Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 19
— Iniciem o Teste da Força!
Ao gritar essas palavras, o homem com a coroa de lírios se afastou, pulando para uma das arquibancadas do grande Coliseu.
Seus homens também se retiraram, saindo pelas portas laterais.
Alguns minutos se passaram daí, quando vários homens fortes e sem equipamento completo começaram a sair para o pátio.
Esses homens vestiam apenas partes de equipamentos, mas todos portavam armas pesadas feitas de ferro, couro e aço. Alguns tinham machados de duas mãos, outros portavam escudos e gládios. Eram cerca de cem ao todo.
Pedro os observou atentamente, enquanto eles se agrupavam em pequenas frações. Os que tinham escudos ficavam à frente, enquanto os que tinham lanças e machados pesados ficavam atrás.
Várias falanges foram se formando, antes que Pedro resolvesse agir.
Ele então se atirou para cima de um desses pequenos grupos, rompendo o cerco. Um detalhe a se destacar é que ele ainda estava completamente nu e desarmado.
Tomando um forte impulso com a perna, o rapaz se atirou por cima do alcance das lanças, pousando na parte traseira da falange.
Ele então deu uma forte rasteira em um dos homens de machado.
Pah!
O homem caiu duro, de cara no chão.
— Parece que eu ganhei um machado! Haha!
Ao contrário das expectativas do homem que vestia a coroa de lírios, o rapaz parecia estar se divertindo muito com o teste.
— Por Júpiter! Este jovem é a encarnação do próprio Marte! — comentou.
No campo, Pedro praticamente dizimou a pequena falange da retaguarda. Até ser interrompido pelos outros grupos ao seu redor.
— Ataquem-no pelas laterais! Mantenham distância entre as falanges! Não deixem que ele ataque pela retaguarda! — gritava um forte homem, em um dialeto estranho e incompreensível para Pedro.
O bárbaro tinha dois gládios nas mãos.
Eles fizeram como ordenado, mantendo distância entre os grupos e atacando Pedro com um ataque de pinça.
— Tsc! Bastardos inteligentes! — reclamou ele, enquanto desviava de um grande machado.
Zuuum! Vuuum!
Pedro fazia movimentos estranhos, quase irreais, para desviar dos ataques daqueles gladiadores.
Era uma mistura de artes marciais chinesas e… jiu jitsu?
Naquele momento, quatro homens com escudo correram em linha reta, na direção do rapaz.
— Esses idiotas querem me atropelar? — pensou Pedro.
Ele então fez algo inusitado.
Circulando o máximo da escassa mana que encontrou naquele local para o punho, Pedro se atirou com tudo naquela retroescavadeira de escudos.
Pah!
Um único golpe e restaram apenas quatro escudos quebrados e mais um punhado de sangue no chão.
— Desgraçado! — amaldiçoaram os homens ao redor, em um frenesi absurdo.
Eles desistiram de sua antiga formação, se reagrupando para uma estratégia de ataque em horda.
— Escudos na frente! Machados nas laterais! Gládios de suporte! Não importa se é a encarnação do próprio deus da Guerra! Vamos acabar com esse desgraçado! — ordenou aquele mesmo homem forte com os gládios.
Diante do ataque de onda, Pedro se viu sem saída pela primeira vez.
Zhiiiin! Zhiiin!
Não importava o quanto ele cortava, estocava ou apunhalava, eles pareciam intermináveis.
— Como é que pode!? Pouco mais de cem míseros malditos, e mesmo assim estão me dando esse trabalho todo! Tsc! Se eu ao menos pudesse usar o grito ancestral….
Enquanto se lamentava, Pedro seguia cortando, desviando e cortando de novo. Inevitavelmente, ele foi atingido algumas vezes pelos fortes golpes dos gladiadores.
Zhiiiiiin!
— Merda! Essa é a primeira vez fora do treinamento que eu perco sangue!
Extremamente irritado com a estratégia do bando, Pedro decidiu mudar suas táticas.
— O mestre ensinou uma vez, quando a estratégia falha, só uma coisa resta: a força bruta! — comentou Pedro, antes de se atirar com tudo pra cima do mar de homens.
Ele então fez um rápido giro e atirou seu machado na direção deles.
Pah!
— CONTEMPLEM, SEUS MERDAS! O PODER DA PORRADA! MUHAHAHA!
Vendo aquele buraco na formação dos gladiadores, agora com cadáveres mutilados, sangue e tripas, Pedro nem sequer piscou. Ele explorou, aproveitando o curto espaço de tempo formado pelo choque dos companheiros de suas vítimas para fazer mais vítimas.
