Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 21
Na mesma noite em que Pedro massacrava os mercenários de Simel, Edward organizava os últimos preparativos para o plano…
Em seu escritório havia uma grande mesa, com um mapa em cima. Ao redor daquela mesa estavam cinco homens vestidos com roupas camufladas pretas, escutando as ordens do próprio Edward.
— Vamos nos reagrupar aqui! — apontou — Enquanto a equipe Alfa cuida do ponto “X”, a equipe Gama ataca pela vanguarda. Entendido?
— Sim, meu Lorde! — responderam em uníssono quatro daqueles cinco homens.
— Entendido, Edward! — respondeu o quinto homem.
O jovem Grão-Duque então cruza os braços, se colocando de frente para os cinco e dizendo:
— Tudo bem, todos os detalhes estão acertados! Dito isso, eu declaro iniciada a “Operação Penhora”!
— Sim, meu Lorde!
Após as palavras de Edward, os quatro homens se dispersaram. Entretanto, o quinto homem ainda assim permaneceu lá, imóvel.
— Alberto, não duvido de sua capacidade, mas só para confirmar, tem certeza que não precisa de ajuda para executar a missão? Você pegou a parte mais difícil, e mesmo assim recusou ajuda…
— Isso não é necessário! — interrompeu Beto — Tenho ordens para não me afastar muito de você, então essa missão é a ideal!
— Se você diz…
Assim, antes que Edward pudesse dizer qualquer outra coisa, Alberto desapareceu.
Zup!
Correndo loucamente por entre as árvores e arbustos que enfeitavam o grande jardim da propriedade de Edward em Gloomer, Alberto se aproximava de alguns guardas de sentinela, enquanto preparava sua adaga negra.
— A noite tá muito sinistra hoje, olha! Não tem lua! — comentou um dos sentinelas, completamente aquém do caos que se aproximava.
— Yep, — assentiu o colega — Tem muitas nuvens hoje e…
Mas o segundo homem sequer teve tempo de responder, quando a faca afiada transpassou sua garganta. A lâmina o adentrou bem pela parte de trás da nuca, dilacerando completamente o esôfago e dividindo em duas a traqueia do pobre sentinela.
Shiiiiiiin! Zip! Shiiiiiin!
— Vo-voc….
Shiiiiiin!
E não tardou muito, até que o sentinela restante tivesse o mesmo destino cruento de seu colega cadáver. A diferença é que dessa vez Alberto o atacou de frente, enquanto ele ainda se virava com o susto.
— Gloup! Goup…. mi-minha…
O pobre homem, já no chão, morreu afogado pelo próprio sangue.
Enquanto isso, Alberto mantinha o habitual semblante calmo e inexpressivo, enquanto se movia por entre as árvores em busca de mais vítimas.
Vira e mexe, Beto retirava um pequeno pingente do peito. Ele olhava para aquele objeto, dava algumas poucas lufadas de ar e então retornava ao seu frio e inexpressivo semblante habitual.
Era nítido que aquilo era muito importante para ele, por algum motivo desconhecido.
Mas a noite não se resumiu apenas aos fatos citados. Pois enquanto Beto limpava a mansão, no centro da cidade, outro evento importante acontecia.
— Capitão, todos os guardas inimigos foram abatidos! — reportou em voz baixa um dos homens camuflados.
— Ótimo! Flik, passe a caixa com a “carta precatória” pra cá!
— Aqui, senhor! — responde um outro homem, que retirava cuidadosamente um pequeno recipiente de madeira e cobre de sua bolsa.
Ele então recebe o pacote e o abre cuidadosamente, verificando rapidamente o conteúdo, antes de fechá-lo novamente.
— Senhor, tem certeza que isso é seguro?
— Francamente, eu não tenho a mínima ideia! — respondeu — Isso foi algo que o Lorde Conselheiro nos entregou pessoalmente. Ele disse que é uma substância altamente explosiva e…
— Ah sim — interrompeu um outro homem — Eu o escutei dizendo que no leste eles chamam isso de “trinitrotolueno”, ou algo assim…
— Que nome estranho! — comentou Flik.
— Sim, acho que foi por isso que ele mudou pra “carta precatória”. É mais bonito!
— Eu só queria saber o que significa “carta precatória”….
