Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 14
Desde o último encontro entre Pedro e o oficial da prefeitura, três dias haviam se passado. Ele e Rebecca viajaram sozinhos pela relva campestre.
Neste momento o casal adentrava pela muralha fraga de uma cidade de médio porte.
— Então esta é Jamor — murmurava um rapaz de cabelos castanhos, enquanto reparava nas construções de pedra e madeira.
Apesar de simples, Jamor era muito organizada. Tinha uma praça central, rodeada por pequenas mansões, com casas normais e edifícios menores nas circunscrições adjacentes.
Vista do alto ela parecia uma cebola. Com o núcleo pertencente à aristocracia local.
Entretanto ainda era relativamente pequena se comparada a Gloomer, carecendo da movimentação e dos sofisticados edifícios de um burgo daquele porte.
— Tudo bem, temos que encontrar a mansão do prefeito e… — explicava Pedro, que se assustou ao encarara pessoa a seu lado. — Rebecca?? Que droga é essa? Você tá bem?
— Ehr… sim, sim. Eu estou bem sim, é só que… que…
— Tá, mas qual é a desse capuz? E, pera. De onde você tirou esses óculos? — questionou.
— Hum? Capuz?! Óculos? Eh, eh. Eu tô normal! É só que tá muito frio hoje. E tem muito sol também! É só isso. Hehe…
Pedro estava perdendo a calma após aquela resposta descarada. Era como se tentasse aplicar uma rasteira em um perneta, uma coisa engraçada, mas difícil de se aprovar.
— Tudo bem, Rebecca. Eu não vou insistir nisso, embora seu disfarce seja meio óbvio.
O rapaz então abordou uma pessoa qualquer na rua para sanar sua dúvida.
— Com licença, senhorita. Por acaso podes me dizer onde fica a mansão do prefeito?
A resposta não veio de imediato, contudo. Parece que a garota ficou paralisada e se olhássemos de perto veríamos um rubor despojado se formando em seu rosto.
— Você tá bem? — perguntou ele, notando a dificuldade da garota citadina.
Sentido a virilidade jovial com os ouvidos, a garota despertou de seu encanto. Balançou a cabeça algumas vezes, ainda com o rosto corado.
— Ehr, sim! Estou bem. É só que… o senhor é… muito…
— Eu sou muito…?
— Não, não é nada! Ehr… a mansão do prefeito, né? É aquela ali — respondeu a garota.
— Certo, obrigado então — agradeceu o rapaz, se virando novamente. — Você tem certeza que tá bem?
— Sim, sim. Obrigada!
Retornando o gesto com a mão, o rapaz enfim partiu para seu destino final. E acompanhado da pessoa encapuzada, eles logo acabaram deixando a garota tímida para trás.
“Nossa. Que cara bonito!”, exclamou consigo mesmo a transeunte, antes de murmurar em voz alta: — Mas quem era aquela estranha que o acompanhava? Será que é a namorada dele? Não pode ser…
Enquanto andavam, Pedro não pôde deixar de reparar que Rebecca fazia uma expressão tacanha, incomodada. Ela olhava para trás com uma careta infeliz, enquanto resmungava algo.
— O que houve?
— Toma! Você usa a capa! — exclamou o par, retirando parte de seu disfarce e empurrando-o.
Pedro questionava o motivo disso. Não entendeu nada. Mas tudo ficou claro quando algumas garotas passaram pela rua ao lado.
— Nossa, olha amiga! Que gato!
— Ehr… Ele é muito bonito mesmo. Nossa…
— Será que ele é comprometido? — perguntou uma das garotas.
— Hum? Tem uma moça suspeita do lado dele, será que ela é a namo…
— Nha… não pode ser…
Rebecca encarou furiosamente as transeuntes, sem esconder a intenção de matar. E foi percebendo o temperamento nada afetuoso nos olhos dela que Pedro decidiu intervir.
— Rebecca…
— COLOCA LOGO A DROGA DA CAPA! — gritou ela.
Recebendo o ultimato exasperado de Rebecca, além de reparar um pouco os olhares curiosos das garotas que passavam, Pedro enfim entendeu o que estava acontecendo.
“Que fofa, ela tá com ciúmes”, pensou.
Isso entretanto não podia continuar assim. Ele então puxou a garota para perto de si, acariciando seu belo rosto com um gesto afável.
— Tem jeitos melhores de afastar aquelas garotas de mim…
Pedro se aproximou repentinamente, a tomando em seus braços e sugando levemente uma de suas bochechas. Ousado, porém efetivo.
Recebendo aquele toque suave, a garota sentiu o arrepio subir pela espinha. Ela agora o olhava timidamente, enquanto se afastava vagarosamente de seu abraço anafado.
— Vem, vamos ver o prefeito de Jamor — falou Pedro, puxando-a pela mão.
Rebecca encarou suas costas por alguns segundos e, refletindo em algo, deixou fugir um pequeno sorriso.