Pah! Pah!
Com dois fortes golpes, ele matou mais um homem desprevenido e roubou seus dois gládios.
— Esse era dos grandes! — comentou Pedro, olhando para o cadáver desfigurado.
Os homens ao redor ficaram em choque.
— ELE MATOU O CHEFE!
Ao perderem o único homem com capacidade de liderança, o resultado se tornou irrevogável. Pedro começou a dizimar os gladiadores, agora sem organização.
Zhiiiiiin! Zhiiiiiin! Pah!
Algumas dezenas de minutos se passaram, quando enfim só restou um homem de pé na arena do Coliseu.
— Que trabalhoso é matar sem usar mana. Ahr… fiquei muito dependente do meu grito ancestral, preciso melhorar minha técnica marcial!
Observando a figura resoluta do rapaz de cabelos castanhos, com feições celestiais e parcialmente coberto de sangue, os soldados com armadura romana não puderam deixar de suspirar.
— Olhem! É o Apóstolo do deus Marte! — comentou o homem com a coroa de lírios.
Os soldados então decidiram se reunir com o rapaz no centro do Coliseu.
Pedro ficou sem saber como agir diante da aproximação súbita de várias centenas de homens com armadura romana nas portas laterais do Coliseu.
Eles o cercaram e, enquanto o rapaz estava para se colocar em posição de combate, algo surpreendente aconteceu.
— Contemplem o Apóstolo de Marte! Senhor da Guerra dos Remulus! — saudou um homem no centro da formação.
Conforme aquele homem ia se aproximando, os demais soldados abriram caminho, ficando em posição de sentido enquanto ele passava.
O homem se destacava dos demais por usar uma coroa de lírios, típica dos cônsules e césares romanos.
Ficando cara a cara com o rapaz de aparência celestial, o homem fez uma icônica saudação. Batendo a mão fechada no centro do peito e em seguida a erguendo em linha reta, ele diz:
— Ave Marte! Ave Remúlia!
Os demais o copiam, fazendo a mesma saudação e gritando:
— Ave Marte! Ave Remúlia!
Escutando aquele dialeto incomum dos Remulus, Pedro teve um insight.
“Bem como eu suspeitava, eles estão falando em latim.” pensou.
Essa foi de fato uma ocasião feliz, pois Pedro sabia falar latim.
“Estudar em uma boa universidade faz a diferença…” refletiu internamente o rapaz, antes de dizer, também em latim:
— Saudações! Quem pode me dizer o que acabou de acontecer aqui?
Mas os soldados continuaram em silêncio e o único a se pronunciar foi o homem de lírios.
— É nossa glória, saudoso apóstolo! — disse, fazendo uma pequena pausa antes de explicar:
— O Apóstolo acaba de superar totalmente os Três Testes do Desafio do General. Reconhecemos o senhor como Apóstolo de Marte, e Senhor da Guerra de Remúlia!
Pedro ficou desnorteado com a explicação, seu latim estava enferrujado, mas preparou algumas palavras em resposta.
— Você disse que passei nos três testes. Entretanto, eu só me lembro de você se referindo a dois testes…
— Foram três testes — interrompeu o homem — O primeiro: Teste da Coragem. O segundo: Teste da Força. E o terceiro: Teste da sabedoria.
Fazendo as contas com os dedos, Pedro questionou:
— Teste da sabedoria? Não me lembro desse.
O homem respondeu sem titubear:
— Esse teste não foi necessário! No campo de batalha, estratégias são mesmo muito úteis, definem o ritmo dos combates, e muitas vezes são o limiar que separa quem ganha de quem perde. Entretanto…
— Entretanto…? — repetiu Pedro, indicando que o homem devia continuar.
O homem de lírios então encarou diretamente os olhos do rapaz, dizendo:
— Não importa o quão brilhante seja a estratégia e nem quão sábio seja o general, diante da força bruta e do poder interminável advindo do próprio Marte, a vitória se torna um mero sonho! Completamente inalcançável!
Ele então se ajoelhou, apoiando-se sobre uma perna.
— Ave Marte! Ave Remúlia!
Os outros homens o seguiram, também se colocando sobre um joelho e repetindo a saudação.
— Ave Marte! Ave Remúlia!
O rapaz, ainda nu e manchado de sangue, coçou levemente a cabeça. Ele simplesmente não sabia o que fazer diante dessa situação.
