da nobreza. Esperem lá.
Os nobres fizeram que sim e partiram, à exceção de Pedro.
— Velho Mark deve saber disso, Ed. Talvez devêssemos mandar alguém apressá-lo.
Ele concordou. Mas logo mudou de ideia.
— Não. Deixe Mark fazer sua diplomacia em paz. Ele logo saberá dos notícias e virá. Na verdade, talvez devêssemos mandar alguém para dizer que não deve se apressar.
— Você quem sabe — disse, mudando de assunto em seguida: — Vamos lá conhecer esse seu velho. Se ele tiver pelo menos um décimo da sua coragem, e metade do seu senso ranzinza de humor, então talvez consigamos nos dar bem.
…
— Essas criaturas são muito coléricas. Talvez mesmo no clã poucos consigam domesticá-las assim.
Enquanto falava, o homem de sobretudo negro pulou por cima de uma das criaturas. Os chifres afiados por pouco não o perfuraram.
Foi uma cambalhota aérea bem articulada. Quando voltou ao ângulo original, poucos centímetros perto do chão, atirou uma espécie de adaga curta na única região vital aparente da criatura. Sim, nos olhos.
A fera relinchou e caiu. Morta com um movimento.
Deveriam ter cerca de duzentas como ela, todas bem trajadas com placas de aço e furiosas como uma mãe que vê o filho quebrando a cerâmica preferida, que ganhou no casamento.
Mas o assassino não deu queixa disso. Ao invés, mirou sua atenção para o pequeno exército por trás dos rinocerontes. Cerca de quinhentos homens, se contar os arqueiros, escudeiros e cavalariços. Esse era mesmo um grupo profissional.
— A invasão já começou — deixou escapar o jovem de cabelos claros, retirando o capuz e apoiando os pés no chão.
Após, sem dar tempo às feras, retirou outras duas adagas curtas e atirou em mais dois tanques de aço e chifres. A aura que exalava mudou de forma repentina. Em um segundo, foi como se tudo fosse transportado para uma geladeira.
Duas criaturas caíram. Contudo foi como eliminar formigas algumas formigas depois de cutucar o formigueiro. Uma horda avançou, furiosa, embora mais reticente pela troca repentina de clima.
Elas correram ao redor do humano, em círculo, fechando qualquer rota de fuga que pudesse ter. Beto estava apreensivo naquela hora, conjecturando sobre os possíveis caminhos que poderia tomar.
“Matar o domador”, foi o que ele pensou. “Preciso achar o domador dessas feras e matá-lo. Assim elas perdem o comando e consigo sair daqui”.
Os únicos dois problemas que teria eram: (i) onde estava o domador?; e (ii) como sair desse cerco para matá-lo?
Essas duas barreiras pareciam intransponíveis. E o seriam para qualquer outro que não fosse um assassino dragonark. Não era o caso.
Em menos de milésimos, Beto tirou o sobretudo e as bolsas que portava. Seu corpo começou a mudar. Ele rugiu. E um ser que não era nem humano, nem dragão, mas um meio-termo entre os dois, surgiu. Era sua forma Wyvern, que não ativou desde a luta com Pedro.
Pah! Slim!
Os rinocerontes avançaram. O primeiro deles, mais forte que os outros, maior que os outros, foi o vanguarda. Alinhou os chifres brancos, mirando-os no coração do ser bípede humanóide à frente.
Beto deu um passo. Foi o suficiente para obliterar a distância de dezenas de metros que obstava-se entre eles.
Pah! Um soco no crânio, bem na parte mais reforçada da armadura. A fumaça de areia e grama cobriu tudo. Um borrão veloz perfurou a poeira. Era um corpo morto. Um corpo corpulento, grande e morto.
As garras afiadas do ser perfuraram o cérebro do animal, deixando uma massa branca de retalhos de carne e tripas, junto com vários pedaços de metal.
O tanque foi morto com um golpe! E logo seria a vez dos demais.
O que Beto talvez não esperasse era que naquela hora os humanos inimigos também decidiriam atacar.
E uma nuvem de flechas o seguiu, sem se importar com os rinocerontes. Mas Beto na forma wyvern era imune a flechas. Na realidade, eram elas que deveriam se preocupar com ele.
O que se seguiu foi uma enxurrada de sangue e corpos despedaçados. Em meados do tempo que leva para ferver o chá, todos estavam mortos, inclusive os domadores.
O assassino, entretanto, encontrou um item interessante nos pertences do líder inimigo. Um pedaço de papel.
“Ordem de movimentação. 2º Exército, 7º Batalhão.
Pela outorga de V. Majestade, ordeno que o 2º Pelotão de Infantaria Feérica dirija-se a 40 graus norte e apresente-se ao general comandante do 7º Batalhão. O segundo e terceiro exércitos se dirigem a 320 graus norte para a missão de defesa”
— Isso com certeza é interessante — comentou Beto, apressando-se para informar a Pedro as informações que descobrira.