Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 12
Chegamos em Vilazinha depois de dois dias de estrada. É nosso primeiro ponto de parada.
Precisava vir aqui pra me livrar desses malditos espiões que a prefeitura mandou, em forma de “guardas” para minha proteção. Tsc! Esse Collins balofo, apenas espere… terei minha vingança.
Além disso, tem uma outra coisa…
— Ahr… ahrr… Lorde Pedro, não ande tão rápido, por favooooor!
E lá vamos nós de novo… Dessa vez eu vou provocar ela. Vou fazê-la sentir na pele como é ser irritado no âmago por outra pessoa.
— Rebecca, você consegue ser tão lenta como uma tartaruga e ao mesmo tempo tão lerda quanto uma jamanta! Sinceramente, estou começando a desconfiar que você talvez seja uma quimera — disse, botando o plano em prática.
Hehe! Ela parou de uma vez, com certeza minha provocação entrou em sua mente.
— Hum? O que é uma jamanta? — perguntou a jamanta, com cara de paisagem.
Eu desisto. Rebecca é burra demais pra entender uma ofensa. Um caso perdido mesmo…
Enfim, neste momento estou mostrando ao gordo burocrata as mudanças que sugeri pro Ed. Aqueles erros grotescos de logística me deixaram puto, mas não existem mais.
— E aqui era a falha mais grave da parte leste da muralha, senhor Conelius — falei.
— Oh, Lorde Pedro, agora vejo. De fato, foi muito inteligente corrigir as assimetrias. Isso ganha tempo durante uma invasão, além de dar mais organização para a guarda.
Nós então viramos ao nascente do céu e adentramos a região comercial da pequena vila.
Durante o percurso fomos seguidos por Rebecca e os guardas, o que era extremamente desconfortável pra mim. Agora entendo aqueles artistas famosos.
— Olhem! É o Lorde Salvador — falou um comerciante qualquer.
— É mesmo! É o Lorde Salvador que derrotou mais de cem homens armados, sozinho!
— Oh, obrigado Lorde Salvador! — exclamou outro cidadão.
— Que Namoa o abençoe, Lorde Salvador!! — gritaram em uníssono os residentes da área leste de Vilazinha.
O burocrata balofo me olhava estranho. Com certeza o gordão era do grupo de céticos que não tavam acreditando que eu e Beto matamos aquele tanto de gente. Se fosse uma guerra civil, eles seriam os primeiros párias em que miraria.
— Cem homens? — perguntou.
Para ser misterioso eu apenas sorri em sua direção, mas não respondi. Aliás, eram cerca de quinhentos. Mas o Beto cuidou da maior parte antes que eu agisse.
— Cem homens, quanto é isso? — perguntou Rebecca.
— Hum, isso deve mais ou menos um décimo das pessoas que moram aqui — respondi.
Virei de repente, galante e fingindo ver a cara abobada da Rebecca. Na verdade não era um flerte, eu apenas estava reparando na reação dos guardas espiões da prefeitura.
Tsc! Aqueles safados apenas soltaram uma risada fria de incredulidade e sarcasmo. Claramente não acreditaram na informação. Essa será sua ruína, bando de corno manso.
— Lorde Pedro, se eu matar cem formigas, terei tirado tantas vidas quanto você?
Escutando a comparação sem pé nem cabeça da garota quimera, senti uma vontade repentina de chutar alguma coisa. Respira… Respira…
— Sim, Rebecca, você terá… Mas evite isso, sim? Os pobres insetos não fizeram nada pra ti — respondi, tentando permanecer educado.
— Mas e se forem miquinhos? Nós vimos alguns pelo caminho. Eles eram parecidos com humanos, né?
Blasfêmia!
— Rebecca, peça desculpas aos miquinhos. Todos sabem que devemos ser gentis com eles, sua… jamanta!
…
A noite caiu e a delegação foi buscar uma estalagem para passar. Pedro e Rebecca esperavam no fundo, enquanto Cornelius resolvia algumas coisas coisas com o estalajadeiro.
— Vocês realmente alugaram todos os quartos daqui? — perguntou Pedro ao chefe dos guardas.
— Sim, Lorde Conselheiro. São ordens do prefeito, “o lorde precisa de conforto”.
Aquilo o deixou extremamente desconfiado. Afinal, eles queriam dar-lhe conforto ou deixá-lo sozinho e sem testemunhas para aí lidar com ele?
— É mesmo? E ainda assim cês vão dormir na estalagem do lado. Por quê? Tem espaço pra caramba aqui, cara.
O guarda quase pulou com o susto. E se esforçou para disfarçar depois. Muito suspeito.
