Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 15
Alguns minutos depois, na sala de reuniões do prefeito de Jamor…
— Irei me apresentar novamente. Prazer, Lorde Conselheiro, me chamo John Walter, chefe da casa Walter e visconde de Jamor. Também sou o prefeito da cidade.
— O prazer é meu, John! Aliás, essa é Rebecca, filha da casa Barcellos, dos arredores de Gloomer — apontou o rapaz.
— Oh! Rebecca! Então era você….
Percebendo que os dois já se conheciam, Pedro não pôde deixar de se sentir um tanto desconfiado. Por que Rebecca não falou que conhecia o prefeito? Isso com certeza teria poupado algum esforço.
— Ehr… Olá tio John… — cumprimentou a garota, com a voz um pouco fraca, meio desajeitada.
— Como está seu pai? Pelo visto já conseguiram se estabelecer em Gloomer.
— Sim. Papai está muito ocupado ultimamente, quase não tem tempo pra mim — respondeu desanimadamente a garota.
Cof.. Cof…
Com o tossido forçado de Pedro, os dois parecem voltar à realidade.
— Oh! Me desculpe, Lorde Conselheiro! É que realmente não esperava encontrar Rebecca por aqui. Ela e minha filha ficaram tão amigas da última vez. Haha!
— Amiga?
— Sim, minha menininha, Samantha. Ela é uma garota linda! E muito gentil também, igual ao pai. Haha! — gargalhou o homem alto, passando a mão por entre seus cabelos loiros.
— Lindo… Gentil… Erh?!
Vendo a expressão complexa no rosto bonito do rapaz, John não resistiu e soltou uma grande gargalhada:
— Garoto, você não é do tipo que consegue esconder suas opiniões, não é? Haha! Isso é muito bom! Hahahaha!
Ignorando completamente a euforia do homem bruto e risonho à sua frente, Pedro se virou a Rebecca, questionando:
— Ele é sempre assim?
A garota assentiu, balançando os ombros, enquanto John voltava a sua postura original.
— Tudo bem, meu rapaz! Haha! Vamos falar de negócios agora! — Ele então ajeitou seu manto de linho nobre, antes de continuar:
— Diga, que planos Lorde Edward tem para nós, humildes senhores rurais do Oeste?
Sentando-se na cadeira ao lado da de John, Pedro também se ajeitou rapidamente e diz:
— Bom, Lorde Walter, devo dizer logo que o Grão-Duque se importa muito com a qualidade de vida dos súditos comuns. Ele quer melhorar a vida deles. Infelizmente, os Lordes de Gloomer parecem não apoiar tais pretensões…
— Tsc! Aqueles filhos da put…
Mas antes que John pudesse completar, foi interrompido por Rebecca, que o cutucou levemente nos ombros.
— Tio John, não diga palavrões! Isso é feio!
— Minhas sinceras desculpas, Rebecca, e Lorde Pedro — pediu o homem. — Tsc! É que aqueles bastardos realmente me tiram do sério! Ahr…
Após o breve suspiro do lorde rural, Pedro deu prosseguimento ao diálogo.
— A opinião é mútua, Lorde John. Não gosto deles também! — esclareceu o jovem — Mas não pense que não temos jeito para contornar aqueles safados de Gloomer.
John pareceu bem intrigado com a sugestão do rapaz, e talvez por isso não fez questão de esconder seu interesse.
— Conte-me mais…
Recebendo integralmente a atenção total do líder da nobreza rural, Pedro esclareceu:
— Bom, a estratégia é muito simples. Digo, se eles não querem dar recursos, só temos que os tomar por nós mesmos…
Mas a sugestão do rapaz o assusta. E assim o homem deu um pulo súbito, quase caindo da cadeira.
— O quê?!
Percebendo o forte teor de suas palavras, o rapaz decidiu se explicar, dizendo:
— Bom, é claro que isso não vai ser feito amanhã. É algo que planejamos para o médio prazo e…
Entretanto, não foi permitido que o rapaz terminasse. John o interrompeu bruscamente, externalizando sua objeção:
— Vocês estão malucos?! O Oeste está cercado de todos os lados! Uma guerra civil é a última coisa que precisamos no momento.