“Tá bom, isso nenhuma faculdade de Direito ensina…” pensou.
A situação durou alguns minutos, até que Pedro decidiu se pronunciar:
— Tudo bem, se vocês me chamam de Marte, então que seja! A partir de hoje, pra vocês eu sou Marte!
O que se deu a seguir foi uma ovação de escala pantagruélica.
Os soldados, histéricos, começaram a gritar e a clamar Pedro como seu mais novo Senhor da Guerra.
— Ave Marte! Viva ao Apóstolo! — gritou um homem.
— Ave Marte!
— Ave Marte!
…
Algumas horas depois, em um grande palácio de estilo romano, Pedro estava reunido com o homem de lírios, acompanhado de alguns homens vestidos com togas.
— Senhores magistrados, ilustríssimos senadores, eu lhes apresento o Apóstolo de Marte! — falou o homem de lírios.
Os outros presentes eram mais velhos, provavelmente os homens mais importantes daquela sociedade.
Pedro, agora estava vestido com uma bela armadura romana (ou remuliana, talvez?) junto com um belo manto feito com a pele dos leões, e se preparava para falar.
— Senhores, deixe-me ver se entendi. Tem uma profecia que diz que, uma vez por milênio, um herói, bravo guerreiro, ou um novo deus aparece. Às vezes as três coisas, ao mesmo tempo. E essa pessoa lidera os remulus para a glória…
— Sim, bravo apóstolo! — respondeu um senador.
Pedro então refletiu um pouco, antes de dizer:
— Mas vocês já não dominaram todo esse mundo?
Isso era verdade. Os remulus já haviam dominado toda Oblivion, restando poucas regiões selvagens, que não eram do interesse de Remúlia. Caio Júlio, o homem com a coroa de lírios que Pedro encontrara antes, era o atual Imperador de Remúlia, e por consequência ele era também o senhor de toda Oblivion.
— Saudoso Apóstolo — interrompeu Caio Júlio — já dominamos este mundo, de fato. Entretanto, entendemos que só este pobre local pode não satisfazer a necessidade dos deuses.
— E o que você quer dizer é…
— Sim, nós sabemos que o herói que vem a cada milênio é capaz de viajar entre mundos. Só ele pode espalhar a glória do nosso povo pelo universo!
Pedro então escutou uma pequena explicação sobre a origem desse fato. Aparentemente, os remulus receberam uma espécie de termômetro dos “deuses”, capaz de medir a capacidade do herói milenar.
Entretanto, algo muito estranho aconteceu na vez de Pedro.
— Vocês estão dizendo que esse negócio explodiu? — questionou.
— Sim, ilustre Apóstolo — respondeu um senador.
— A profecia é clara: “quando o representante do deus vier, destruirá o padrão. Ele mesmo definirá um novo padrão e levará o povo a um novo mundo de glória e vitórias” — proclamou Caio Júlio.
Pedro não pôde deixar de pensar que essa profecia, nada clara, poderia ser útil para evitar explicações desnecessárias e decidiu aceitar o título atribuído a ele pelos remulus.
— Entendo… bom, parece que temos um acordo então — confirmou.
…
Depois de mais algumas explicações e bajulações por parte dos senadores e magistrados, o rapaz decidiu se despedir dos remulus e voltar a Ark.
Quando desbloqueou o portal a Oblivion, Pedro descobriu que era livre para ir e vir entre os dois mundos. A única condição era que ele pagasse sua passagem de ida com 100 almas menores.
O que eram as “almas menores”? Bom, Pedro não sabia. Ele só sabia que agora tinha 27 delas, e mais três almas de um outro tipo desconhecido.
O método de ganhar almas era bem simples.
— Cara, vou precisar mudar minha estratégia. Preciso fazer que mais pessoas me ataquem! Preciso de mais almas!
Esse comentário macabro poderia também ser dito por um shinigami, ou uma succubus, mas foi dito por um jovem rapaz, que agora vestia suas tradicionais roupas militares.
Os remulus também explicaram como Pedro poderia fazer para convidá-los a este mundo.
— Um soldado normal custa uma alma, não importando se é arqueiro, lanceiro ou se usa o gládio. Oficiais e superiores estão fora de questão por enquanto. Tudo bem!
Pedro esticou a palma da mão e repetiu um brocardo em latim, ensinado pelos remulus.
Um clarão então se formou, e um homem de armadura apareceu na frente do rapaz.
— Ave Marte! — disse o homem, fazendo a saudação.
— Ave! — repete Pedro.