— Aaah… é que…. cof! cof! Isso é pra dar mais privacidade ao lorde e sua nobre companheira — respondeu-lhe o homem, eivando sua fala de maledicência masculina.
“Tsc! Maldito pilantra, ele com certeza vai tentar alguma coisa hoje”, Pedro concluiu e acenou timidamente em resposta, fingindo estar com vergonha.
— Ohoho! Lorde Pedro, não precisa ficar com vergonha. Nós vimos que vocês não se separaram durante a viajem, por isso deduzi que os bem amigos gostariam de quartos próximos — Cornelius murmurou no ouvido dele, tentando ser cordial. — Além disso, os farei companhia. No quarto mais afastado do corredor, é claro. Hoho!
— Sim, senhor Cornelius, agradeço a gentileza — disse o rapaz, segurando sua raiva crescente.
Alguns minutos depois se despediu dos guardas e do burocrata com sobrepeso, subindo as escadas do segundo andar. Ele só queria dormir tranquilamente, esquecer de vez os problemas.
Entretanto, logo ao adentrar o quarto ele se deparou com uma… ou melhor, duas surpresas inesperadas.
— Aaaaaaaah! — gritou a dona das surpresa.
Pah! Ele fechou a porta rápido, evitando maiores constrangimentos.
— Rebecca! o que cê tá fazendo pelada no meu quarto? — exclamou por detrás da porta.
— Desculpa, Lorde Pedro! Não tem placas aqui. Não sabia que esse era seu quarto…
— Não — respondeu ele balançando a cabeça. — Esse não é o problema! O que eu quero saber é por que raios cê tá pelada, Rebecca?!
— Hum?
…
Alguns minutos depois do incidente, dentro do quarto…
— E-eu não consigo dormir com roupas — explicou a garota, sentada sobre a cama e encarando o companheiro timidamente.
— Não vamos mais falar sobre isso, okay? Eu não vi você e você não me viu. Isso não aconteceu, então nós não temos nenhum problema aqui, entendeu? — propôs sagazmente o rapaz.
Infelizmente para ele, negociações do tipo eram completamente inúteis com Rebecca.
— Mas… você me viu! — disse, fazendo com que Pedro sentisse mais uma vez aquela vontade de chutar coisas.
— Rebecca, eu só quero que você imagine que nada aconteceu. Um exercício imaginativo, é isso que tô tentando dizer.
— Isso… hum…
Vendo a hesitação saltitando nos olhos da garota, o rapaz decidiu amortecer sua queda.
— O que foi? Você não consegue fazer isso? — perguntou, se aproximando um pouco dela.
— Não é isso, é só que… que…
Eles estavam realmente perto um do outro na cama. Pedro tinha se assentado no lado oposto, mas foi inconscientemente se aproximando, deixando-se levar pela ansiedade de convencê-la. Era como um metal atraído pelo imã.
“Nesse mundo aqui não tem nada dessa parada de pureza marital, não é?”, ele se perguntou, lembrando de um habito das sociedades conservadoras da Idade Média.
— Fala, o que foi? — indagou novamente, encarando-a nos olhos.
— É só que… a-agora eu não vou poder mais me casar!
Pah! O som forte assustou a garota. Era Pedro, batendo na própria testa enquanto escutava os motivos da garota de cabelos roxos ao seu lado.
— V-você! Assuma a responsabilidade! — Ela gritou com ele, seguindo o clichê medieval.
— Ãn? Responsabilidade de quê? Tu tá maluca sua doida? — disse em resposta, tentando se livrar de uma vida conjugal infeliz.
A garota o encarou mais fixamente ainda depois disso, deixando-o muito constrangido. Casar? Com ela? Isso não ia acontecer. Não por um motivo tão idiota, pelo menos. Ele nem chegou perto do pote, só olhou para os biscoitos, portanto não se permitiria ficar de castigo.
Assim, ele esfriou o espírito e se preparou para expulsar a garota do quarto. Naquela mesma noite ele descobriria um fato importante sobre as mulheres, contudo. Elas têm uma arma capaz de vencer qualquer discussão e derreter até mesmo o mais gélido dos corações.
Sniff… Sniff…
Ele se apressou para falar, mas sua boca se fechou quando reparou o mando sobre a cama umedecer. Subindo os olhos, notou que duas poças se formavam pelas bochechas da jovem.
— Você tá chorando mesmo? Só por que eu te vi pelada? — perguntou o rapaz, perplexo.
A garota acenou levemente em resposta, enquanto continuava a chorar.
— Lorde Pedro, huc… não quer… assumir a responsabilidade! ELE NÃO QUER ASSUMIR A RESPONSABILIDADE!
