Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 22
Dois dias depois, em uma tenda de comando bem grande e chamativa…
— AQUELE MALDITO NOBRE ESTRANGEIRO! — gritava um velho.
— Ele foi sorrateiro! Atraiu nossos exércitos para longe, aí tomou nossas posses e fez nossas famílias de reféns!
— MALDITO! — amaldiçoava um outro velho.
Enquanto os generais amaldiçoavam e xingavam na tenda de comando, oficiais mensageiros corriam por todo o campo em suas velocidades máximas.
O acampamento dos nobres golpistas estava muito agitado.
Um desses mensageiros fez um desvio, correndo direto para onde estavam os velhos generais.
Ofegante, ele adentra a tenda e diz:
— Meus Lordes! Os rebeldes explodiram a área norte! O campo desmoronou! Nossos homens…. nossos…
Os velhos ficaram pasmos. Surpreendidos pela notícia repentina.
— Diga logo soldado! — exclama um deles, indicando que queria que ele continuasse o relatório.
— Nossos homens foram soterrados pela explosão! Perdemos pelo menos três companhias!
— O QUÊ?! — exclamaram em uníssono os outros generais.
Inconformado, um deles vira a cabeça para aquele quem estava no centro da grande mesa, e diz:
— Lorde Inneus! Com mais esse ataque, são pelo menos mil e duzentas baixas! EM DOIS DIAS!
O velho para quem o oficial falava estava com um olhar assustado, mas mesmo assim permaneceu impassível. Contudo, lembrando de onde estava, ele se recompõe rápido.
Ainda tentando esconder seu olhar de consternação, o velho responde:
— Acalmem-se! Seus idiotas! Vocês não estão vendo que eles estão jogando conosco?!
— Como assim? — pergunta um deles.
— Ora, perdemos quase um terço do nosso exército em dois dias, isso é verdade! — ele então se levanta, firmando mais ainda a voz — Mas também é verdade que aqueles miseráveis não ousaram fazer nenhum ataque frontal! Sabem por quê?
Eles permaneceram em silêncio, olhando atentamente para o experiente e sábio conde.
Vendo que seu discurso estava funcionando, o velho continua, respondendo rapidamente a própria pergunta:
— É porque eles não são fortes o suficiente para nos atacar assim! Por isso recorrem a essas táticas rasteiras e covardes!
Os demais oficiais comandantes parecem concordar.
— Aposto que são idéias daquele estrangeiro! — exclama um deles.
— Não resta dúvida! — concorda outro homem.
O discurso funcionou. Eles começaram a se acalmar.
— E o que o senhor sugere, Lorde Inneus? Eles têm Gloomer! Muitos de nós têm família e posses lá!
Recebendo a deixa, o velho homem parece pensar um pouco, antes de dizer:
— Tsc! Não podemos deixar suas famílias, mas também não podemos deixar que destruam nosso exército! Por hora, vamos recuar para a floresta, mandarei um mensageiro para Gloomer amanhã!
Escutando a proposta sensata do velho nobre, a maioria dos presentes concordou, não levantando objeções. Eles acreditaram no velho Inneus.
E esse foi seu erro.
Mal sabiam eles que, naquela mesma noite, aquela velha raposa pegaria todas as provisões, junto com a parte do exército que lhe era leal, e fugiria para o Norte com seu filho e alguns oficiais de confiança.
Na manhã seguinte, quando perceberam que tinham sido enganados por Inneus, os velhos nobres que outrora encabeçaram o golpe decidiram se entregar. Levantaram a bandeira branca e enviaram um mensageiro para Jamor.
O tempo passou e, com aquela súbita reviravolta, o Oeste enfim se acalmou.
Ao menos por enquanto…
…
Duas semanas mais tarde, uma grande cerimônia estava sendo preparada em Jamor.
A cidade estava eufórica!
Depois do incidente com as “cartas precatórias”, Gloomer já não era mais a maior cidade do Oeste. Esse título agora pertencia a Jamor, que recentemente iniciou uma série de novas construções.
Todos os antigos oficiais do alto escalão foram substituídos ou indicados por membros da emergente nobreza rural do Oeste. E Edward enfim criou o seu exército, que já não tinha mais o status de “clandestino” ou rebelde.
Mas isso não foi a única coisa que mudou no Oeste.
O jovem Grão-Duque usou de toda sua autoridade real e enviou um pedido escrito a seu pai. A carta era dividida em duas partes.
A primeira parte dizia respeito à destituição de posses e títulos dos nobres que tentaram aplicar o golpe, passando por cima de seu poder e autoridade ducal. Algo completamente inaceitável para membros da realeza.