…
Chegando nas proximidades da mansão, Pedro e Rebecca foram abordados por alguns guardas.
— Alto lá! Quem é você e o que deseja? — perguntou um deles.
— Olá! Eu sou o Conselheiro de Sua Alteza, o Grão-Duque, e desejo ver o Lorde Prefeito.
Entretanto, mesmo depois de terem recebido a resposta, os guardas se recusaram a deixar que passassem. Se mantiveram firmes como rebo.
— Garoto, não temos tempo para piadas! Retire-se!
Escutando aquela grosseira do guarda, uma veia saltou sob a pele da testa de Pedro.
— Isso não é uma piada. Sou o Lorde Conselheiro e exijo ver o prefeito — repetiu.
— Garoto, se você não se retirar, sua namorada vai ver uma cena desagradável.
A ameaça foi o estopim para o caos. Paciência não era uma das virtudes de Pedro e isso ficaria evidente nos próximos minutos.
— Ahn?! Eu tô escutando direito, bastardo? Você me ameaçou? En?! — perguntou em um claro tom de intimidação. O tigre rugiu para as hienas.
Elas contudo pensaram que se tratava de um gatinho e insistiram com o bloqueio. O guarda da direita estava prestes a reagir, mas antes que sequer tivesse a chance de sacar a arma…
Pah! Pah! Dois raios rosas. Dois golpes certeiros. E com isso, dois guardas nocauteados no chão.
— Venha, meu bem. Vamos ver o prefeito.
Ela olhou perplexa, mas o seguiu sem hesitar. Foi assim que adentraram a residência. Era um jardim muito bonito, superando as demais em termos de espaço e sofisticação.
Reparando os dois convidados entrando, sem a presença dos guardas do portão, os demais funcionários e servos do local estranharam. Ninguém os informou de visitas hoje.
E não tardou até que pouco mais de uma dezena de guardas cercassem o jovem casal.
— Parado aí, invasor! — repreendeu um individuo robusto, aparentemente o chefe da segurança.
— Espere, eu só quero ver o prefeito. E foram aqueles dois idiotas da porta que me ameaçaram, pra começar — Pedro disse.
Mas o homem robusto não quis saber de conversa, apenas exclamando em resposta:
— Silêncio! Homens, prendam eles!
— Mas que droga, só tem ignorantes nessa cidade! — respondeu, antes de avançar.
Eram dezesseis, contando com o mais robusto, que valia por dois. Eles vestiam uma cota de couro simples com o símbolo da família do prefeito, que também era o símbolo da cidade, e estavam armados com um pequeno gládio e um porrete de madeira, presos em suas cintas.
De início, Pedro foi ao encontro de dois deles, entregando-lhes dois belos socos de presente.
Poh! Pah!
Paft!
— Dois a menos — murmurou.
Ele então foi cercado por cinco homens, e assim decidiu fazer algo inusitado. Se abaixou muito rápido e com uma super-rasteira circular derrubou todos eles.
Zuuum! Paft! Paft! Pelos sons que ecoaram, mais a posição distorcida dos músculos, era certeza que acabaram deslocando alguns ossos e articulações, na melhor das hipóteses.
— Sete com esses. — Pedro não teve tempo para relaxar.
Pois naqueles curtos segundos em que efetuava o golpe foi cercado por mais sete oponentes. Estavam com as armas em punho e perto o bastante para deferir-lhe vários golpes perigosos.
Pedro estava encurralado. Assim, o rapaz decidiu fazer algo ainda mais inusitado.
Pah! Desarmando o mais próximo deles com as mãos nuas e roubando sua arma, ele partiu para cima da formação dos guardas.
Shiiiiiiin! Cruzando espadas com um dos homens, decidiu colocar mais de força sobre sua mão.
Pah! Shiiiiiiin!
O resultado foi que a espada do adversário se partiu em duas, arrancando uma parte do ombro do pobre guarda no processo.
— Aaaaaaaaah! MEU BRAÇO! — choramingou, agora com a mão sobre o membro parcialmente mutilado.
Mas Pedro não lhe deu tempo para estabilizar-se, rapidamente desferindo um forte chute na barriga do homem.
Pah!
Shiiiuuuuum! Pah!
Com aquele golpe, o guarda parcialmente mutilado foi voando com tudo para cima de outros dois guardas, atingindo juntos uma das rústicas paredes de madeira da mansão.
Sem sequer olhar o resultado daquele ato, Pedro avançou velozmente para os homens restantes da já desfeita formação.
Entretanto, os três reagiram rápido diante de tal adversário e do perigo iminente que ele representava, colocando rapidamente suas espadas em uma posição defensiva.
Infelizmente para eles, isso não foi o bastante para interromper o ímpeto irascível do rapaz.
Shiiiiiiim! Shiiiiiim! Shiiiiiim!
Pah! Poh! Pah!
