Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 16
Tudo bem, se minha memória não falha, então ontem à tarde eu e Rebecca matamos os malditos ursos e levamos suas garras como prova para a prefeitura.
E foi aí que tudo começou…
— VIVA AO LORDE CONSELHEIRO!! ELE ELIMINOU SOZINHO OS TRÊS URSOS NEGROS!!
— VIVA! VIVA!
— OBRIGADA LORDE CONSELHEIRO!
Gritavam as diversas pessoas ao redor da praça, em uma ovação à minha ilustre pessoa.
E caso você esteja se perguntando o que aconteceu, bem, parece que os lobos não eram a fonte do problema do pobre agricultor.
Não, na verdade eles até eram. Mas só porque recentemente três poderosos ursos negros se instalaram na floresta de Jamor, mandando todas as presas dos lobos para dentro de suas grandes barrigas.
Os lobos estavam ficando sem nada e alguns deles fugiram da floresta em busca de alimento. E, para a infelicidade dos pobres agricultores, as galinhas e ovelhas daqui são deliciosas!
Mas de fato, esse foi um caso peculiar de desequilíbrio ecológico…
— Ohr… Lorde Conselheiro é tão forte, e tão lindo… ahr…. — murmurou uma garota qualquer da vila.
— Afaste-se dele, sua vadia! — gritou Rebecca, empurrando a pobre garota.
Bom, parece que o prefeito organizou uma festa em minha honra ou algo assim. Os nobres que moram na cidade estão todos reunidos aqui. Os citadinos e camponeses das redondezas também.
Quando acordamos hoje, eu e Rebecca fomos arrastados pelos moradores para a praça central de Jamor.
— Que jeito mais peculiar de agradecer alguém — comentei, olhando para John.
Ele estava sentado ao meu lado, no meio de uma grande mesa de madeira que foi colocada para a festividade.
— Não, Lorde Conselheiro, você merece isso! Hahaha!
Tsc! Esse velho acha graça de tudo! Bom, o cliente sempre gargalha quando vencemos a ação, então faz sentido. Eu acho…
— Ei, John, eu já sei porque você fez todo esse estardalhaço. Mas por causa dessa magnífica coxa de galinha, eu vou te perdoar dessa vez! — adverti baixinho, enquanto mandava mais uma daquelas belezinhas pra dentro do meu bucho.
Krack! Krack!
— Parece que fui descoberto! Haha! — admitiu John, que acabava de terminar mais uma cabaça de cerveja.
— Mas não fique desconfiado assim, Lorde Pedro — comentou — Aumentar seu prestígio vai ajudar a convencer aqueles meus velhos amigos a cooperar.
Maldito velho! Tenho certeza que ele já sabia desses ursos. Deve ter me deixado ir pegar as missões de propósito ontem. Mas que seja!
Pelo menos assim eu ganhei alguns trocados e…
Krack! Krack!
Além disso, tem essas MA-RA-VI-LHO-SAS coxas de galinha caipira! Hmmm….
Krack! Krack!
— Aliás, Lorde Pedro, quando você planeja começar com o plano? — perguntou John.
— Bom, você disse que conseguia o apoio dos outros nobres da região bem rápido. Né? — perguntei.
— Sim — respondeu ele — Mas isso pode demorar alguns dias. Nem todos os nobres moram em Jamor. E alguns nem sequer deixam seus filhos ou parentes aqui para representá-los. E cartas demoram um pouco a chegar, afinal.
John fez uma expressão meio complicada quando estava falando sobre os nobres que não deixam representantes. Talvez os relacionamentos entre nobres não sejam tão transparentes assim…
— Então eu acho que vou esperar você conseguir isso e então começo. Aliás, mandei um pombo-correio pra Edward ontem a noite, e hoje cedo obtive sua resposta — expliquei.
— O que o disse o Lorde Grão-Duque? — perguntou o velho.
Eu então retirei um pequeno rolo de papel de meus bolsos e entreguei pra ele.
John olhou para a carta por alguns poucos minutos e então me encarou de volta, dizendo:
— Isso é fantástico! Mas… como é que vocês vão trazer esses equipamentos pra cá? Tá dizendo aqui que tem mais de quatrocentas peças!
— Relaxa John, temos os nossos métodos…
Quando falei isso, o velho fez uma careta.
— Como? Não estou dizendo que é impossível, mas não vai fazer barulho demais?
