Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 104
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- Capítulo 104 - Forças especiais, príncipes calvos e mesas hexagramais
— Seu pai é a porra de um calvo?!
Não fosse um sussurro quase inaudível, aquele seria o segundo maior insulto que Charles WillBlood sofrera em todas estas décadas de governo. Mesmo seus inimigos não ousavam tecer comentários sobre seus problemas de queda capilar precoce.
— Sua Alteza, Edward, entra na sala do trono — anunciou um servo de trajes voluptuosos, que Pedro descreveria como “bregas”.
Entrando no saguão, eles receberam mesuras leves dos que estavam à frente e apenas um aceno de cabeça dos nobres que estavam próximos ao príncipe. Aparentemente, quanto mais próximo da casa real se estava em termos de nobiliarquia, menos dever-se-ia demonstrar respeitá-la.
— Seja bem-vindo, lorde Edward — saldaram os nobres, à medida que se aproximava da mesa central colocada próxima ao trono.
Pedro observou o recinto extravagante, porém pouco luxuoso, em que estava. Janelas grandes, mas sem vitrais de vidro refinado ou lustres de diamante branco. Era grande e repleto de mobílias, porém simples.
— Presto minhas saudações a Vossa Alteza e peço permissão para falar — disse o jovem grão-duque, em uma mesura leve ao pai.
O homem calvo era robusto e de olhar sisudo, o que deixou Pedro com a impressão de que estava à frente de um guerreiro experiente.
Ele fez um breve sinal de mão, indicando a Edward que as formalidades não eram necessárias.
— Quem é o rapaz insolente ao lado de lorde Edward? — sussurrou um nobre, alto o bastante para que todos ouvissem sua reprovação.
— Aquele? Deve ser o baronete de Vilazinha. Fiquei sabendo que é um guerreiro estrangeiro, ignorante como é essa gentinha do leste.
Não fosse a situação urgente, Pedro provavelmente os teria espancado ali mesmo. Teve de se esforçar bastante para não retribuir a ofensa e, ao invés disso, responder com um sorriso lateral ameaçador.
Percebendo a atmosfera decair 10 graus, o príncipe Charles resolveu forçar um arranhado de garganta leve e firme, voltando as atenções para si.
— Vossa Alteza, este é Pedro Rios, baronete vassalo do Grão-Ducado do Oeste. É meu conselheiro militar e amigo pessoal.
O velho calvo encarou o rapaz com um olhar de inspeção, analisando-o calmamente até chegar nos olhos. Encarou-o por nove segundos, o tempo necessário para julgar os atributos de um homem.
— Bom — disse. — Muito bom!
Os membros da alta sociedade de Mea surpreenderam-se com a resposta do príncipe. Simpatia era um atributo difícil de se encontrar nas cortes do centro, sobretudo na do príncipe Charles, “o Resoluto”.
Eles esperaram ali por mais cerca de meia hora, tempo suficiente para que os outros dois filhos do príncipe chegassem com seus respectivos vassalos e homens de confiança.
Simel olhou para Edward com um olhar duro e altivo, mas, ao se dirigir para Pedro, sua expressão ficou mais singela, esboçando os contornos de um sorriso escondido com um leve aceno de cabeça.
Aquilo chocou os lordes mais atentos, pois era fato notório que o Grão-Duque do Sul e do Leste e o Grão-Duque do Oeste tinham uma rixa muito poderosa, sendo, inclusive, de mães diferentes. Quase parecia que não eram irmãos de sangue. Quase…
Outra figura imponente também chamou a atenção imediata após adentrar o salão. Quase dois metros de altura, imensa robustez. Os cabelos negros e olhos violeta dos Willblood. Era só que, diferente dos irmãos, Rufos tinha um carisma natural.
— Pai, trouxe pele de tatu-nortenho para o senhor experimentar. Dizem que esquentam a mão como nenhum outro animal poderia. Dariam um excelente par de luvas. Haha!
