Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 17
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- Capítulo 17 - Queria baleias, mas encontrei foi o ouro!
Três dias depois, uma ordem foi expedida pela prefeitura de Jamor.
Era uma convocação.
Foram selecionados quatrocentos homens com idades entre dezesseis e trinta anos, com porte e psicológico adequados e que vieram de “forma voluntária”.
Quanto ao porquê de tantas ressalvas na expressão “forma voluntária”. Bom…
Uma semana e meia após a convocação, em uma clareira distante no meio de uma densa floresta…
— EI, RECRUTAS! ONDE RAIOS VOCÊS, MOÇAS, PENSAM QUE ESTÃO? EM UMA COLÔNIA DE FÉRIAS?! — gritava um rapaz muito bonito em roupas militares, furioso — EU QUERO QUATROCENTAS FLEXÕES ATÉ O PÔR DO SOL! OU NÃO VOCÊS NÃO DORMEM HOJE!
— SIM SENHOR! LORDE CONSELHEIRO! — responderam apressadamente e em uníssono os pobres homens.
— EI, BASTARDOS! O QUE EU FALEI PRA VOCÊS?! QUEM ME CHAMAR DE “LORDE CONSELHEIRO” QUANDO EU ESTIVER FARDADO DE NOVO, TOMA UM TAPÃO!
— SIM SENHOR! SARGENTO-MOR!
— Isso, assim tá bem melhor! — exclamou o superior militar, aparentemente mais calmo, até que…
Paft!
— EI, EI! RECRUTA! O QUE EU FALEI SOBRE DEIXAR O PESO CAIR DURANTE AS FLEXÕES? SEUS MERDAS! TODOS VOCÊS! EU QUERO QUINHENTAS FLEXÕES AGORA!
O superior militar daquele campo de treinamento escondido era, obviamente, Pedro. Que naquele momento estava colocando em prática algumas das experiências militares mais traumáticas de sua juventude na Terra. Com uma pitada do inferno que passou durante os três anos sob a tutela de Marcus, é claro.
O treinamento físico dos recrutas ocorria em uma área afastada da civilização, em uma parte escondida nos campos do Oeste, e estava inteiramente sobre a responsabilidade de Pedro. Isso era parte do acordo que ele fez com a aristocracia rural.
O treinamento acontecia em segredo absoluto, ou quase absoluto. Bom, algumas pessoas sabiam que algo estava acontecendo na floresta, mas ninguém sabia exatamente o quê.
— SENHORES, OS SENHORES SÃO O PIOR BANDO DE SALTEADORES QUE EU JAMAIS TIVE O DESPRAZER DE TREINAR DURANTE TODA MINHA VIDA! — gritava Pedro, em uma pequena cerimônia que acontecia todo dia depois do jantar.
Todos estavam juntos na frente da cantina improvisada. Barracas feitas com madeira e palha rodeavam o local, onde muitos homens revezavam cantando cantigas e contando histórias nas horas vagas.
Pedro, um fanfarrão de carteirinha em seus tempos na Terra, vivia estirado junto aos recrutas nesses momentos.
— Se-senhor! — exclamou um dos recrutas, um pouco trêmulo.
— Fala, Quarenta e Dois — respondeu Pedro — o que o senhor quer?
— Se-senhor, se não for muita insolência minha, e-eu gostaria de perguntar…
— FALA LOGO QUARENTA E DOIS!
— É…. vai ter… é… so-soldo, vai ter soldo mesmo no final do mês? — perguntou de uma vez o homem, em um súbito impulso e com um tremendo medo da resposta.
O pobre homem, que já era por si só muito franzino, abaixou o rosto, esperando pela bronca de seu superior. Mas a resposta o surpreendeu.
Pedro, em um tom sério e centrado, dirigiu seu olhar com calma e bem no centro dos olhos do recruta franzino, e respondeu:
— Sim, recruta! Eu lhe dou a minha palavra!
Xilins, eis o motivo de tantos homens jovens e no pleno potencial de suas vidas decidirem ir se alistar em um exército rebelde e clandestino.
De fato, as condições nos campos eram péssimas, no mínimo. Tão ruins quanto as da pequena vilazinha que Pedro e Beto encontraram logo em seu primeiro dia na Península, a maioria bem piores.
Entretanto, mais recentemente, os campos do Oeste vinham sofrendo com a falta de estabilidade política causada pela sucessão, o que afasta os comerciantes, migrantes e os diplomatas, que não queriam se envolver no conflito, tornando a situação mais drástica ainda.
Os pobres homens tinham que contribuir para o sustento de suas famílias e então decidiram tentar a sorte.
— Seis peças de prata, ou sessenta xilins, se preferirem chamar assim. — Ele olhava sério para cada um daqueles quatrocentos homens. — Vocês receberão o prometido!