Escutando as preocupações do velho, não consegui deixar de rir.
— Não se preocupe com esses detalhes John, temos um método que é ao mesmo tempo sutil, rápido e infalível! Sabe como ele se chama?
Ele rapidamente balançou a cabeça em negação.
E, recebendo esse aceno negativo do velho, eu vagarosamente lhe respondi:
— Na minha terra temos uma coisa que chamamos de “proletário”, ou “estagiários”. Bom, acho que aqui eu acho que vocês os chamam de “subordinados”…
…
Naquele mesmo dia, durante o anoitecer…
Dois rapazes estavam em uma clareira escondida que ficava dentro de uma densa floresta.
— Aqui, Meu Senhor, acho que essa foi a última!
— Ótimo trabalho, Beto! És o meu psicopata favorito! Hehe…
Os dois jovens estavam organizando as caixas em um galpão improvisado feito de toras e um teto de palha.
Pedro então se virou em direção ao rapaz de cabelos encaracolados e perguntou:
— Como andam as coisas em Gloomer, Beto? O gordo já voltou?
Beto empilhava a última caixa, enquanto respondia a seu superior:
— Sim, meu senhor, o oficial chegou hoje cedo à cidade. Trouxe consigo um decreto em seu nome.
— E aí, o que os safados acharam da minha surpresinha?
Beto não hesitou:
— Eles odiaram. Notaram a ausência das armas, e hoje pela tarde vieram pedir sua cabeça a Lorde Edward…
Ouvindo o relatório de Beto, Pedro não conseguia esconder a sua felicidade.
— Então tudo está indo conforme o planejado! Hahaha!
…
Algumas horas antes daquele mesmo dia, em Gloomer…
— Você viu o novo decreto do Lorde Conselheiro? — perguntou um transeunte que estava fazendo compras.
— Sim, sim. Lorde Pedro quer impor um tributo sobre os nobres, o oficial do prefeito disse algo sobre “tributação proporcional” e sobre “taxar grandes fortunas”, ou seja lá o que isso signifique…— respondeu o comerciante, um tanto pensativo.
— Também não entendi muito bem, só sei que o prefeito ficou furioso com o decreto. Ouvi isso de um amigo que é funcionário da prefeitura — afirmou outro morador, também fazendo compras.
— Ei, ei, pessoal! Vocês também ficaram sabendo? — questionou um homem encapuzado e de baixa estatura — Tem uns boatos rolando na taberna, dizem que Lorde Edward quer abaixar os tributos dos alimentos!
— Wow! Você ouviu isso na taberna?!
O homem baixinho confirmou com a cabeça.
— Sim, sim. Agora que me lembro, também escutei algo assim — confirmou outro transeunte.
— Se for verdade, isso seria incrível! O preço do nabo tá muuuuuito caro! Do alface também! E o da batata!
— A cerveja também! — reclamou o terceiro homem, que tem fama de alcoólatra.
— Poxa, mas você só pensa em bebida Jotinha! Hahaha!
— Hahaha!
— Isso eu não posso negar — afirmou Jotinha — é meu ponto fraco: cevada, álcool e guisado de galinha. Delícia! Hmmmm…
Por alguns breves momentos, aquelas quatro pessoas aleatórias e desconhecidas caíram juntas em uma gargalhada alta e animada.
— Por falar em galinha, fiquei sabendo que em Jamor eles têm uma coxa de galinha caipira que é uma delícia! Hmmm….
E, enquanto a conversa entre os moradores no mercado fluía em um ritmo estranho, uma conversa muito importante acontecia dentro de uma residência na área nobre da cidade.
É da mansão do prefeito que estávamos falando.
Apesar da tarde luminosa e do tempo fresco de verão, alguns homens bem trajados entoavam maldições…
— MALDITO NOBRE ESTRANGEIRO! MALDITO PIRRALHO REAL! — gritou um dos presentes.
— Sim, Lorde Morse está certo. Eu também odeio esse maldito e arrogante nobre estrangeiro!
Uma pequena sessão de reclamações e xingamentos se iniciou no local, alguns destes aparentemente inventados na hora. Até que um homem gordo, que usava um broche nas roupas, decidiu intervir.
— Senhores lordes, por favor! Vamos manter a calma…
— Ouçam o Lorde Prefeito — falou um outro homem, bem velho — odeio esses pirralhos arrogantes tanto quanto vocês, por isso precisamos nos acalmar e conversar!