Estes homens não entendiam, mas esse era certamente apenas outro dos vários trocadilhos jurídicos que Pedro inventou. Afinal, uma carta dessas não é algo que as pessoas gostam de receber.
Realmente, advogados têm um senso de humor trágico muito peculiar.
— Ei! Vocês aí, atenção! — interrompeu o capitão, que nesse momento colocava o que se parecia com uma linha fina na ponta da caixa.
Os homens então encerram a conversa, se concentrando unicamente em preparar mais daquelas “cartas precatórias”.
— Flik, vá com o Roly e o Jota para a área norte! Coloque três “precatórias” na viga central da prefeitura e envie a confirmação. Depois, recue rapidamente para a base! Nos encontramos mais tarde! Entendido?
— Sim, senhor! — respondeu o soldado, saudando rapidamente e saindo logo em seguida.
Enquanto os três homens se moviam para o norte, o capitão da guarda de Edward ordenava o restante de seus homens, enviando-os com mais “precatórias” para diversas construções importantes da cidade.
Algumas horas se passaram, antes que a confirmação viesse.
Shiuuun! Poft! Poft!
Naquele momento, diversos fogos de artifício foram disparados de diversos pontos sobre o céu de Gloomer, quase que ao mesmo tempo.
— Capitão, olha! É a confirmação!
Zhiuuuuun! Poft!
— Estou vendo! Ative logo a precatória e corra rápido daqui! — ordenou.
E o homem assim o faz, atirando fogo sobre o pavio atrelado à pequena caixa. Quando o pavio se acendeu, eles rapidamente saíram dali.
Eles pareciam desesperados. Corriam muito rápido!
Era como se suas vidas dependessem daquilo.
— Corram, homens! CORRAM! — gritava o capitão.
…
Alguns minutos antes dos fogos, na mansão de Collins…
— Ó, conde Armellius, admito que fiquei muito surpresa com o convite repentino! Mas, chegando aqui, pude perceber o motivo de sua fabulosa intenção! — comentou uma senhora nobre.
No salão de festas da mansão estavam presentes todos os membros importantes da alta-nobreza do Oeste. Ou pelo menos os que moravam em Gloomer, claro.
— Diga, madame Cleude, qual intenção eu teria para convidar a todos para esse banquete repentino? — pergunta Collins, com um tom amigável.
— Conde Armellius não é muito sutil, — Ela respondeu — o único motivo que posso pensar é que nossas tropas já chegaram na cidade rebelde!
— Se é que podemos chamar aquilo de cidade, não é mesmo? Hohoho! — complementou.
Apesar da piada de mal gosto da velha madame nobre, o restante dos presentes começou a dar pequenas gargalhadas. Provavelmente porque coadunavam com a opinião.
No geral, membros da aristocracia tendiam a ser arrogantes. Suas vastas terras, o prestígio social e a grande fortuna os permitia viver em um mundo muito distante do dos plebeus, fazendo com que se sentissem donos de tudo. Eram presunçosos até o osso!
Por óbvio, os de Gloomer não poderiam ser diferentes.
— Sim, acho que depois da guerra deveríamos renomeá-la, que tal Vilarejo de Jamor?
— Ora, que nome esplêndido! Hoho…
Ouvindo silenciosamente aquela discussão até agora, Collins decide voltar a se pronunciar.
— Caros lordes, queridíssimas ladys. Um minuto de sua atenção, por favor!
Restaurando o silêncio e reunindo toda a atenção dos nobres para si, o lorde prefeito continua:
— Como vocês sabem, há dois meses atrás, nossas tropas vieram de todo o Oeste e se reuniram aqui para lutarmos contra os desmandos do Lorde Conselheiro.
— Sim! Aquele estrangeiro safado! Ele quer nos roubar! — gritou um nobre.
— É isso mesmo. Ele tentou roubar a pureza da minha filha!
— Da minha também! Aquele safado! — reclamou outro nobre.
Antes que uma fila de nobres insatisfeitos pudesse se formar, Collins decide intervir, voltando com seu discurso.
Cof! Cof!
— Ehr… Senhores, tenho certeza que todos estamos insatisfeitos com as atitudes do Lorde Conselheiro. Por isso, decidi reunir todos nesse humilde banquete! Tenho notícias muito boas para contar!
— O que houve, conde Armelius? — perguntou um velho nobre.