O rapaz então moveu sua cabeça para os lados, pensando que não explicou bem a sua proposta.
— Não, Lorde Walter, nós realmente não queremos uma guerra civil. Na verdade, é bem mais simples. — Ele então moveu seu rosto para cima, rente ao rosto do homem alto, e disse: — Nós vamos enganá-los, mas para isso precisaremos do seu apoio.
— Explique-se.
Alguns minutos de conversa se passaram e um consenso parece ter sido alcançado, já que o homem loiro estava com um sorriso muito satisfeito em seu grande rosto.
— Brilhante! Vocês são gênios! Haha!
— Então, você tá dentro? — perguntou o rapaz.
— Mas é claro! Assim que vocês saírem, irei convocar todos os lordes do campo e explicar a situação. Tenho certeza que darão seu apoio!
Após aquela conversa, os dois homens deram um aperto de mão, finalizando o acordo.
John estava prestes a acompanhá-los até a porta, quando foi interrompido pelo rapaz.
— Ah, John, eu tenho uma pergunta.
— Hum? O que é?
— Ehr… Nós meio que estamos sem dinheiro agora, você não conhece um meio fácil para ganhar uns xilins? — pergunta.
O homem então os encarou por alguns segundos.
— O que foi, tio John? — pergunta Rebecca.
— Não é nada. É só que não pensei que Lorde Edward os mandaria aqui sem dinheiro nenhum.
— E não mandou — esclareceu Pedro, apoiando as mãos no no queixo — Aconteceu um pequeno incidente envolvendo dívidas trabalhistas e…
— Hum?
…
Naquele mesmo dia, mais tarde…
“Quem diria que nesse mundo existiria algo como uma profissão para aventureiros em” pensou Pedro, encarando um mural de madeira, fixado próximo ao prédio da prefeitura de Jamor.
— Esse é o mural de missões, Lorde Pedro, praticamente toda cidade tem um — explicou Rebecca.
— E por que raios você não me falou isso antes, em? Caramba, eu quase aceitei um empréstimo daquele velho risonho! — exclamou o rapaz, um pouco insatisfeito.
— Você nunca perguntou…
— Bom, isso não importa mais. Rebecca, minha doce jamantinha, diga, como fazemos pra reclamar uma missão?
— Hum? É simples, basta pegar a prova ou item que o contratante exige e levar para a prefeitura, eles vão te dar a recompensa — explicou ela.
— Que prático!
— Sim, fiquei sabendo que nas vilas e cidades menores é um pouco desorganizado. Parece que cada uma faz de um jeito diferente, uma confusão! — explicou a garota, gesticulando com as mãos.
— Não existe uma guilda de aventureiros pra organizar isso?
— Hum? O que é guilda? — perguntou ela, um tanto avoada.
— Não é nada. Só com a sua cara avoada, meu amor, você já respondeu minha pergunta.
— Hum?
Ele então começou a ler os cartazes em busca de alguma missão interessante.
— Essa aqui! Vamos! — disse o rapaz, arrancando um dos cartazes do mural.
…
Algumas horas depois, em uma floresta próxima…
— Rebecca, toma cuidado! Se você continuar pisando forte assim, vai acabar atraindo todos os predadores dessa floresta, menos o maldito lobo que nós queremos!
— Hum? Mas Lorde Pedro, faltam só mais duas formiguinhas pra eu me igualar a você! — exclamou a garota, em um tom injustiçado.
— Arh… O que eu faço com meu pet? Ela é muito arisca! — murmurou o rapaz.
Aliás, o pet do qual ele falava era Rebecca?!
“Não adianta, só tem um jeito de lidar com pets!” pensou o rapaz, antes de se virar para a garota e falar:
— Ei Rebecca, vem cá!
— O que foi?
— Venha, venha. Vou te mostrar algo interessante…
Meio desconfiada, ela se aproximou dele lentamente.
— Aqui, isso mesmo, boa garota! Boa garota! — falou o rapaz, passando suavemente as mãos entre os sedosos cachos de cor lilás da garota.
Recebendo do nada aquele cafuné, e provavelmente o confundindo com uma forma de carinho adulto, a garota corou subitamente, mas não recusou.