Os homens então se alegraram. Haveria comida na boca de suas famílias naquele mês.
— AGORA, MOÇAS, EU QUERO QUE TODOS QUE TIVEREM CORAGEM VENHAM PRA CIMA DE MIM! QUEM AINDA CONSEGUIR FICAR DE PÉ DEPOIS DE DEZ SEGUNDOS, GANHA UMA POÇÃO EXTRA DE CARNE DE BALEIA!
Escutando sobre a deliciosa proposta de seu superior, as bocas de alguns homens começam a salivar. Entretanto…
— Se-senhor!
— O que foi, Trinta e Três?
— Como o senhor consegue carne de baleia? E quais ingredientes usa pra cozinhar? Fica sempre tão bom!
Pedro então o encara com um olhar divertido.
— Mas o senhor só pensa em comida, Trinta e Três! — comentou ele — Tsc! Eu não vou revelar o conteúdo da receita pra você! Quanto as baleias, bem…
Uma memória então veio à mente do jovem Sargento-Mor. Era recente, coisa de uma ou duas semanas atrás…
Em um mar agitado, íamos eu e meu barquinho a remo. O treinamento dos recrutas vai começar em breve e eu preciso de comida o suficiente para alimentar um batalhão, literalmente.
Bom, eu pensei: “o que é grande o suficiente para alimentar um batalhão e ao mesmo tempo pode ser útil para melhorar suas habilidades físicas?”
Certa vez aprendi em um livro arcano, de um tal de Heyek, que carne de baleia tem propriedades ótimas para fortalecimento da pele e dos músculos. E o melhor é que o ritual para ativar suas propriedades fortificantes é simples. Uns poucos reagentes químicos e infusão de mana bastam.
Além disso, as baleias são grandes e eu descobri que todos os anos, no verão, uma certa espécie passa pela costa leste de Mea.
Meu plano estava armado.
O primeiro passo foi me livrar de Rebecca. Algumas promessas e assuntos secretos dela envolvendo a amiga distante cuidaram disso.
Foi um pouco estranho, eu não pensei que ela concordaria tão fácil. “Preciso ver minha amiga”, e “papai quer que eu lhe faça uma visita também” ou algo próximo disso.
Enfim…
Em seguida, surrupiei um barquinho a remo que achei por aí, encontrei uma corda pesada, prendi nela um arpão e fui para minha aventura.
Tudo estava dando certo, até que…
— Argh! Baleias são muito ariscas! — comentei — Até agora só achei duas, e ambas conseguiram escapar! Hump! Maldita refração!
Verdade seja dita, eu poderia ter entrado na água e pego as malditas por mim mesmo, com as mãos nuas. Infelizmente, usando esse método eu iria me molhar, e molhar meu uniforme novo! Poxa, eu não quero molhar meu uniforme novo!
— Se eu jogar uma bola de fogo nas baleias, a água do mar a apaga. Tsc! Meu mestre não me ensinou nenhum feitiço destrutivo que não envolva fogo! Argh! Maldita falta de versatilidade!
Eu preciso ir para a Confederação logo. Quero aprender mais feitiços da escola de Destruição! Algo que não envolva fogo, ou explosões, como o mestre ensinava…
— Hum? O que é aquilo? — perguntei, ao ver algumas embarcações militares enfileiradas. Elas tinham o símbolo do Principado pintado na proa e nas velas.
Naquele momento, estavam ao redor de uma pequena ilha. Aquilo era um cerco?
Espera. Não! Eles estão atacando!
— Mas, espera um pouco, aquela ilha também não pertence ao Principado? — questionei — O que houve?
Confuso com tal situação, decidi ir verificar o que de fato estava acontecendo. Com remadas rápidas, cheguei na ilha que nem um flash.
— Tudo bem, até entender a situação, é melhor eu não caçar briga com os militares.
Após uma rápida decisão, decidi agir.
— Tiid KLo Ui!
Desacelerando o tempo e aumentando a força das remadas, rapidamente cheguei à praia. Mas o que encontrei lá me deixou consternado.
Haviam dois grupos. À minha direita eu via algumas dezenas de homens de pele bronzeada, armados com arpões de pesca e tridentes.
Em contraste ao pequeno grupo, à minha esquerda eu via pelo menos algumas centenas de homens altamente armados, com claymores, espadins e, caramba, alguns deles tinham até mesmo machados largos de batalha!
Senso de moda zero! Mas ótimo poder destrutivo. Que afrontoso!
— Vocês não podem nos roubar assim! Isso é um insulto! — exclamava um homem alto e de pele morena.