O homem velho era Inneus Mathius, conde do Principado e senhor de alguns territórios e vilas ao redor de Gloomer. Como membro de uma das famílias mais antigas da região e morador ilustre da cidade, sua voz tinha sempre muito valor no Oeste.
Todos os presentes se calaram, e Collins enfim pôde iniciar seu discurso.
— Meus lordes, como todos sabem, Cornelius voltou hoje cedo, com um decreto do Lorde Conselheiro. Acredito que vocês já saibam sobre o conteúdo do mesmo…
— Sim! — respondeu um dos nobres. — Eles querem roubar nosso ouro!
— Tsc! Como se isso não bastasse, ainda querem voltar os plebeus idiotas contra nós! Diminuindo o tributo dos alimentos! Pirralho sórdido e sorrateiro!
— Uma víbora estrangeira, de fato! — xingou outro nobre.
— Não podemos deixar que façam o que querem! Pondo em nossas bundas sem parar!
Escutando em silêncio até aquele momento, o velho conde Mathius resolveu falar:
— Não, não podemos, e não vamos! Eu tenho uma proposta!
— Por favor, elucide para nós, Lorde Inneus — intercedeu Collins.
— Bom, eu recebi um pombo-correio hoje. Fiquei sabendo que o pirralho estrangeiro expediu uma ordem de recrutamento nos campos.
— Sim, também ouvi isso, mas — interrompeu outro velho nobre — a ordem fala que estão contratando trabalhadores para uma obra…
Tendo sua fala corrigida pelo homem, Inneus lhe jogou um olhar de desaprovação, corrigindo seu monóculo rapidamente, antes de explicar:
— E você realmente acredita que ele quer contratar operários? Hump!
Ele então caminhou por entre o pátio, que ficava em um dos jardins da grande mansão, olhando fixamente para cada homem que encontrava.
A maioria deles estava sentado em um daqueles assentos acolchoados, no estilo romano, e olhavam de volta para o velho, alguns com olhos sagazes, outros com um olhar de respeito e alguns até de medo.
— Vejam, mesmo que ele de fato contratasse apenas camponeses para um trabalho de construção. Como ele iria pagar pela obra? Por ordem de Sua Graça o Príncipe, Lorde Edward veio para o Oeste sem nenhum recurso.
— Ele pode estar sendo financiado pelos nobres de Jamor… — sugeriu um dos presentes.
— Não — respondeu Collins — por mais que aqueles rurais nos odeiem, não ousariam gastar seus preciosos recursos com uma obra sem sentido e morrer de fome no inverno!
— Mas então, não é justamente por isso mesmo que ele nos tributou? Isto é, para pagar a obra? — questionou outro nobre.
— Isso seria palpável… — comentou um nobre.
— Sim, seria — interrompeu Inneus — se ele também não houvesse reduzido a tributação dos plebeus! Tsc! Vocês não veem? Ele está nos provocando! Isso foi uma mensagem direcionada!
Alguém estava prestes a argumentar, mas Inneus rapidamente o interrompeu, dizendo:
— Além disso, recebi uma carta de um dos meus espiões, ele avisou ontem a noite, que as armas e equipamentos recolhidos dos mercenários sumiram do armazém!
— O QUÊ?! — gritaram em uníssono os nobres presentes.
— Sim, todas as caixas sumiram! E eles nem sequer tiveram o trabalho de substituí-las para nos atrasar! Sabem o que isso significa?
— Gue-guerra! Que o Conselheiro do Grão-Duque quer guerra! — respondeu um nobre boêmio, com uma cara de medo e surpresa.
Depois de uma pequena enxurrada de xingamentos e maldições, os nobres se acalmaram e Collins enfim pôde dar sua decisão.
— Meu lordes, aliados e vassalos, peço que vocês convoquem suas tropas! Se Lorde Inneus está correto, então temos sorte. Demoraria pelo menos dois meses até que o treinamento dos plebeus pudesse fazer algum efeito contra nós. Tempo mais que o suficiente para convocarmos nossas tropas e atacar primeiro!
Todos assentiram com as palavras de Collins, chefe da casa Armellius e conde de Gloomer. Mais tarde, eles enviaram cartas a suas famílias, senhores dos arredores de Gloomer e basicamente de todas as cidades importantes do Oeste, convocando seus homens para a guerra!