Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 18
Alguns dias depois do incidente da Ilha, em um grande Palácio do Leste…
— Você vai repetir novamente para mim, Linn. O que exatamente aconteceu depois que te mandei lidar com os rebeldes do Leste?
Ajoelhado bem abaixo do trono de Simel, estava o cavaleiro loiro, que naquele momento se preparava para explicar:
— Reportando: Lorde Simel, lidei com todas as Ilhas a Leste, conforme ordenado…
Linn estava tentando manter a calma diante da grande pressão que sentia ao encarar os olhos de seu lorde. O jovem ruivo emitia uma aura digna e majestosa, opressora o suficiente para subjugar seus subordinados e súditos.
— E? — pergunta Simel, calmamente.
— A operação foi muito boa. Matei todos os homens, adultos ou jovens, que pudessem representar qualquer forma de ameaça para o senhor. Isso em três, das quatro grandes ilhas…
Ele então fez uma pausa, respirando um pouco de ar puro, antes de continuar:
— Como já havíamos exterminado as principais tribos, decidi mandar dois terços da armada de volta e ficar com o restante dos homens na última ilha. Você sabe, lidar calmamente com a situação, aliviar um pouco o estresse e…
— Continue — sugeriu Simel, ainda calmo.
O cavaleiro pigarreou desconfortavelmente, antes de prosseguir.
— Eu estava prestes a eliminar a última tribo e foi então que aquilo aconteceu.
— Espera! — interrompeu um velho que estava ao lado do trono — Você está dizendo que um único mago, junto de uns dez ou vinte nativos mal armados, derrotou uma Companhia inteira?!
Diante da pergunta capciosa do velho Tillus, Linn encolheu os ombros e responde:
— Eu nunca disse isso. Na verdade, os nativos pobretões não fizeram nada, o mago cuidou de tudo sozinho…
— O que?! — gritou o velho, surpreso.
Naquele momento, Simel estava batendo levemente os dedos em um dos encostos de braço do trono. Até se virar para o lado e perguntar:
— Milla, você já ouviu falar de um mago de cabelo castanho, estatura média e que usa roupas estranhas, provavelmente tão forte quanto você, enquanto estava na Confederação?
A mulher, não tanto surpresa pela pergunta, arrumou levemente seus óculos, antes de responder:
— Não, Lorde Simel. As características são redundantes. Não conheço nenhum piromante do 4º círculo capaz de lidar com mais de duzentos homens sozinho. A não ser que fosse discípulo do próprio Sucram, o que não é possível, afinal, Sucram não tem discípulos.
O jovem de cabelos ruivos estava pensativo. Ele ficou alguns segundos neste estado.
Enquanto isso, Tillus tentou dizer algo, mas foi interrompido por ele, que levantou a mão indicando que queria silêncio.
Algum tempo depois, Simel balançou a cabeça para os lados, suspirando.
— Arh… Vamos deixar esse assunto de lado por um tempo. Provavelmente ele é só um pesquisador viajante, como Milla já foi, ou está realizando algum tipo de missão para a Confederação. De qualquer forma, prefiro não mexer com esse tipo de personagem por agora.
Escutando a decisão do Lorde, os três assentiram com suas cabeças em concordância.
Simel então decidiu mudar o assunto:
— Tillus, o que aconteceu no Oeste? Por que até agora eu não escutei nada sobre assassinatos?
O homem então retirou uma pequena prancheta de sua bolsa, pigarreando um pouco antes de falar:
— Meu Lorde, estou perplexo! Todos os assassinos que enviamos simplesmente desapareceram!
A notícia naturalmente deveria ter assustado Simel, mas isso não aconteceu. O rapaz permaneceu calmo, levando a mão para o queixo.
— Mortos? — perguntou ele.
— A grande maioria, provavelmente. Mas…
— Mas? — questionou.
— Alguns, os de maior renome principalmente, simplesmente desistiram da missão!
— O que?! — gritaram os três jovens, em uníssono, incluindo o quase sempre inexpressivo e calmo Simel.
Isso não estava em suas expectativas.
Tillus então explicou:
— Quando vimos que todos os assassinos que estávamos mandando falharam, contatamos algumas seitas de renome do Norte da Península para lidar com o nobre estrangeiro. As seitas ficaram felizes com o montante que oferecemos mas, quando chegaram no local, simplesmente rescindiram o contrato e bloquearam as comunicações conosco. Não sabemos o que aconteceu.
Simel ficou parado por alguns segundos, perplexo com a descrição de Tillus.
Linn, que estava furioso com sua falha recente, decidiu se pronunciar.
— Lorde Simel, por favor, deixe-me comandar algumas tropas e acompanhar os mercenários para o Oeste!
Simel pensou um pouco, mas acena a cabeça em discordância:
— Não. Apesar de não me sentir bem com isso, o Norte é mais importante no momento. As escaramuças estão aumentando e eu preciso de você para acalmar os ânimos de meus generais e vassalos acampados na fronteira.
— Sim, Lorde Simel!
O jovem Grão-Duque então liberou seu cavaleiro e sua maga e passou a discutir algo com seu conselheiro.