Aparentemente, ele era o líder dos nativos. Já que era um dos poucos que usavam algum tipo de equipamento de proteção e carregava um grande e exótico bastão tribal, repleto de totens talhados.
— Insulto? Isso é justiça! — retrucou um homem loiro, de estatura similar a minha.
Sem esperar o contra-argumento do líder tribal, o homem loiro ordenou:
— Ataquem! Não quero ver nenhum nativo homem, maior ou menor, mais jovem ou mais velho que eu, vivo aqui quando o sol se pôr hoje!
Os soldados nem questionaram as ordens do homem de armadura, antes de avançar pra cima dos nativos.
— Bom, ainda não entendo bem a situação, mas acho que meu coração de advogado não me permite escutar um homem chamar genocídio de justiça sem fazer nada — decidi, antes de apoiar meus pés na areia.
Pah!
Antes que os dois grupos se aproximassem, eu me pus no meio deles. Minha rápida aparição os surpreendeu e eles pararam por alguns segundos. O que foi suficiente para que eu pudesse agir.
— Ei, ei. Senhores, por que tanta violência? — perguntei — Vamos resolver as diferenças como cavalheiros e…
Ignorando completamente minha proposta, o homem loiro interveio, gritando:
— AQUELE HOMEM OUSA SE COLOCAR EM MEU CAMINHO! MATEM-O JUNTO COM OS REBELDES DE MERDA!
Percebendo que ele não estava muito afim de conversa, decidi que não quero mais ser um cavalheiro…
— Pois bem — comentei — o mais chato não deu. Vamos pelo mais legal então…
Rapidamente preparei um grande feitiço, retirando alguns reagentes de uma bolsinha que carrego comigo.
— Peguem meu [muro de chamas], otários! — gritei, arremessando um pouco de um composto feito à base de um líquido muito inflamável que fabriquei.
Percebendo o complicado obstáculo que havia se formado no campo de batalha, o homem loiro ordenou uma parada.
— AAAALTO!
Quando todos pararam, ele olhou para mim.
— Então, o senhor é um mago… perdão, senhor mago. Se retire agora dessa ilha e eu finjo que nada aconteceu!
— Como é que é? — questionei, sem entender o que aquele doido disse.
— Retire-se, mago! — repete o homem, agora com um tom zangado.
Não é possível. Esse maluco realmente acha que eu vou obedecer ele? Hump!
— Pois tudo bem! Vou sair daqui, mas não antes de você me dar todo o seu ouro como compensação! Além disso, quero que deixe os pobres pescadores em paz!
Ao ouvir as minhas exigências, o homem de armadura rangeu os dentes.
— Eu avisei, mago! Só te dei uma chance de sair por consideração a uma amiga maga que conheço, mas você não quis. Ela não pode me culpar por matá-lo então!
Ele então se atirou com tudo acima do meu feitiço, vindo para minha direção em alta velocidade.
Ele era bem lento. Um pouco mais lento que Beto, pra dizer a verdade.
“Bom, dessa vez vou fazer como o mestre sugeriu e tentar usar magia antes de partir pro pau.” pensei, antes de retirar outro reagente e murmurar o cântico do feitiço:
— [chamas]!
Eu estiquei minhas mãos na direção do homem de armadura, e rapidamente dois pequenos jatos de chamas saíram de minhas mãos nuas.
Chiiiiiizzzzzz!
Percebendo meu ataque, no último segundo antes de ter seu rosto queimado, o homem usou a espada larga de escudo e rapidamente deu um grande impulso para trás.
Ele evitou com sucesso uma morte instantânea por incineração. Mas não lhe dei muito tempo para pensar.
— [labareda escarlate]!
Utilizando meus instintos aprimorados pra prever sua posição, atirei uma sucessão de labaredas de fogo no safado!
Chiiiiiiizzz! Pah!
Ele desviou da primeira com sucesso, só para ter a segunda e a terceira travadas em suas duas pernas.
Chiiiiiizzzz! Pah! Pah!
— AAAAAH! — Ele grita.
Vendo que ele retirou rapidamente as joelheiras incendiadas, atirei mais algumas [labaredas escarlates] nos soldados ao redor, para capturar mais algumas almas e testar uma certa teoria.
Chiiiiiiizzz! Chiiiiiizzzz! Bah!
Pah!
— AAAAAIIIIIIIII! AAAAHHHH!
— FUI ACERTADO! AHHHHHH
Chiiiiizzzz!
Com apenas algumas labaredas e jatos de chama, eliminei rapidamente uma dezena dos inimigos. Um deles inclusive morreu antes que eu tivesse a chance de atingi-lo, tendo sido pego pelos resquícios do muro de chamas do início.
— Hum? A alma dele veio pra mim também, mesmo eu não tendo o matado diretamente…
Vendo seus subordinados serem incendiados como carvão de churrasco, o homem loiro perdeu a razão.
