Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 11
Alguns dias depois, na mansão de Edward…
— Você tem certeza disso? — perguntou o jovem grão-duque, apoiado sobre a mesa.
— Bom, nós precisamos do apoio dos lordes menores se quisermos nós opor a esses aristocratas safados.
Ele e Pedro estavam discutindo sobre os planos para o futuro do Oeste no momento. O tópico principal era o que fariam para fazer crescer a força política do novo governante.
— Então o que você quer é…
— Sim. Vou usar a desculpa de fiscalizar a construção das novas estradas pra reunir com a aristocracia rural e construir um exército pra nós.
Ouvindo a resposta confiante de seu mais novo conselheiro, Edward ergueu a cabeça e inconscientemente deixou escapar um suspiro. Ele temia que com Pedro fora problemas viessem a Gloomer. Uma maquinação interna da alta-nobreza para forçá-lo a tirar seu cargo, por exemplo.
— Relaxa cara. É por causa disso que o Beto tá aqui, né não? — respondeu o camarada.
— Eu ainda acho que você não precisa se preocupar tanto assim. Eu tenho os guardas e…
— Aquele bando de zé roela?! — interrompeu Pedro. — Eles nem sequer conseguem esconder uma informação, quem dirá impedir um assassinato ou golpe.
Calmamente, ele mordiscou um biscoito e se levantou do assento. Podia não estar na Terra, mas sua etiqueta polida continuava igual.
— Além disso, nós ainda não sabemos como seu irmão vai reagir a isso. É sempre bom ter uma carta na manga. Cê disse que o mais velho ainda ainda não fez nada, né? E que o do meio é o problema…
— Tudo bem, você me convenceu — respondeu Edward, disposto a incorporar o agente Dragonark em sua guarda pessoal.
Pedro assentiu, indo na direção oposta, onde estava a saída do escritório. Vendo-o, Edward olhou de relance para o documento que recebeu. Nele havia uma espécie de código para comunicação. Era tipo um manual de braile.
— Pelo futuro de Mea… — murmurou o grão-duque.
…
Depois daquela reunião, fui atrás da minha besta carniceira. Precisava dar umas orientações pra ela, instruindo-a a não matar todo mundo que latisse, mas apenas os que mordessem.
— Meu senhor, você não deveria viajar sem proteção — ladrou a fera.
Admito que tive que segurar meu riso ao ouvir aquilo. Afinal, você quer me proteger ou me espionar? Maníaco sem vergonha. Humpf!
É claro que aqueles velhotes do Conselho não me deixariam livre pra fazer o que eu quisesse por aí, não com aquele papo estranho de ”sangue puro”, “quarta geração” e tudo mais.
Além disso, o Beto é forte demais pra um guia. Tipo, o cara destruiu uma catapulta no soco. Fez um monte de movimentos complicados com a faca também. E do tipo que nem eu sou capaz, pra falar a verdade. Acho que ele é algum tipo de agente secreto ou algo assim.
Mas enfim, é melhor pagar de planta por enquanto. Vou tentar usar essa informação no futuro.
— Nós já não conversamos antes, não? Preciso que tu fique aqui e cuide da parada pra mim.
Ele assentiu, embora hesitante. Em seguida eu o entreguei uma pequena lista, junto com um certo material amarelo e passei umas instruções.
— Isso aí é trinitrotolueno. Não acho que você vá precisar mais — disse, completando: — Mas lembre-se, tu só vai fazer isso depois que os pilantras mostrarem as garras. Antes não pode.
— Sim, meu senhor!
Muito bem. Me sinto até um chefe de gabinete agora. Tudo indo conforme o plano…
…
Mas enquanto Pedro colocava em prática suas táticas, na mansão do prefeito, outros atores políticos importantes produziam seu ardil.
— Caros senhores, acredito que todos sabem porque estamos reunidos aqui hoje.
— Para decidir como lidaremos com o novo Conselheiro de Lorde Edward, certo? — respondeu um dos aristocratas presentes.
Ele assentiu, dando inicio a burburinhos procazes. Na verão, eles eram como pragas, se espalhando pelos cantos escondidos e chegando a todos os lugares.