Percebendo que aquelas palavras comprometedoras poderiam lhe causar mais problemas depois, Pedro se apressou para acalmá-la. As luzes ao redor começaram a se acender.
— Ei, ei! Rebecca, mais baixo… — Tentou envolvê-la sob os braços, mas foi afastado por ela.
— Assuma a responsabilidade! — gritou, indisposta a parar até que tivesse a honra restaurada.
— Ei, ei! Tudo bem, tudo bem! Eu assumo… Tsc! Eu assumo toda essa bagaça que você quiser que eu assuma! Só… só para de chorar! Tá bom?
— Sniff… — Ela limpou os olhos. — Tá, tá bom…
Um sorriso luminoso se formou em seu semblante. Era tão forte que clareava a noite, deixando até mesmo um cético como Pedro desnorteado.
“Não sei porque, mas me sinto como se tivesse sido lesado…”, refletiu consigo mesmo, afagando uma garota muito bonita e sorridente que se esfregava em seu braço direito.
— Acho que isso não importa mais… Vem cá, Rebecca, vamos dormir um pouco.
…
Não dormi nada essa última noite. Já tava meio preocupado com o que faria com relação à minha vida amorosa, mas tinha uma outra coisa também. Fiquei esperando por um ataque surpresa dos malditos espiões.
Bom, isso não aconteceu e agora eu estou deitado nessa cama desconfortável de penugem. Minha nova namorada me acompanhava. E sim, farei questão de deixar isso claro pra ela. Somos apenas namorados. Nada mais! Sem casamento. Casamento não.
E se o conceito de namoro não existir nesse mundo, bem… então eu acabei de criá-lo!
Falando nisso, será que ela tá bem? Só sei que depois de ter tido sucesso em sua chantagem emocional ontem, ela apagou, roçando a noite inteira em cima do meu membro lateral. Quase me expulsou pro chão.
Tenho que ter cuidado com as portas a partir de agora. Os inimigos estão por todos os lados.
— Ouaaah… Bom dia, lorde Pedro! Ou devo dizer, “meu amor”? Rsrss…
Vendo aquela atuação ridícula da jaman… ehr, digo, do que parece ser a minha nova namorada, senti uma vontade repentina de amaldiçoar um certo anjo arqueiro, responsável pela felicidade das pessoas. Hump! O safado dá com a mão e tira com a outra.
E as portas sem tranca também, claro. Não posso esquecer das malditas portas sem tranca.
Portanto… cof! cof! Maldito sejas tu, ô Cupido! E malditas sejam vocês, ô, indecorosas portas sem trava! Tsc! Um dia ainda me vingarei de vocês.
— Pelo menos cê tem uma forma decente — disse, avaliando o lindo rosto de Rebecca. — O conteúdo, por outro lado…
— Hum? — Vendo aquela cara de paisagem, decidi que era melhor não perder mais tempo com essa preocupante situação que se tornou a minha vida amorosa. Sempre se pode ir comprar um cigarro, afinal.
Neste exato momento eu estava arrumando a cama, enquanto Rebecca se trocava no banheiro. Foi aí que um som ruidoso desorientou meus pensamentos.
— Lorde Conselheiro, Lorde Conselheiro! Venha rápido! — Escutando aquela voz aguda e desengonçada do balofo burocrata, decidi correr rapidamente até a cozinha.
— Aqui, Lorde Conselheiro! Na estalagem do lado! — chamou o gordo.
Estalagem do lado…? Pera, não era lá que estavam os guardas?
Como um relâmpago em noite de tempestade, eu me apressei para averiguar. Mas chegando lá me deparei com uma situação bizarra, que fugia completamente do que pensei. Isso pra dizer o mínimo!
Não tinha ninguém lá. Comentei isso em voz alta com o balofo garrafão.
— Sim, Lorde Pedro, todos os guardas sumiram!
— Mas pra onde eles foram? Será que alguém os assassinou e escondeu os corpos? — indaguei.
Mas Cornelius respondeu com um aceno de cabeça negativo. Fiquei surpreso e ele então apontou para o pedaço de papel deixado em cima da recepção. Eu o peguei com cuidado.
No papelzinho tava escrito o seguinte:
“Caro Lorde Conselheiro, queridíssimo senhor Oficial da Prefeitura,
Eu, Juquinha, capitão encarregado do 10º pelotão da guarda de Gloomer, peço demissão do meu serviço. A apresentação do Lorde ontem me deixou impressionado e eu agora desejo me tornar um engenheiro de muros!
Estou indo para Erula com meus irmãos de escudo para aprender o ofício. E também por isso estou levando todas as economias deixadas pelo prefeito como auxílio pelos nossos anos de serviço.