— EU VOU TE MATAR! SEU MAGO DESGRAÇADO!
— DO QUE VOCÊ ME CHAMOU? SEU CABEÇA DE MILHO! — respondeu, consternado.
Tendo me sentido extremamente irritado com o grito e a arrogância do maldito, decidi acabar com isso logo.
Desse modo, rapidamente tomei um impulso e…
Zuuuuuum! Pah!
Em alguns décimos de segundo, dou um tapa na parte traseira do pescoço do idiota de armadura. Ele nem viu o que o atingiu!
Vendo que seu líder estava imobilizado, mas não morto, os soldados subordinados pararam seu ataque aos pescadores.
— Então vocês querem negociar agora? Hump! — comentei — Se eu não fosse um advogado dos bons, extremamente controlado e emocionalmente resolvido, vocês tavam ferrados!
No final das contas, eles me deram todo o seu ouro e pararam o ataque aos pescadores.
Como compensação, exigi também que deixassem todos seus navios aqui e partissem de volta para o Continente com as canoas e barcos a remo dos navios.
Após experimentar um gostinho da minha habilidade em matar, até os mais receosos e valentes deles aceitaram sem sequer questionar uma única vez.
O que é uma pena, já que fiquei com menos almas agora. Mas enfim…
— Muito obrigado, Lorde Conselheiro! — agradeceu o líder dos nativos.
— Tsc! Se eu soubesse antes que aqueles bastardos eram homens do irmão de Edward, jamais teria os deixado ir daqui com vida! — murmurei baixinho, um tanto aflito pelo desperdício de almas.
— Lorde Pedro, obrigado mais uma vez pela ajuda! Se Lorde Edward precisar, por favor, nos avise! Somos poucos, mas não somos covardes! — avisou um homem alto e musculoso, aparentemente filho do líder da tribo.
— Isso mesmo! Vamos ferrar com esses bastardos ilegítimos! — gritou outro nativo.
Após a batalha, eles me levaram para a aldeia deles. Os nativos tinham várias aldeias espalhadas pela ilha, mas aquela parecia ser a maior delas.
Fiquei mais um pouco com eles, para entender melhor o comportamento das baleias, já que eles são pescadores.
Minhas preces foram ouvidas e eu descobri que eles não só têm muita experiência com caça de baleia, como tal é justamente a tradição da tribo deles.
— Aqui, Lorde Pedro, essas são as peças de prata que arrancamos deles, tem pelo menos 6 mil xilins aqui — falou um nativo, que empilhava algumas bolsas grandes de moeda em suas mãos.
Enquanto eu guardava as sacolas com a prata, o homem musculoso se aproximou de novo, dizendo:
— Lorde Pedro, tem certeza que podemos ficar com os equipamentos e as armas? Você nos deu um dos navios também! Isso é muito! Não fizemos nada para ajudá-lo na batalha…
— Não é nada! — respondi — Acabei de ganhar três navios de guerra, é mais do que o exército do Grão-Duque poderia suportar. Dar um a vocês é só uma forma de me livrar dos gastos desnecessários. Haha!
Relutante, ele acenou positivamente a cabeça, aceitando o suborn… ehr… quer dizer, meu presente.
Depois de mais algumas rodadas de conversa fiada e agradecimentos, decidi ir embora.
Mas, enquanto me virava para sair, um deles me chamou.
— Ehr… Lorde Pedro…
— Diga.
— Tenho uma coisa que gostaria de compartilhar com o senhor! — disse uma velhinha, anciã da tribo, um tanto eufórica.
Ela então rapidamente correu até mim, com um pequeno pedaço de papel em mãos.
— Esse é uma receita milenar da minha família! Guisado de baleia branca!
— Opa! Deixa eu ver isso daí…
E foi assim que obtive uma das melhores iguarias que já comi na minha vida! Além de dois barcos de guerra e parte do financiamento para meu exército, claro! Haha!
Aliás, o plano inicial era fazer um exército falso. Mas talvez agora eu realmente faça um de verdade.
Enfim…
— Tudo bem, recrutas! Vocês já ouviram de mais! Quero saber agora, quem vai ser meu último cobai… quer dizer, parceiro de treino do dia? — retomou Pedro, assumindo posição de combate
Ele então olhou para uma direção, onde estavam cinco jovens cochichando e parte pra cima deles.
— MUHAHAHA!
— Aaaaah! Socorro!
— Eu-eu me rendo, Sargento-Mor!
— Não existe rendição no campo de batalha, recruta!
Murmúrios de tristeza e dor percorriam por aquele campo isolado, no fim daquela tarde de verão.
Os planos estavam avançando.