Essa parte fora acatada sem maiores problemas pelo velho Príncipe de Mea. O problema era a segunda parte do pedido, sobre a qual Edward e Pedro debatiam nesse exato momento.
— Meu caro amigo, você sabe que eu gostaria de recompensá-lo melhor pela ajuda. Infelizmente, meu velho pai permanece intransponível quanto a isso.
Edward estava escorado sobre a grande mesa de seu novo escritório, que ficava no terceiro andar da prefeitura de Jamor. Não era uma cobertura muito alta, mas ainda sim dava para ver toda cidade dali.
— Já esperava por isso. Ele prefere seu irmão, afinal. — Pedro comenta, olhando para a janela.
— Sim, parece que Simel está se movendo pelas sombras. Ele provavelmente se assustou muito com o “sumiço repentino” de seus dois mil mercenários.
— Quando o assunto é se livrar de provas, nada é melhor do que fogo! — comenta o rapaz, tirando os olhos da janela.
Mas ao se virar e perceber o olhar sério e sombrio no olhar do jovem Grão-Duque, Pedro decide amenizar o clima.
— Foi só uma piada! Haha!
— Sim…
Pelo olhar decidido e tom de voz firme de Pedro enquanto falava, estava óbvio que aquilo não era uma piada. Ele falou sério mesmo!
“Como ele fez para incendiar dois mil cadáveres, sozinho e sem queimar toda a floresta junto? Aliás, ele matou dois mil homens sem nenhuma ajuda?! Como?” indagou-se Edward.
As dúvidas no coração do jovem grão-duque estavam aumentando. Contudo, isso não era importante agora. Ele iria investigar isso com calma depois.
Assim, depois de alguns segundos de silêncio constrangedor, Edward decide quebrar o gelo, falando:
— Eu não posso lhe dar um título de nobreza oficial. Mas pedi ao velho Mark que conversasse com alguns amigos do Ministério do Príncipe, e eles me deram a seguinte resposta…
Ele então entrega um documento a Pedro, junto com um pequeno carimbo e um anel.
— Baronete?! — questiona Pedro, ao abrir o documento.
— Sim, meu pai-real também já concordou. Afinal, nem ele ousa se opor ao desejo do próprio ministério assim, sem ganho nenhum. Tem muitos nobres e senhores feudais importantes lá.
Esses nobres e senhores feudais importantes dos quais falava Edward eram figuras influentes, espalhadas por todo o Principado. Por conta de suas posições junto ao Ministério do Príncipe e importância para o país em caso de invasões estrangeiras, eles não se envolviam muito na política interna. Tinham que conservar suas forças, afinal.
E parece que o próprio príncipe os proibiu de se envolver na sucessão. Ao menos diretamente.
Mas isso também não era importante no momento.
— Obrigado, Ed! De verdade! Haha! — se exalta Pedro, abraçando o um pouco mais alto Grão-Duque.
Edward realmente não estava entendendo o motivo daquela felicidade, mas na mente do rapaz, outras palavras mais maquiavélicas estavam sendo pronunciadas.
“Com um título nobiliárquico vai me ajudar a esconder meus massacres! Hehe! Mesmo sendo um de meia-nobreza, posso usar as conexões para conseguir mais espécimes para meus experimentos com almas. Hehehe…” Ele pensou.
A cada dia que passava em Ark, o rapaz se tornava cada vez mais inescrupuloso em relação às vidas alheias, principalmente às de seus inimigos e adversários políticos. Nesse momento, ele se assemelhava muito a seus consanguíneos do Clã.
Bom, talvez seja só a lei da selva falando mais alto. Em meio ao caos, só os fortes sobrevivem e Pedro sabia muito bem disso.
Mas talvez algo mais esteja acontecendo. Ainda é muito cedo para dizer, de qualquer forma.
Aliás, aquela conversa entre Pedro e Edward durou por mais algum tempo. Mal sabiam as pessoas comuns que naquelas próximas duas horas, o futuro do Oeste e de Mea estaria sendo decidido por aqueles dois jovens e ousados rapazes.
…
O tempo se passou, o verão acabou e agora a brisa fria e suave do outono dominava todo o Oeste de Mea.
Nesse momento, Pedro estava reunido com mais ou menos vinte e sete homens de estatura mais ou menos parecida com a sua.
Eles estavam em uma área verde que ficava próxima a uma pequena vila, a qual Pedro agora estava encarregado por conta de seu novo título nobiliárquico.
— Ahr… — suspira Pedro — O destino é uma coisa muito doida sô!
O rapaz refletia sobre os últimos acontecimentos de sua vida. Inicialmente ele pretendia ir para a Confederação e estudar outros ramos da magia. Mas então ele conheceu Edward e acabou se envolvendo em uma grande conspiração em um pequeno principado de uma insignificante região peninsular.