O prefeito então se coloca no centro da pequena multidão, dizendo:
— Semana passada eu recebi uma mensagem do Leste, Lorde Simel enviará reforços para nossa causa! E eles já devem estar chegando!
Após a notícia, uma pequena euforia se formou no salão.
— O quê?! Lorde Simel nos apoia?!
— Já vencemos a guerra! Haha!
Os convidados estavam prestes a propor um brinde, mas foram interrompidos por fortes luzes que estouraram no céu.
Zhiiuuuun! Poft!
— Olha, fogos!
— Que lindo…
Infelizmente para aqueles aristocratas, o espetáculo no céu revelaria ser o prelúdio de um show pirotécnico de horrores.
Booooooom! Boooooom!
— O que foi isso?! — questionou uma dama nobre.
Booooom! Boooom!
Os altos ruídos das explosões assustaram totalmente os presentes.
— AAAAHHH! — gritaram.
Alguns deles foram até as laterais do grande salão, para olhar pelas janelas.
— OLHEM! A PREFEITURA FOI DESTRUÍDA!
— O QUE?!
— QUEM FEZ ISSO?! — Eles questionaram.
Mas antes que alguém pudesse chegar a qualquer conclusão, mais explosões começaram.
Booooom! Boooom!
— A MANSÃO DO CONDE MATHIUS! ELA FOI EXPLODIDA!
— OLHA! O QUARTEL CENTRAL! DESAPARECEU!
— MEU DEUS, OS MUROS DA ÁREA NOBRE CAÍRAM!
— AAAAAH!
Algumas pessoas ficaram preocupadas com seus parentes e posses, e decidiram ir correndo de volta para suas casas. Entretanto, naquele momento, algo bloqueia sua saída. Ou melhor, alguém…
— ABRA E DEIXE-ME SAIR! AGORA! — gritou um nobre.
Mas o homem permaneceu impassível na frente das portas, sem responder e muito menos sem dar sinal de abri-las.
— SAIA! EU PRECISO VER MINHA FILHA! — gritou uma mulher.
— VAZA, INSETO! EU QUERO VER MEU PAI! — exclamou um jovem nobre.
— SE VOCÊ NÃO SAIR AGORA, VOU MANDAR AÇOITÁ-LO DEPOIS!
Contudo, mesmo diante das ameaças dos nobres, o homem permanece imóvel e sereno, dentro de suas roupas camufladas.
Vendo que ele não se moveria, os convidados decidiram empurrá-lo. Entretanto, eles jamais previram o que se sucederia com essa escolha.
Naquele momento, uma aura fria e opressora tomou conta do lugar.
— Quem passar por mim, morre! — avisou o homem.
Alguns vacilaram após aquela ameaça de morte, mas outros decidiram arriscar a sorte.
— Você é que vai morrer! Hump! Espere só, eu voltarei com meus guardas e te matarei em público aqui! — disse o aristocrata antes de avançar em direção a saída.
Shiiiiiiiiiiiin!
Um corte rápido e preciso. Consequência: um cadáver sem cabeça no chão.
— AAAAAH!
— ELE MATOU LORDE SLLIN! ELE MATOU!
Diante daquele alvoroço, um homem se vira em direção ao homem gordo, gritando:
— COLLINS, ONDE ESTÃO OS SEUS GUARDAS?!
Recebendo o questionamento, o prefeito percebe algo.
“É mesmo, o-os guardas!” lembra, antes de gritar: — GUARDAS! GUARDAS!
Os segundos se passavam, mas não importava o quanto ele gritasse, os guardas não respondiam.
— DROGA! CADÊ OS MALDITOS? — xingou.
Em meio ao caos completo, alguns corriam em direção aos cantos, tentando sair pelas janelas e pelas portas traseiras do recinto. Mas, naquele mesmo momento…
Trint! Trint! Poft!
Sons de cacos de vidro soaram, juntamente ao barulho de telhas sendo quebradas. Em conformidade com os sons, várias cordas caíram do teto e vários homens camuflados começaram a descer por elas.
Outros adentraram pelas janelas, que também foram destruídas com o arrombamento.
Aqueles homens camuflados começaram a cercar os aristocratas, sacando suas espadas, bestas e punhais para afugentá-los. Eles não estavam entendendo nada.
— O qu-que tá acontecendo?!
— SAIAM! BASTARD….
