Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 13
Um dia depois da deserção dos guardas…
— Oh, Lorde Pedro, tem certeza que desejas ir para Jamor?
— E você tem alguma ideia melhor, Cornelius? — respondeu o rapaz.
— Não é isso. É só que…
Vendo a hesitação nos olhos do rosto gordo e míope do oficial da prefeitura, Pedro decidiu perguntar-lhe o que houve. E como resposta obteve algo inesperado.
— É só que os caipiras de Jamor jamais aceitarão contribuir financeiramente para os planos de Sua Alteza, o Grão-Duque. Eles são pobres e mesquinhos, a desgraça do Oeste!
Pedro reclinou-se em seu assento com a exaltação do balofo burocrata.
— Como assim, senhor Cornelius? Jamor não é a capital da pequena nobreza?
O gordo fechou a cara. — Hump! Nobreza? Aqueles caipiras? Não se engane, são só arrivistas adoradores de montanhas, lorde Pedro. Nunca chegarão ao nível da verdadeira nobreza!
Reparando a rispidez arrogante de Cornelius, Pedro confirmou algo que já tinha em mente.
Ou seja, que a estrutura de poder em Mea é uma bagunça caótica. Os nobres das regiões Sul e Leste desprezam as outras regiões. Já a camada superior da aristocracia do Oeste, que vive concentrada em Gloomer, despreza os da baixa nobreza, que tem como polo a cidade de Jamor.
Por alguns segundos ele até encarou o mapa na parede do escritório improvado em Vilazinha.
— Cornelius, Jamor fica muito perto da fronteira. Por quê? É um ato muito tolo construir sua base próximo de países rivais.
— Eu não sei, Lorde Pedro. Hump! Talvez os caipiras estejam só conspirando com os malditos republicanos em troca de algumas cabritas para procriar.
Rebecca escutou calada até então, mas não resistiu e esboçou uma pequena reação. Suas sobrancelhas arquearam e de seu corpo projetou-se levemente para trás.
Por breves momentos, ela encarou o gordo da prefeitura com uma aura mortífera. Mas logo corrigiu a postura, voltando à sua habitual expressão abobada.
Pedro percebeu a intenção assassina saindo por um dos cantos da sala e imediatamente virou seu olhar para a jovem de cabelos roxos. Ele quase não conseguiu captar nada. Quase…
“Será que Rebecca tem algum tipo de laço com a nobreza do Oeste? Ou talvez com alguém especifico em Jamor?”, refletiu internamente, desviando seu olhar.
— Hum? — Rebecca respondeu com um risinho abobado, corando um pouco e mudando o foco.
“Deixa pra lá. De qualquer forma, isso não importa muito agora”, concluiu.
— E você tem uma opção melhor, Cornelius? — disse em seguida.
Hora perfeita. O gordo entrou em cena com sua “resposta magica”, conforme planejado.
— Peça apoio às tropas de Gloomer para pressionar os caipiras e recolha o dinheiro à força. Duplique… não! Triplique os impostos deles! — disse com um tom sugestivo.
Mas tudo que conseguiu com seu desprezo foi fazer Pedro rir internamente.
“Esse gordo realmente acha que vou entregar o Ed para aqueles bastardos?! Gordo manipulador, seu tipo é o mais comum entre os advogados da Terra. Hehe!”
Ele então escreveu alguma coisa em um pedaço de papel e o colocou em um envelope, lacrando-o com seu selo. E então se virou para Cornelius, sério.
— Tudo bem, senhor Cornelius, você vai pra Gloomer com esse decreto. Entregue-o diretamente pro prefeito e espalhe para a população que eu lhes trago uma enorme novidade.
— Eu farei isso imediatamente, lorde Pedro! — respondeu Cornelius, animado. Claramente ele se sentiu vitorioso.
Como um rato que conseguiu seu queijo, o oficial se levantou para deixar o local. Mas foi interrompido antes de passar pela porta.
— Calma, Cornelius. Por que tanta pressa? Tá chovendo hoje, não tá? A estrada pra Gloomer deve tar repleta de lama, parta daqui há alguns dias — disse, ativando a ratoeira.
O oficial se virou relutante, mas assentiu e fez o que ele queria, fechando com cuidado a porta.
Quando isso aconteceu, Rebecca imediatamente foi até Pedro, aturdida e inconformada.
— Amor, você vai mesmo obrigar os nobres de Jamor a pagarem mais impostos? Isso é…
Antes que a garota expressasse seu protesto, entretanto, Pedro a acalmou com um toque nos ombros e pediu para que viesse com ele. Ela seguiu obedientemente até o sofá.
— Relaxa. Eu só queria mandar aquele safado de volta para o seu ninho de crápulas.
Rebecca ficou mesmo impressionada dessa vez. O rapaz de cabelos castanhos a seu lado suspirou, encarando novamente o mapa na parede.