Espero que entendam…
Grato, Juquinha.”
— A recepcionista disse que todos eles saíram hoje cedo, levando todas as coisas e deixando outras nove cartas como essa aí…
— Isso só pode ser sacanagem, certo?! — questionei, pasmo com o que acabei de descobrir.
Então toda aquela arrumação suspeita de ontem era apenas para que eles pudessem sair de fininho pela manhã?! E aliás, existe Fundo de Garantia nesse mundo?
Eu estou tão chocado que simplesmente não tenho palavras pra descrever essa situação…
— Cornelius, eles realmente levaram todos os xilins? — perguntei.
— Sim, Lorde Conselheiro. Temo que iremos precisar de mais se quisermos desenvolver o Oeste.
Ahr… Pelo menos consegui me livrar de parte dos meus problemas, então tem um lado positivo. Embora, vendo por um outro lado…
— Amor, eu consegui matar cinco formigas no caminho até aqui! Agora só faltam mais noventa e cinco pra me igualar a você. Hehe!
Esse sem dúvidas é um problema maior do que a falta de dinheiro. Eu nunca mais abro uma porta sem bater pelo menos dez vezes antes novamente. Isso é uma promessa!
…
Mas enquanto Pedro se via afligido por questões mundanas, em um lugar frio e desolado de Ark…
Booooom! Pah! Booooom! Com várias explosões e montanhas de neve virando pó, dois homens levitavam próximos a uma grande e esquisita rocha metálica.
Encaravam-se profundamente, enquanto um grande torrencial de partículas mágicas fluía por seus arredores. A aura no local era intensa. Era como se a atmosfera fosse dez vezes mais densa.
— Bastardo! O conteúdo desse meteorito é meu!
— Então venha pegar! Hahaha!
O homem de voz grave e manto claro partiu com tudo pra cima do homem de orelhas pontudas.
— Os Alto-Elfos um dia já foram uma raça muito respeitada. É apenas uma pena que seus descendentes não conseguem enxergar o que há acima do Monte Tai.
Boooooom! Pah! Pah! Com socos que partiam montanhas e chutes que quebravam a barreira do som, o pobre elfo foi mandado voando, destruindo diversas montanhas e amontoados de neve, até bater forte em uma rocha sólida sobre o chão.
Cof! Cof! Se levantou rápido, cuspindo o sangue residual.
— O seu maldito Clã Dragonark pode ter muitos trunfos e talentos naturais, Sucram! Mas nós, Alto-Elfos, temos uma coisa que vocês não têm, a experiência de nossos ancestrais!
Cof! Cof! Em meio a fortes tosses e com um andar ainda cambaleante, o pobre elfo usou todos os seus esforços para murmurar algo que parecia com um feitiço.
— Rasgar o espaço, destruir o mundo! Oh Júpiter, poderoso deus, eu convoco vosso Cantigo Délfico: Destruição Sideral!
— Merda! — xingou aquele chamado Sucram, antes de murmurar um outro feitiço.
Uma gigantesca camada de chamas escarlates se formou ao redor do homem misterioso do Clã Dragonark, rapidamente sendo coberta por outra camada ainda mais espessa. E logo em seguida por outra, e por outra, e por outra, até que sete camadas já haviam se formado, como um flash, protegendo-o como uma concha.
E logo que o feitiço de fogo havia se completado, um forte raio de luz emergiu do céu.
Ele era extremamente belo e luminoso, com uma circunferência gigantesca, a qual facilmente seria o suficiente para cobrir uma grande cidade.
BOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOM!
Como um flash, o enorme raio de luz colidiu com a bola de fogo, destruindo tudo o que havia ao redor de uma área de pelo menos 210 km².
Agora, o já moribundo Elfo estava em um estado ainda mais deplorável, com a pele completamente seca e os olhos lentamente perdendo a cor.
Ele lutava para permanecer de pé naquele momento, quando…
— Yo!
— Não pode ser! — exclamou o elfo, observando o homem que, como um fantasma, apareceu ao seu lado.
— Você realmente me deu bastante trabalho hoje, amigo elfo! Se fosse o eu de dez anos atrás, talvez você tivesse alguma chance…
Pah! A vítima sentiu sua caixa torácica se romper.
— Infelizmente para você, seu adversário era o eu de hoje! — falou o homem encapuzado, enquanto retirava sua mão do peito aberto do elfo.
Ele então se aproximou do meteorito e lentamente o coletou, guardando-o em algo que se parecia muito com um equipamento espacial.
— Nem mesmo uma magia proibida equiparável a trinta bombas nucleares foi o suficiente pra danificar essa coisa. Parece que o mestre estava certo, completamente fora dos precedentes!