— Hump! Aquele bastardo arrogante! Por que não simplesmente assassiná-lo em segredo? Ele estará sozinho agora, certo? — propôs outro desses nobres.
— Infelizmente, isso não é tão simples assim — murmurou o companheiro rechonchudo. E ele se levantou com dificuldade, diga-se, para fazer suas observações políticas. — Essa é uma situação muito estranha, não acham?
— Como assim? — questionou um nobre. O sujeito expressou o sentimento da maioria antes, por isso a confusão de ter seu impeto freado.
— Simples, um nobre estrangeiro vem aqui sozinho com seu guarda-costas poderoso, de algum jeito ganha a confiança do novo grão-duque e agora tem o poder para sozinho fazer “o que for necessário para desenvolver o Oeste”…
Eles tinham que concordar com Collins, haviam coincidências demais. Realmente não era tão simples como parecia.
— Eu acredito que esse tal lorde Pedro seja um espião estrangeiro enviado para nos manipular — afirmou o prefeito.
E assim se iniciou outro bafafá. Este não durou, contudo. Pois um personagem até então silente resolveu se pronunciar.
— Eu entendo o porquê do receio, conde Armellius. Afinal nos não sabemos de que nação estes estrangeiros são. Mas você não está sendo cauteloso demais? Digo, eles claramente são apenas andarilhos. Talvez tenham sido expulsos de casa. Talvez estejam só treinando.
Todos que ouviam pareciam concordar. Aqueles eram argumentos sólidos, não havia como negar.
— E quem disse que eles são de fato nobres em sua terra? — continuou o velho — Por Namoa, é possível até que sejam sócios dos republicanos!
Alguns deles pularam de seus assentos com o susto. A lógica não falhava, os dois estrangeiros eram mesmo muito misteriosos e eles não tinham muita informação a seu respeito, mas e daí? Eram só dois, e na cabeça deles, não importava quanta força individual possuíam, eles nunca seriam capazes de resistir a seus exércitos privados.
— Lorde Inneus está certo, conde Armellius. Acho que não precisamos de tanta cautela assim — respondeu um nobre qualquer, ratificando a fala do velho.
Mais murmúrios começaram depois daquilo. Uns até largaram suas taças para gesticular melhor.
— Meus Lordes, conde Mathius, me escutem. O que quero dizer é que esses dois jovens são muito estranhos. Vocês ouviram o que aconteceu na Batalha de Vilazinha, certo? — insistiu o prefeito rechonchudo.
Aquilo levou alguns deles a hesitar. Mas a oposição foi rápida em sua reação. Bateu forte na mesa o velho de posição igual, se recusando a acatar a fala do prefeito.
— O que você teme, conde Armellius? Como você mesmo disse, são só boatos. E são só dois jovens! Como raios dois jovens podem se contrapor a todos os nossos milhares de soldados e centenas de cavaleiros?
Externalizando a lógica preposta, ele conseguiu enxugar as ultimas gostas de temor que os mais conservadores tinham.
— Isso mesmo! Lorde Inneus está correto! São só dois jovens contra vários dos nossos vassalos e cavaleiros!
— Eu estou com Lorde Inneus! Esses bastardos não são pareo para nossos exércitos poderosos! — Um deles esbanjou sua arrogância.
— Eu também! — acataram os outros.
Um consenso parecia ter sido formado durante aquela reunião e o prefeito Collins não pôde fazer mais nada além de suspirar internamente em remorso.
“Eu só espero que vocês estejam certos. Que eu apenas estou sendo cauteloso demais…”, pensou o metódico líder local.
…
No dia seguinte, no caminho até a Vilazinha…
“Tsc! Esse Collins bastardo! Como é que eu vou executar meu plano com esses espiões que o balofo mandou?!” pensou Pedro, bem puto, enquanto encarava os “espiões” aos quais ele se referia.
O grupo era composto por dez homens armados, uma moça na casa dos vinte e um gordinho de óculos garrafão, aparentemente um burocrata da prefeitura. Estes eram a “ajuda” de Gloomer para o desenvolvimento das estradas. Uma “gentileza” que o líder da cidade o obrigou a aceitar.