— Rebecca, minha doce jamantinha, nós iremos para Jamor em busca do apoio da pequena nobreza. Apenas isso, eu prometo.
— Então não vai ter impostos? — Ela perguntou.
Ele negou.
— Mas então como iremos desenvolver o Oeste? O que você mandou para o prefeito então?
Aquela era uma atípica atitude da garota. Antes lerda e despreocupada. Agora atenta e aflita. E pensando nisso foi que Pedro se lembrou de um ditado antigo, que dizia que mulheres são como prímulas, flores que apenas se mostram durante a madrugada.
— Sobre isso — respondeu, apalpando a maciés das duas mãozinhas, antes de prosseguir — eu não vou te falar agora, mas prometo que você não ficará decepcionada. Hehe…
— Hum?
…
Um dia depois, na esconderijo oficial da alta nobreza do Oeste…
— Bastardos! Eu não acredito que o assassinato falhou!
— Sim, Lorde Inneus, eu também desacreditei quando ouvi as notícias…
— Tsc! Aqueles desertores bastardos eram os melhores guardas da cidade? Então, como raios os bastardos decidiram desertar?! Eu não acredito nisso!
Observando a expressão chocada e enfurecida do velho conde à sua frente, Collins decidiu intervir.
— Conde Mathius, por favor, tenho certeza que há uma explicação plausível para…
— Plausível?! — disse o velho, interrompendo o prefeito — Collins, eu vou te explicar o que é plausível! É plausível que você, o suposto mestre dos desertores, explique isso! Hump!
— Lorde Prefeito, Conde Mathius tem razão. O que houve com os guardas? Eles não eram a tropa mais forte da cidade? — questionou um aristocrata qualquer.
Tendo sido colocado em uma saia justa perante os nobres da cidade, Collins tentou se explicar, dizendo:
— Meus Lordes, sinceramente, eu não sei o que aconteceu. Admito que fui o mais surpreendido aqui — explicou, fazendo uma pequena pausa, antes de se levantar e andar pela sala, dizendo:
— Os homens do décimo pelotão são ex-membros de um antigo grupo mercenário de elite. Há muitos anos atrás eles foram expulsos do grupo e eu os acolhi. Jurava que sua lealdade era garantida! Mas parece que me enganei…
Ouvindo aquela explicação, os nobres presentes não puderam deixar de se sentirem perplexos.
— Isso é muito suspeito. Collins, você tem certeza que eles eram leais a nós?
— Lorde Inneus não está sugerindo que os guardas foram comprados pelo Conselheiro, não é? — questionou um nobre.
Mas a reação do velho deixou claro o que se passava em sua mente.
— Óbvio que não! Ele é só um moleque! Não tem maldade e nem dinheiro pra isso, pelo que sabemos — disse Inneus, balançando um pedaço de papel em suas mãos.
— Esse relatório fala que os guardas desistiram por conta própria, aparentemente não tem nada a ver com o pirralho Conselheiro.
Escutando atentamente as palavras do velho até o momento, Collins decidiu intervir, antes que mais questionamentos começassem. E então, tomando a palavra para si, ele proclamou:
— Cornelius é um de meus homens de confiança. Se ele fala isso, então é a mais pura verdade. Meus senhores, o pombo que chegou nessa manhã também diz que Cornelius estará pessoalmente se dirigindo pra cá, vamos aguardar.
— Ele está voltando? — questionou Inneus.
— Sim
— Sozinho?
— Sim
— Por quê? — questionou novamente.
Collins então balançou a cabeça, soltando um leve suspiro, antes de responder:
— Eu não sei. Mas é provável que o Lorde Conselheiro o mandou para pedir mais recursos, já que os guardas levaram tudo.
— E nós daremos? — perguntou um nobre.
— Sobre isso. Agora que o assassinato falhou, eu acho que deveríamos mudar a abordagem e…
Aquela discussão demorou algum tempo, com os representantes da alta aristocracia do Oeste reunidos em uma calorosa discussão acerca dos seus passos futuros.
…
E enquanto isso, em um grande palácio da Região Leste de Mea, outra reunião importante acontecia.
No centro de um grande salão de mármore havia um enorme trono. Sentado neste lugar estava um jovem magro, de longos cabelos ruivos, pele lisa e olhos violeta.
Ao seu lado estavam três pessoas: um velho, um jovem e uma mulher de óculos; todos de pé. E em sua frente, ajoelhado, estava um homem vestido com uniforme militar. Ele ralatava algo.
— Respondendo ao Lorde Grão-Duque: o atual estado das fronteiras com a Região Norte está estável. Poucas baixas ocorreram na última batalha, mas os soldados do Norte contaram com apoio mercenário para suplementar suas forças.