— Sua Alteza, Rufos, entra na sala do trono — disse um servo apressado, após ter sido enxotado por um afobado grão-duque que entrou na sala real usando os pés, já que as mãos estavam ocupadas com duas caixas enormes de madeira.
Pedro achou aquilo curioso.
— Esse é seu irmão mais velho? Ele com certeza não parece nada com você, Ed. Olha, tá até usando sandálias.
E de fato, o homem mais parecia um turista viajante do que um grão-duque governante no Norte.
— Sente-se, Rufos — disse, apontando para o assento vazio. — Meus caros lordes, declaro aberto o 1º Conselho de Guerra!
…
Durante três horas inteiras, 49 lordes ficaram trancafiados naquele salão junto com o príncipe de Mea, incluindo Edward e Pedro.
No mesmo dia, todos eles emitiram uma ordem de convocação para suas respectivas terras. O príncipe Charles ordenou a todas as tropas que se preparassem para o combate.
O baronete de Vilazinha foi despachado imediatamente para Gloomer, onde esperaria os oficiais do Novo Exército e suas respectivas tropas, homens de confiança treinados pessoalmente por ele durante a rebelião dos lordes do ano passado.
Edward queria que Pedro fosse o responsável por chefiar as tropas do Oeste como comandante máximo, logo após ele mesmo. Contudo o jovem dagonark não aceitou a tarefa. Ao invés disso, preferiu selecionar uma força de elite, responsável por cuidar do que ele chamou de “incursões militares especiais”.
O grão-duque achou aquilo curioso, porém brilhante. O conceito de uma “força especial” parecia extremamente útil.
— Essas são as notícias que trago, meu senhor.
Um Beto pouco ofegante e um tanto inexpressivo relatava ao mestre dragonark. Eles estavam em uma sala espaçosa que Pedro tomou para si ao pôr os pés na antiga capital do Oeste.
— Interessante. Vou mandar avisar Ed. — Pegou um copo, com um líquido quente e branco, bebericando de leve enquanto falava. — Quanto ao próximo passo, o que cê achou do desempenho dos meninos da associação, Betinho?
“Betinho?”, questionou Beto, um tanto inconformado por agora ser o Betinho.
— Satisfatório.
Pedro acenou positivo. Se eles passavam no teste do assassino sangue frio de um clã sanguinário e poderoso, então deviam ser o bastante para a tarefa.
— Diga-lhes que tenho uma missão classe A para cumprirem. Claro que vou pagar de acordo, do meu próprio bolso.
— Sim, meu senhor.
Observando o ajudante sair da sala, Pedro refletia consigo mesmo. “Eu até poderia invadir a capital inimiga e matar o rei, mas aí não ia ter guerra. Quanto mais guerra, mais mortes e mais almas”, pensou.
…
Enquanto isso, em um lugar muito, muito distante, em uma sala muito, muito escura, iluminada por tochas de luz branca, seis seres com pomposas togas negras e cordãozinhos vermelhos discutiam de forma acirrada.
— Não precisamos de cânticos do nono círculo para destruir os bárbaros, caros colegas. Lembrem-se, não queremos chamar atenção.
Um outro, ao canto do mesa hexagramal, pareceu discordar.
— Então por que começar uma maldita guerra?! Por que não apenas entrar e tomar o que queremos?
— Porque assim não atraímos atenção exagerada dos malditos clãs superiores, incluindo daqueles malditos meio-dragões de meia-fivela.
Como que para acalmar os ânimos, a entidade do centro se manifestou, levantando as mãos. Ele também se destacava dos demais pela estrelinha costurada acima dos nove círculos na parte superior da toga.
— Seguiremos o plano de extração, ipsis litteris em que formulado pelo Alto-Gabinete de Assuntos Arcanos do Congresso.
E a reunião se encerrou. As luzes foram apagadas e nove entidades saíram em suas respectivas velocidades da estranha mesa hexagramal de nove pontas.
Seja lá quem forem, com toda certeza influenciariam nos eventos seguintes. Mas Pedro, claro, não tinha como saber disso.