— Aliás, Rebecca, eu não te perguntei antes, mas o que raios cê está fazendo aqui?
Pedro encarou com confusão a garota. Ambos já haviam se conhecido no banquete antes e ele não esperava encontrá-la ali.
— Hum? Isso não é óbvio? Eu estou te seguindo, lorde Pedro. — O tom obvio dela fez uma de suas sobrancelhas saltar.
— Eu estou vendo isso, Rebecca. Mas por que você tá me seguindo? — indagou, se esforçando para não aumentar o tom.
A jovem cunhã não fez questão de tentar entendê-lo, contudo, mantendo o ar de banalidade elevado.
— Hum? Isso também não é obvio, Lorde Pedro? Estou te seguindo porque você tá andando…
— Rebecca, você tá de sacanagem comigo? — perguntou, dessa vez também teve que cerrar o punho para se conter.
— Hum?
Ele fitou sério a cara avoada da garota de cabelos roxos, mesmo assim não conseguiu distinguir se ela fazia de propósito ou se essa era sua real personalidade. As duas coisas eram ruins.
— E quem foi o parvo que te mandou me seguir? — perguntou, não se importando mais com as aparências, muito menos com a educação de uma família tradicional.
— Ninguém, Lorde Pedro — disse ela. — Vim por outro motivo, muuuito diferente desse aí.
— O que?! Então por que raios você veio?! — O rapaz não entendeu onde essa cunhã estava querendo chegar com essa enrolação toda.
— Hum? Isso também é bem óbvio, Lorde Pedro. Foi porque eu quis.
Em outro contexto, aquela vozinha doce e melodiosa seria o suficiente para conquistar a afeição de qualquer homem — Pedro incluso nisso, sem dúvidas. O grande problema residia em seu conteúdo, entretanto. Quando se prestava atenção nisso, o encanto sumia.
Pedro não sabia o motivo, mas a simples presença da garota o fez se agitar. Por um breve momento, ele não se importava mais em manter as aparências para os rivais políticos que os seguiam atrás, só queria se livrar do estorvo muliebre a seu lado.
— Você quis?! Como raios você quis? Aquele bastardo do Collins te deixou vir assim?
— Papai o convenceu.
Aquilo não foi convincente, mas até que fazia sentido. Mandar uma garota acompanhá-lo em uma jornada do tipo não fazia sentido nenhum, a não ser que ela tentasse seduzi-lo em troca de informações. Esse não parecia o caso, contudo.
— E por que seu pai fez isso? — perguntou, resignado com a escolha de um sujeito que sequer conhecia. Parecia até um eleitor arrependido com as escolhas de seu candidato midiático.
— Hum? Foi porque eu pedi, Lorde Pedro. — A voz dela foi bem baixa naquela hora. Virou levemente o rosto também, escondendo sua timidez.
O cavalheiro dragonark não sabia mais o que dizer. Se aquele era o padrão de mulher nesse mundo, então as coisas seriam difíceis dali em diante.
— Você… pediu? — deixou escapar.
Ela respondeu afirmativamente e Pedro então começou a encará-la de cima a baixo, com um olhar investigativo. O que encontrou foi uma garota magra, de corpo delineado e que tinha olhos roxos. Além de um cabelo lustroso, é claro. Mas afinal, o que ela estava querendo com ele?
Era o que ele tinha que descobrir. E de preferência antes que se afastassem muito da cidade. A ideia de viajar com uma maleta-bomba não lhe parecia muito divertida, principalmente se ela fosse uma garota boba e no auge de sua puberdade.
— Fala a verdade pra mim, por que você pediu isso pro teu pai? — perguntou, abandonando de vez a cortesia.
— Hum? Isso não é óbvio? Porque eu queria seguir você e…
— Rebecca, chega de enrolar! Qual é o seu real interesse em ficar perto de mim?
Posta contra a parede, a garota ficou levemente corada, ao invés de rebatê-lo com argumentos.
— Ehr… Isso é… é… u-um segredo!
Naquele momento, Pedro sentiu que essa seria uma jornada bem longa.