— Você gosta disso? — perguntou o rapaz.
Recebendo de volta o aceno tímido da garota, a resposta pareceu ser positiva. E assim ele continuou, dizendo:
— Se você se esquecer dessas duas formigas, eu prometo que faço cafuné de novo em você mais tarde!
— Hum?
Percebendo aquele olhar perplexo da garota, o rapaz perguntou:
— Você não quer?
— Erh… Si-sim! Eu Quero! — respondeu ela, sem hesitar.
— Okay.
Naquele momento, eles estavam prestes a continuar sua caminhada, quando de repente foram interrompidos por um forte uivo.
Auuuuu! Auuuuu!
— Mas que sorte! Rebecca, vamos! — exclamou Pedro, agarrando a mãozinha da garota e correndo rapidamente até o uivo.
Chegando no local, o rapaz viu algo inimaginável!
— Dois ursos e um lobo. Eles estão brigando entre si? — questionou, esgueirando-se com Rebecca nas moitas.
— Não Pedro, olha! Tem uma pessoa no meio deles. Aquilo lá é um garoto! E o lobo parece estar o protegendo!
Escutando a explicação de Rebecca, Pedro reparou com mais atenção a cena.
O rapaz do qual ela falou estava com a mão direita levantada na direção do lobo, parecia estar falando alguma coisa.
— Vá para a direita, Wolf! Use aquele monte de pedras de apoio! Eu vou correr por ajuda, quando sair, você corre também! — falou o garoto, utilizando um dialeto antigo e incompreensível.
Escutando o que parecia ser uma língua estranha, Pedro encarou Rebecca, que o encarou de volta.
— Você entendeu o que ele disse? — perguntou.
— Não! Nunca ouvi essa língua antes. Será que ele não entende a língua comum?
— Vamos descobrir! — respondeu Pedro, se preparando para ajudar o pobre rapaz.
Mas, logo quando ele se preparava para dar um forte impulso na direção do urso mais próximo…
— Aaaaah! — gritou o rapaz.
— Cuidado! Tem outro urso ali! — avisou Rebecca, apontando para a retaguarda do garoto.
— Tsc! Merda! — reclamou Pedro, que naquele momento já estava no meio do ar.
A intenção inicial de Pedro provavelmente era esmagar a cabeça do primeiro urso, já que estava com uma voadora pronta e apenas há alguns palmos de distância do focinho do pobre animal.
Mas então, escutando o aviso de Rebecca, Pedro mudou subitamente seus planos. E agora, ao invés de uma voadora, o rapaz de cabelos castanhos girou o pé, dando um belo chute de trivela na barriga do animal.
Voando, o enorme urso passou rente ao rapaz com o lobo e deu de cara com o companheiro urso que estava se esgueirando na retaguarda.
Pah! Boooooom!
Os dois animais foram nocauteados, esmagando três grandes árvores com a colisão.
O animal que restava tentou correr, mas também foi abatido facilmente por Pedro, que esmurrou brutalmente sua grande cabeça.
— Não tão rápido, balofo! — falou, antes de descer-lhe o aço.
Pah!
Olhando para os restos sangrentos de cérebro e vísceras em suas mãos, o rapaz soltou um pequeno suspiro.
— Ahr… É impressão minha, ou eu estou ficando cada vez melhor em matar? Caramba, nem um pingo de remorso! Apesar de isso ser só um animal…
Escutando o murmúrio daquele rapaz bonito, o garoto esfarrapado enfim soltou o pequeno lobo de seu agarro e se dirigiu em direção a ele.
— O-Obrigado! Senhor nobre! — agradeceu ele.
— Haha! Não foi nada! — respondeu Pedro, antes de se virar ao jovem rapaz e perguntar:
— Pera, você também fala a língua comum?
— Si-sim! Eu falo! — respondeu.
— Ehr… e o que era aquela língua estranha que você usou para controlar o lobo? É um dialeto da sua vila?
— Sim… quer dizer… mais ou menos… ehr…
Vendo que tocou em um assunto delicado e que o rapaz parecia se esquivar, Pedro também não insistiu.
“Todos temos nossos segredos, afinal!” pensou o jovem de “sangue puro” do oculto Clã Dragonark.