“E agora sou o senhor de Vilazinha, lugar em que conheci Ed.” pensou.
Naquele mesmo momento, um homem jovem de cabelos encaracolados e estatura um pouco mais alta que a sua se aproximava. Era Beto.
— Meu senhor, acabo de voltar de Jamor. Trouxe uma coisa comigo.
— Ei Beto, não seja rude com Rebecca! Ela não é uma coisa, é minha jamantin… ehr… quer dizer, minha namorada!
— Amor! — exclama Rebecca, um tanto eufórica.
Ela corre até ele.
Eles então se abraçaram e deram um rápido beijo, antes que a garota voltasse a falar.
— Papai disse que quer conhecer você logo! Não, ele disse que exige isso!
— Tudo bem, tudo bem! Eu vou encontrar ele depois que a casa ficar pronta, Rebecca. Quero acabar ela antes do inverno. — respondeu.
A garota então faz um leve biquinho, indicando sua revolta. Até que ela parece se lembrar de algo e então se projeta rapidamente para frente do rapaz, dizendo:
— Ah, você não vai acreditar!
— Não vou acreditar no quê, Rebecca? — perguntou.
— Eu matei muitas formiguinhas no caminho pra cá! Agora sim tenho certeza que já matei mais seres vivos do que você, amor! Hehe…
Tap!
Um forte som de tapa soou quando o rapaz bateu na própria testa com a mão.
— Como raios isso foi acontecer comigo…
Ele então olha para seus arredores.
Na linha de trás de sua visão, cerca de três dúzias de homens cortavam as árvores do bosque de um jeito, digamos, bastante peculiar.
— Pelotão, apontar! Pelotão, preparar! Pelotão… ATACAR! — ordenou Beto.
— POR MARTE! — gritaram em uníssono o restante deles, antes de fazer seu movimento.
Eles então usaram suas lanças para fitar as pobres árvores.
— MADEEEEIIIRA! — gritou Beto.
Paft!
Decidido a não olhar mais para aquela cena, Pedro volta seu olhar para sua namorada, mas quando pensou que ela ainda estava lá…
— O quê? Rebecca, o que tu tá fazendo sua doida?
— Estou me certificando de que não há outras mulheres aqui! — Ela respondeu, olhando pelo que parecia ser um pequeno binóculo.
— Sai já de cima dessa árvore, Rebecca! Ou aqueles idiotas podem te acertar por engano…
— Ah não! Até eu terminar minha investigação, eu não saio daqui!
O rapaz então solta um longo suspiro.
— Aaahr… Guerras, cavalos lentos e mulheres rápidas (não é o caso de Rebecca), essas coisas mexem com a mente do homem!
Comentava o jovem baronete, se lembrando do dia em que pediu a garota em namoro e nos acontecimentos que o levaram a isso (— ele foi obrigado).
Em resumo, podemos dizer que a guerra fez o rapaz perceber algumas coisas.
A constante possibilidade de morte súbita dos campos de batalha somado à instabilidade do mundo fizeram com que o jovem Pedro, que já estava mentalmente carente, quisesse algo de concreto nessa vida.
“Preciso conhecer Rebecca melhor! Quero algo serio com ela!” Era o que Pedro havia colocado em seu coração.
Ele iniciou esse relacionamento por pena e medo de tê-la desvirtuado, com medo de ter quebrado alguma regra moral deste novo mundo. Contudo, ao longo do tempo foi se apegando mais e mais a ela.
Realmente, paixão não é algo racional…
— Tudo bem, minha jamantinha, eu te amo! Venha, vamos vasculhar a propriedade juntos. Talvez encontramos alguma mulher malvada por aí…
Rebecca, que ainda estava no topo da árvore, por alguns momentos não consegue resistir e solta um belo sorriso. Ela também se lembrava de algo. Algo que possivelmente preferia não contar a ninguém.
— Eu também te amo, seu bobo! — responde desajeitadamente a garota, completando mentalmente: “Caso contrário não teria matado tantas pessoas nas sombras por você.”
Ela então põe as mãozinhas sobre a boca, completando baixinho:
— Ehr… acho que não vou achar nenhuma mulher mais malvada que eu por aqui. Hehehe…
— O que você tá dizendo, bobinha? Você não é malvad… Aliás, com formigas você é sim bem malvada!
A garota o encara com um meio sorriso e um olhar abobado, antes de descer desajeitadamente da árvore em que estava dependurada.
Os dois então se dão as mãos, iniciando sua caminhada pelo pequeno bosque de Vilazinha, local onde estava localizada a mais nova propriedade do casal.