— Tillus, eu quero que você mande alguém de confiança para o Oeste. Investigue esse nobre estrangeiro, descubra tudo o que puder sobre ele!
— Sim, Lorde Simel — respondeu o velho — Devo mandar nosso homem matá-lo depois disso?
O jovem ruivo se levantava calmamente de seu trono, enquanto falava:
— Matá-lo? Não, não… Eu quero saber se posso trazê-lo para o meu lado antes.
— Entendo…
— Aliás — advertiu Simel — quem foi que disse que eu mandaria um homem?
— Hum?
…
Naquela mesma noite, no quartel general improvisado de Pedro…
— Com o incidente da ilha, tenho 130 almas capturadas. Vamos fazer uns testes agora.
O jovem Sargento-Mor estava sozinho no interior de seu quarto, com uma pranchetinha nas mãos.
O quarto era simples. Uma mesa, uma cama de solteiro no canto e um pequeno móvel perto da janela.
— Tudo bem, agora como eu faço pra ter meu exército? — murmurava sozinho o rapaz, antes de mover a mão pra frente e recitar um cântico antigo.
Uma grande quantidade de mana se acumulava ao redor das mãos de Pedro, formando um pequeno amontoado de luz mágica. Esse era um ritual complicado que seu mestre lhe ensinou.
Consistia em acumular uma grande quantidade de partículas de mana e depois comprimi-las a um nível quase subatômico. Depois de feito isso, bastava mirar e soltar, o que criaria uma enorme explosão. Mas claro, esse não era o objetivo de Pedro, ele só queria a mana comprimida. O motivo aparentemente seria revelado em breve.
Por um breve momento, Pedro sentiu que estava cada vez mais difícil controlar aquela grande massa azul. Mas foi aí que uma surpresa aconteceu. Assim, seu colar começou a brilhar e sua mente ficou instantaneamente mais clara. Parecia que o cérebro foi impulsionado pelo colar prateado.
Os minutos se passaram e aquele pequeno orbe de mana agora se tornou um grande vendaval, cobrindo toda a extensão do pequeno quarto.
Naquele momento, Pedro já estava há um fio de perder o controle de seu feitiço, destruindo todo o batalhão com a explosão residual, quando…
— Deu certo! Hahaha!
Não houve catástrofe.
Entretanto, àquela altura do ritual o rapaz já acumulara uma quantidade expressiva de cansaço mental. Mas isso não o impediu de comemorar freneticamente.
A tatuagem emitiu uma reação. Um forte brilho cobriu a pequena extremidade da bandeira e espada tatuadas no pulso do rapaz, absorvendo rapidamente toda aquela mana.
Zuuup! Zuuup!
Alguns poucos segundos se passaram até que toda a mana fosse absorvida. E então…
— Tá bom, é agora que convocarei meus exércitos, trazendo ordem ao caos e me tornando o Rei do Novo Mundo! Muhahahaha!
O rapaz reprimido estava, de fato, muito frenético. Queria soltar toda a angústia e frustração acumuladas em seu coração ao longo desses últimos anos.
Infelizmente, a pequena tatuagem não respondeu bem como ele queria…
— [O anfitrião rompeu o bloqueio]
— [O anfitrião acumulou o número de almas necessárias para abrir um portal]
— [O anfitrião pode ir para uma dimensão menor e recrutar soldados. O preço por unidade varia conforme o grau de poder da unidade.]
Diante daquele emaranhado de informações jogadas pela antiga voz, Pedro se sentiu desnorteado.
— Portal? Bloqueio? Dimensão menor? Preço por unidade? Espera! — gritou o rapaz — QUE DROGA É ESSA?!
Mas a voz foi irredutível.
— [Anfitrião deseja abrir um portal para uma dimensão menor agora?]
— Que miquinhos me mordam! Tsc! Dane-se! — amaldiçoou o rapaz, antes de decidir:
— Eu quero!
— [Por favor, escolha o mundo!]
Uma lista de opções então apareceu na frente de Pedro, que, sem titubear, escolheu a primeira.
— [Portal aberto! Anfitrião será mandado para Oblivion em 3… 2… 1…]
— O quê?! Já? Espera, eu preciso de preparativos e…
Pedro não teve a chance de completar sua súplica. E, naquela hora, um clarão repentinamente apareceu na frente do rapaz, o deixando cego momentaneamente.
Ele então apagou por alguns segundos, antes de acordar e ver algo absurdo de inacreditável.
— Mas que merda é essa? — questionou, ao reparar o seu entorno.
O céu tinha um tom azul-marinho profundo, e o sol brilhava fortemente.
Olhando ao redor, Pedro percebeu que estava em uma espécie de Coliseu romano. O local era feito com uma espécie de mármore, com vigas nas laterais circulares e um grande espaço no centro.
Naquele espaço, estavam Pedro, que havia acabado de recuperar seu senso de direção, e mais uma dezena de soldados trajados com uniformes romanos.
Um deles veio à frente de Pedro e disse:
— Saudações, aspirante! O teste começará em breve!
— Oi? — perguntou Pedro — Quem é você? Que teste?