Três cortes, três fortes golpes, ambos em sequência.
O resultado desse combo foram três homens nocauteados no chão, em meio a uma grande poça de sangue, com alguns pedaços de carne misturados.
— Bom, com isso, só falta você — falou Pedro, encarando na direção em que o homem robusto estava.
— V-você vai se render! Agora! Ou eu mato ela! — respondeu o homem, avançando velozmente em direção à Rebecca.
— Tsc! Você não tem jeito mesmo — comentou Pedro, se preparando para interceptar o homem com sua velocidade sobre-humana.
Todavia, antes mesmo que ele precisasse fazer qualquer coisa, Rebecca agiu, avançando para cima do homem robusto por sua própria vontade.
A garota era mais rápida que o homem. Bem mais rápida!
Desse jeito, ela primeiro deu um grande salto sobre o chão. Em seguida fazendo algumas piruetas. E, antes que o homem lhe atingisse, pressionou as mãos no chão para dar impulso, mirando suas pernas na brecha entre a espada e o rosto do homem robusto.
Pah! Foi um chute certeiro. Tão rápido e preciso que o homem sequer teve a chance de reagir, antes de cair desmaiado acima do chão do jardim.
— Tudo bem, isso sim me impressionou! — comentou Pedro, enquanto olhava para Rebecca com um olhar curioso.
— Hum? O que foi?
— Não é nada. Venha, vamos ver se agora eles nos deixam ir ver o prefeito — respondeu, encarando os servos e funcionários assustados.
Mas, antes mesmo que Pedro tivesse a chance de perguntar a algum deles, uma voz ríspida e grave apareceu ao fundo.
— Que confusão é essa?! Quem está causando problemas na minha propriedade?!
Virando sua cabeça, Pedro percebeu o homem alto vestido com manto nobre que acabou de adentrar na residência.
— Saudações, Lorde Prefeito. Você nem imagina por quantos incômodos eu tive que passar pra me encontrar com você. Hehe… — respondeu Pedro, coçando a cabeça para disfarçar.
Percebendo o tom jocoso e o olhar divertido do jovem de cabelos castanhos no centro do jardim, e olhando a poça de sangue e homens desmaiados sobre o chão, o homem alto conseguiu ter uma leve ideia do que ocorrera ali.
— Você! Você matou meus homens?!
A acusação obstinada do prefeito assustou Pedro. Possivelmente, só agora ele se lembrou que veio até ali em uma missão diplomática.
— Ãn?! Eu? Não, eles não estão mortos. Em respeito a vossa pessoa, eu só os desmaiei.
“Embora fosse muito mais fácil pra mim apenas matá-los…”, completou mentalmente.
— O quê?! — O homem alto estava perplexo. Se preparando para fazer alguma coisa, quando…
— Enfim, me desculpe por isso. Eu vim aqui com intenções amigáveis, querendo discutir diplomacia. Infelizmente, seus guardas não foram muito diplomáticos.
Escutando aquela resposta safada do rapaz, o homem perplexo ficou ainda mais perplexo.
— Discutir diplomacia? Quem é você? — perguntou ele.
— Acho que ainda não nos apresentamos direito. Prazer, eu me chamo Pedro e sou o novo Conselheiro do Lorde Grão-Duque.
— Novo Conselheiro? Do Lorde Edward? — perguntou o homem.
— Sim — respondeu o rapaz, retirando algo de sua bagagem — Aqui, esse é o selo do Grão-Duque. Acho que é o suficiente para provar a minha identidade.
Reparando os detalhes daquele pequeno selo cor violeta, o homem alto não teve dúvidas.
— Oh! Lorde Conselheiro, perdoe-me! Eu não recebi nenhuma informação de sua vinda e…
— Tudo bem — interrompeu Pedro — eu não enviei nenhuma carta, pra início de conversa, então você não tinha como saber mesmo. E sobre seus guardas, me desculpa. Eu posso ter exagerado um pouco…
Escutando a meia-culpa do rapaz, o homem alto não pôde deixar de se sentir um tanto confuso.
— Desculpas não são necessárias, Lorde Conselheiro. Mas, esses homens não reconheceram o selo da Família Real?
— Ehr… sobre isso, eu nem tive chance de mostrar. Hehe…
Olhando para o rapaz embaraçado a sua frente, coçando levemente sua cabeça, o homem alto suspirou.
— Esses idiotas. Ahr… Minhas desculpas, Lorde Conselheiro.
Percebendo que o rapaz acenou levemente em resposta, juntamente ao fato de que ele fez a meia-culpa e lhe explicou a situação, o homem decidiu não levar nenhuma ofensa para seu coração e se desculpou mais uma vez com o rapaz. Em seguida o chamou para dentro.
— Venham, vocês dois. Temos muito o que conversar…
Recebendo o chamado, Pedro seguiu o homem alto, puxando uma Rebecca ainda encapuzada pelas mãos e adentrando a mansão.