— Tudo bem, vamos mudar de assunto um pouco! Prazer, eu me chamo Pedro, e aquela ali é minha namorada, Rebecca.
Ele então apontou para a garota de cabelos lilás, que estava saindo da moita.
— Yo! — cumprimentou Rebecca.
Pedro então continuou:
— Nós estávamos atrás de um animal que anda assolando o gado de um pobre agricultor. O homem não é rico o suficiente para contratar profissionais de renome e os aventureiros normais aparentemente estão com medo demais pra entrar nessa floresta, o que eu francamente não compreendo… — Ele então fez uma pausa, antes de perguntar:
— Aliás, onde seu lobo estava na segunda quinzena de Abril?
Recebendo o olhar inquisidor e reparando as mãos sujas de sangue do jovem de vestes nobres, o rapaz ficou repleto de medo.
Ele por acaso estava insinuando que o pobre lobinho era um suspeito?!
— O-o Wolf não fez nada! Eu juro! O-olha! Nós só estamos de passagem! Chegamos aqui recentemente, não estávamos aqui em abril! — explicou o rapaz, um tanto trêmulo.
Consternada com aquele absurdo, Rebecca rapidamente interveio, tocando o ombro de Pedro e em seguida se agachando para tocar o pequeno animal, que neste momento estava escondido entre os braços de seu dono, tremendo de medo.
— Que fofo! Amor, olha! Ele não é fofo? Com certeza não é ele! — Ela disse, acariciando a cabeça do pequeno lobinho.
— Rebecca, você é uma péssima detetive!
— Hum?
Ignorando o olhar bobo da garota, Pedro se virou para o jovem rapaz, que pela estatura devia ter entre 18 a 20 anos, dizendo:
— Tudo bem, garoto! Apenas me diga seu nome, sexo e idade, e então eu deixo você ir.
O rapaz pareceu pensar um pouco, mas então respondeu:
— Eu me chamo Christian, tenho 19 anos. Prazer em conhecê-lo, senhor nobre, e obrigado mais uma vez por ter salvado minha vida!
Após receber o assentimento de seu inquisidor, o jovem Cristian se preparava para sair, quando…
— Ei! Ei! Calma aí garoto! — Pedro interrompeu.
— O-o que foi? — questionou assustado o rapaz.
Ele tinha cabelos loiros e olhos verdes, era muito bonito, de fato. Era um tipo de beleza diferente, que ia mais para o lado feminino.
Talvez isso tenha feito Pedro pensar que…
— Pera, você ainda não me disse qual é o seu sexo!
— Oi? — encarou o rapaz, perplexo.
— Responda! Qual o seu sexo? — perguntou Pedro novamente.
Mas naquele momento o rapaz, que claramente estava constrangido com esse tipo de acusação, respondeu abruptamente:
— MAS É CLARO QUE EU SOU HOMEM! SEU IDIOTA!
Visando fugir das perguntas descaradas e sem nexo de Pedro, o jovem rapaz apanhou rapidamente seu lobo no colo e correu, indo na mesma direção em que o sol se põe.
Ao ver o jovem loiro e seu pequeno lobo desaparecendo na parte mais densa da floresta, Pedro não resistiu e deixou escapar um suspiro.
— Ahr… Era só uma pergunta inocente, por que será que ele ficou tão chateado?
— Ehn? Ele só deve estar naquela fase…
— Que fase, Rebecca?
— Hum? Você sabe, aquela fase em que os rapazes ainda estão se encontrando e buscam reafirmar sua masculinidade. Essa é uma fase bem complicada e…
— Rebecca… — murmurou Pedro, interrompendo a garota.
— O que foi? — Ela perguntou.
— Parece que você não é tão burra assim para algumas coisas — disse o rapaz, movendo seus olhos para encarar mais de perto a garota.
— Você vai me fazer aquele cafuné agora? — Ela perguntou, um tanto tímida e querendo mudar o assunto.
— Sim, vem cá…
Pedro então apoiou um de seus braços nas costas pequenas e macias da garota, enquanto usava a mão para lhe fazer um leve cafuné.
E assim, com cafunés, lobos e ameaças de guerra civil, o dia finalmente se esvaiu…