Entretanto, diante dos questionamentos do rapaz, o homem apenas disse:
— Esse é o Teste do General dos Remulus. Boa sorte, aspirante!
Ele então deu alguns sinais de mão para os homens atrás dele, que correram rapidamente em direção às portas laterais daquele grande pátio central.
Pedro estava confuso, enquanto o homem soltou um grito em direção aos agora dispersos grupos de soldados que estavam na frente daquelas portas laterais.
— Iniciem o Teste da Coragem! — ordenou ele, antes de se retirar do palco.
Pedro tinha muitas dúvidas, mas diante da proatividade e eficiência dos soldados remulus, ele não teve escolha senão guardá-las para mais tarde e se colocar rapidamente em posição de combate.
As grades das portas então começaram a se levantar e rugidos frenéticos foram ouvidos logo em seguida.
— Leões? — comentou Pedro — Hãn?! Mas que interessante…
Na realidade não eram leões.
Não leões normais, pelo menos. Afinal, esses animais tinham o dobro do tamanho de um leão normal e sua pele tinha uma tonalidade vermelha, pura e densa.
Assim, Pedro primeiro tentou lançar um feitiço nos animais para atrasá-los, mas…
— Tsc! A concentração de mana daqui é muito escassa. Não vou conseguir usar minhas labaredas escarlates.
Naquele momento, Pedro reparou também que não era apenas a mana que faltava, mas suas roupas também! Ele atualmente estava desprovido de qualquer vestimenta, bem como quando chegou a Ark!
Diante da falta de recursos mágicos, Pedro resolveu utilizar-se de outra estratégia.
— Venham, leões de neméia malditos!
Ele então usou os pés para ganhar impulso e se atirou de peito aberto em um daqueles monstros.
Com um forte giro, segundos antes de chegar perto do animal, Pedro sacou seu punho, mirando bem no centro da cabeça da criatura. Um golpe sem compaixão.
Pah!
Mas para sua surpresa, a cabeça continuou lá, quase intacta. Apesar de o pesado animal sair voando com o soco e bater com tudo em uma das paredes das arquibancadas.
Zuuum! Booom!
Pah!
— Esse maldito tem uma cabeça dura! É a primeira vez que alguém resiste a um golpe sério meu!
“Sem ser o mestre, claro!” completou mentalmente.
Pedro queria finalizar o animal, dando outro de seus “golpes sérios”. Entretanto, ele foi cercado pelos outros dois animais do bando.
Depois de ver de perto o destino cruel de seu companheiro, os dois decidiram usar de cautela. Eles estavam circulando ao redor do rapaz, espreitando, em busca de alguma abertura.
O outro companheiro, ainda zonzo e com muita poeira grudada em seus pelos, se juntou a eles.
Pedro deixou que se reunissem tranquilamente, antes de iniciar sua manobra.
Ele então deu um forte impulso no chão da arena, mirando num ponto cego entre dois dos leões.
Chutes e rasteiras foram distribuídos em massa naquele lugar.
Pah!
Um dos leões voou para a arquibancada novamente, enquanto o outro foi jogado para cima com o forte golpe.
O último leão tentou se esquivar, mas foi rapidamente acertado pelos chutes violentos do rapaz.
Pah! Pah! Pah!
Os outros dois companheiros felinos rapidamente se juntaram à surra. Entretanto, não importava o quanto Pedro batesse, chutasse ou os arremessasse, eles se recuperavam rápido, ficando em pé novamente em alguns minutos apenas.
— Eu poderia derrubar umas vinte montanhas com essa sequência! — comentou o rapaz.
Algumas dezenas de minutos se passaram daquela forma, mas o resultado permaneceu o mesmo.
— ARGH! SEUS MERDAS!
Pedro já estava se sentindo inconformado com aquilo tudo. Já havia tentado de tudo e nada funcionou.
— Se ao menos eu tivesse algo pontudo para apunhalá-los ou mana o suficiente para queimá-los vivos! Tsc! Como raios Hércules fez para matar o maldito leão?
Ao reparar o que acabou de dizer, Pedro teve uma epifania.
— É isso! Como eu me esqueci de algo tão básico?! Haha!
Pedro então esperou que as três feras se reunissem novamente em sua frente, mostrando suas enormes presas e partindo pra cima dele, antes de agir.
— Experimentem, bastardos! Meu golpe supremo! Haha!
Ele então abriu os braços, saltou por cima dos leões e juntou seus braços ante aquelas três dantescas feras, em um abraço forte e apertado com toda sua força. O rapaz só parou de apertar quando conseguiu unir as duas mãos em volta dos três grossos pescoços.
— Agora entendo por que chamam isso de mata-leão! Hahaha! — gritou Pedro, ao sentir os animais se debatendo em seus braços.
Alguns bons minutos se passaram daquela forma, antes que Pedro fosse capaz de sentir os animais se acalmando lentamente. Ele então os soltou e em pouco tempo eles acabaram caindo no chão, já sem vida.
Pah! Pah! Pah!
Naquela mesma hora, tambores soaram do alto. Junto a uma voz áspera e firme.
— O aspirante concluiu o Teste da Coragem! Iniciem o Teste da Força!