— Tsc! Malditos mercenários! Sempre se vendem a quem lhes paga mais. Estão muito longe da honra que exige um cavaleiro! — esbravejou o jovem de cabelos curtos e estatura mediana ao lado do trono.
Percebendo a inquietação de seu subordinado, o de cabelos ruivos ergueu uma das mãos.
— Acalme-se, Linn. O motivo para meu irmão mais velho os ter contratado é justamente esse. Mercenários são meros peões de descarte. Nada menos, nada mais.
Ouvindo aquela resposta calma e indiferente, a mulher ao lado assentiu, dizendo:
— Lorde Simel está certo, Linn. O Grão-Duque do Norte sabe que não tem vantagem militar, então ele tenta suplantar seus defeitos com dinheiro e comércio, enquanto treina seu precário exército.
Reparando o escárnio na voz de sua subordinada, o velho, que até agora permanecia quieto, decidiu que também deveria dizer algo.
— Veja, lorde Simel, a senhorita Mila está correta quanto à estratégia adotada pelo Norte. Entretanto, quanto às forças militares do adversário, não podemos nos esquecer que Sua Alteza, lorde Ruffus, tem profundas relações com o Reino de Eburonve.
O velho então pareceu se lembrar de algo, e continuou:
— Os boatos são de que o rei de Eburonve prometeu uma de suas filhas a Lorde Ruffus, caso este se torne o novo Príncipe de Mea. Assim, é provável que ele receba um maciço apoio militar.
Ouvindo tal explicação, Simel parou pra pensar e, depois de alguns minutos, balançou a cabeça em concordância.
— Você tem razão, Tillus, não devemos subestimar meu irmão mais velho. General, passe minha ordem: reforce a divisa Norte! Enquanto isso, nenhuma tropa estacionada lá poderá avançar ou recuar. Quero que fiquem exatamente onde estão.
— Sim, meu Lorde! — respondeu o homem, fazendo uma saudação antes de se virar e partir.
Quando o militar saiu, Simel virou sua cabeça em direção a Linn, que vestia uma bela armadura prateada, e também lhe deu instruções.
— Quanto a você, Linn, quero que lidere nossa marinha ao mar do sul e aniquile os rebeldes.
— Sim, Lorde Simel! Lidarei com isso — respondeu Linn, com um olhar extremamente malicioso.
O cavaleiro partiu rapidamente da sala, logo após fazer uma saudação militar padrão.
Neste momento, Simel estava prestes a se retirar de seu assento e encerrar a reunião, mas foi interrompido pelo velho Tillus.
— Lorde Simel, se me permite, temos ainda um último assunto.
— Que assunto? — perguntou ele.
— É sobre o seu terceiro-irmão. Aparentemente, os mercenários que mandamos para interceptá-lo falharam.
— Explique-se — disse Simel, voltando ao seu assento.
— As informações que recebemos dizem que ele recebeu ajuda de um estrangeiro do Leste. Ainda não sabemos ao certo o que aconteceu, mas pelo relatório dos espiões ele deve ter organizado estrategicamente os guardas de seu irmão e utilizado táticas para vencer os mercenários — elucidou o velho.
Escutando atentamente tudo aquilo sem sair de seu estado de calma habitual, Simel disse:
— Então mande o dobro dessa vez. Se não funcionar, mande o triplo.
Ele então fez uma pausa, reparando no teto, enquanto pensava em algo.
— Eu também quero que você envie assassinos para lidar com esse estrangeiro, enquanto os mercenários se preparam.
— Como ordenar, Lorde Simel!
…
Atchim!
— Saúde! — respondeu Rebecca, inconscientemente.
O rapaz ao lado então coçou o nariz.
— Alguém deve tá falando mal de mim. Aposto dez xilins no maldito zarolho da prefeitura. A essa altura aquele pançudo já deve tá blasfemando contra mim.
— Mas amor, ele partiu ontem, quase ao mesmo tempo que a gente. Nós ainda não chegamos e Gloomer fica muuuito mais longe de nós do que Jamor — explicou Rebecca.
— Eu sei, minha querida jamantinha, mas isso não impede o maldito gordo de falar mal de mim. Funcionários públicos já são conhecidos por ter lingas grandes, ainda mais aquele gordo safa…
Pah! Pah! Pedro parou a boca e se virou para a garota de cabelos roxos. Foi quando percebeu que estava batendo fortemente os pés no chão.
— O que cê tá fazendo, sua maluca? — perguntou ele.
— Hum? Não é óbvio? Estou matando formigas. Até agora já foram cinquenta e cinco. Faltam só mais algumas pra eu me aproximar de você, amor. Hehe…
A felicidade dela fez um sentimento ruim emergir de algum lugar obscuro de seu inconsciente.
“Eu devo ser alguma espécie de ímã para os psicopatas. Tsc! Maldita porta destrancada!”, reclamou internamente o rapaz.