Shiiiiiiin!
A cabeça daquele homem rolou, antes que ele tivesse a chance de completar seu palavrão.
— Mantenham-nos no centro do salão! — ordenou aquele que parecia ser o capitão.
— QUE-QUEM SÃO VOCÊS?! — questionou Collins, em um tom alto e em completo desespero.
Os convidados aristocratas estavam apavorados, eles não sabiam quem eram aqueles soldados camuflados, com peitorais e proteções de couro e extremamente bem armados.
Mas naquela hora, a porta da frente do salão se abre e dois jovens passam calmamente por ela.
Ou melhor, um deles passava calmamente por ela, enquanto o outro andava com passos cambaleantes, segurando firmemente a espada completamente ensanguentada que estava em suas mãos.
— Ahr… — Ele suspirou — Dessa vez vocês me decepcionaram bastante, meus vassalos…
Olhando para o olhar vazio e sem vida nos olhos do jovem rapaz, os nobres não puderam deixar de se assustarem fortemente.
— Lorde Edward! — exclamaram em uníssono alguns deles.
Vendo que aquele que armou tudo era o jovem Grão-Duque, a maioria dos já confusos aristocratas ficou sem compreender completamente nada.
“Ele não estava em cativo em sua casa?!” pensaram.
Um deles, que outrora implorava aos guardas por sua vida, agora decidiu agir de forma valente.
— Maldito pirralho! Dessa vez você foi longe dema…
— SILÊNCIO! — interrompe Edward — VOCÊS JÁ FALARAM DEMAIS! JÁ FIZERAM DEMAIS! A PARTIR DE HOJE, VOCÊS NÃO FALARÃO MAIS NADA! NÃO FARÃO MAIS NADA!
A aparência ensanguentada e cansada do jovem Lorde ajudou a criar uma atmosfera de tensão, o que, junto ao grito furioso dele, fez com que os presentes imediatamente calassem suas bocas, engolindo a saliva no processo.
Glub!
— Vocês foram gananciosos e tentaram passar por cima da minha autoridade. Vejam! Essa foi a consequência dos atos de vocês!
Ele então apontou para as janelas, agora quebradas, e permitiu que os presentes olhassem para o caos e a destruição nas ruas que circunscreviam as grandes construções de Gloomer.
A área nobre estava uma bagunça! Irreconhecível!
Além disso, olhando bem, dava pra perceber os vários cadáveres de guardas e soldados que estavam no chão. O cheiro de sangue fresco, suor e excreções adentrou o local, deixando as damas e os homens mais fracos enjoados.
— ISSO É TRAIÇÃO! — gritou um homem.
Edward imediatamente se vira para ele, encarando-o com um olhar sério.
— Você ousa falar? Mesmo quando eu ordenei o silêncio?!
Shiiiiiin! Shiiiin!
— AAAAAAH!
Shiiiiin!
Edward dilacera o homem com vários golpes. Brutal e implacável. Ele nem piscou quando fez isso, embora seu semblante estivesse horrível.
Não parecia que fazer isso era algo que lhe agradasse muito.
Mas, mesmo assim, ele só parou quando o homem caiu no chão, morto pela perda excessiva de sangue.
Cambaleando muito, e usando a espada como apoio, o jovem lorde proclama:
— A partir de hoje, eu declaro extinto o sistema de prefeituras no Oeste! Todas as cidades terão governadores escolhidos diretamente por mim!
— I-isso…
Alguns chiados começaram, mas Edward não permitiu que eles continuassem.
— EU NÃO ACABEI! — gritou.
Vendo-os apaziguados por sua atitude imponente, ele continua:
— Todos os nobres que estiverem diretamente envolvidos nessa afronta vão ter que escolher: perder seus títulos e posses ou então suas cabeças!
Aquilo foi um choque, mas não o fim da sentença, pois Edward continuou:
— E eu também não esqueci do aumento nos impostos. VOCÊS AGORA PAGARÃO O TRIPLO EM JUROS!
Naquela noite, Edward estava muito diferente do jovem e inexperiente grão-duque que Pedro e Beto conheceram meses atrás. E não foi apenas a nova postura que ele ganhou com a vitória nessa batalha.
Edward também parecia ter perdido algo importante aquela noite.
De fato, essa vai ser uma madrugada bem longa para os aristocratas e Gloomer…