Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 24
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- Capítulo 24 - Conspirações, segredos e descobertas
Algum tempo havia se passado desde a batalha em Jamor. E aquele evento foi apenas parte de uma série de acontecimentos do que seria chamado de a “Rebelião de Gloomer”.
Simel participou diretamente desses acontecimentos, prejudicando sempre que possível o lado do meio-irmão. Por isso, ele estava reunido com aliados em seu palácio no Leste, discutindo sobre suas próximas ações…
— Relatando ao Lorde, — falou um mensageiro ajoelhado, que acaba de adentrar na sala de reuniões — os suprimentos para o inverno acabam de chegar e ao cais, os capitães da marinha relataram pequenas escaramuças no Norte do Mar da Península.
O homem então se calou, esperando obedientemente as ordens do lorde.
Simel o encara por alguns segundos, pensativo. Mas logo o dispensou.
— Tudo bem, você pode ir agora. Passe minha ordem aos oficias do porto: armazene todas as armas e perecíveis aqui, mas mande um terço dos grãos para a Capital. Diga que são ordens de Vossa Graça, meu pai, e que qualquer um que for pego roubando terá suas mãos decepadas!
— Entendido, meu lorde! — saudou o mensageiro, antes de se retirar da sala.
O velho Tillus então se aproximou da cadeira de Simel e disse algo em seu ouvido.
Escutando atentamente, o jovem lorde demonstrou um pouco de impaciência. Suas sobrancelhas estavam cerradas, quando ele olhou pra frente e disse:
— Lorde Inneus, explique imediatamente o motivo para seus homens estarem dentro da minha cidade!
— Eu não os ordenei a ficar acampados na floresta?! — completou.
O velho que estava sentado no final da mesa quase pulou ao ouvir isso. Seu rosto corou um pouco ao ser abertamente questionado na frente de tantos lordes, militares e personalidades importantes do Leste.
Mas ele logo se ajeitou, dizendo:
— Si-sim, meu lorde. Mas deixe-me explicar…
— Estou ouvindo. — assentiu Simel.
Inneus então continuou:
— É que o inverno está chegando e… Sua Alteza deve saber que homens ficam impacientes em tal situação, eles precisam de fogo e proteção. Então eu…
— Então você simplesmente passou por cima da minha autoridade e deu ordens à MINHA GUARDA para que liberasse a passagem dos seus homens?! Exigindo aos donos de taberna que os alimentasse de graça?! E como se isso não o satisfizesse, ainda deu ordens aos MEUS OFICIAS para esconder os crimes de seu filho?!
O velho estava vermelho naquele momento e até tentou falar algo em contrapartida. Contudo, Simel não deixou que ele se explicasse, interrompendo o velho conde com um aceno de mão.
— Vá, recolha seus homens e suma da minha frente! Seu filho também está proibido de frequentar os bordéis daqui! — ordenou.
— E eu lhe garanto, lorde Inneus, se não fosse por suas informações preciosas, eu já o teria enforcado por traição! — Ele continuou, antes que o homem terminasse de se levantar da mesa.
O velho conde engoliu seco após escutar aquela sentença. Afinal, quem imaginaria que um jovem duque e um arisco nobre estrangeiro o driblariam tão facilmente? Justo ele, uma velha raposa!
Não, isso era demais para que aguentasse. E como se não bastasse, ele agora estava sendo humilhado por outro duquezinho, o qual imaginou que enganaria facilmente. Mas o plano falhou.
A verdade é que quando Inneus percebeu os movimentos de Simel, pensou que ele seria um aliado. Juntando isso com o fato de ele ser jovem, o velho conde pensou que poderia facilmente manipulá-lo.
Infelizmente para ele, o contrário aconteceu. O irmão mais velho de Edward o enganou, oferecendo pequenas migalhas que o fizeram imaginar que receberia seu total apoio caso decidisse se rebelar. Mas o que ele realmente queria era a execução de Edward.
Rebelião era uma coisa muito séria, punida com a morte. E Simel não era louco (ou tolo) o suficiente para admitir seu apoio abertamente nisso.
À essa altura, isto já era um fato inegável: Inneus Mathius é um fracasso como conspirador! Bem como um fracasso como general e um político incompetente. Não enganava ninguém, só a si mesmo.
E assim, cabisbaixo, ele simplesmente decidiu acatar a ordem, jurando que um dia seria ele quem olharia por cima dos outros.
Pah!
Desse modo, quando a porta da sala de reuniões foi fechada, Simel continuou a falar.
— O próximo tópico é sobre as explosões em Gloomer. Analisando os relatos, a inteligencia descobriu que provavelmente se trata de uma especie de pó preto que explode com fogo. — Ele então se virou para a mulher de cabelos negros e disse: — Milla, explique para os lordes.
A garota assentiu e se levantou de sua cadeira, ficando ao lado de Simel.
Ela então retirou um pequeno saquinho de suas roupas e o colocou sobre a mesa.
— O que tem dentro desse recipiente se chama pólvora. É um produto muito raro na Confederação, usado como catalisador em alguns feitiços com propriedades explosivas e de diversos modos em experiências alquímicas.
Ao explicar isso, Milla coloca uma das mãos sob o saquinho de pólvora. Ela pegou um punhado e o espalhou sobre a mesa.
Depois disso, ela pegou mais um punhado e atirou no ar, fazendo alguns gestos com as mãos e murmurando palavras em uma língua desconhecida.
Boom!
Uma pequena explosão ocorreu no local, mas rapidamente foi comprimida por Milla usando sua magia.
Um pequeno vórtice de ar formou uma redoma ao redor da explosão, prendendo o fogo dentro de uns poucos centímetros quadrados, até que ele fosse extinto.
— Esse pó é uma mistura de carvão vegetal, enxofre e salitre. Sendo esses dois últimos a principal causa para que custe tão caro. Afinal, salitre por si só já é raro, e enxofre é difícil de fabricar…
— Com licença! — interrompeu um dos nobres.
— O que desejas, caro lorde? — perguntou Milla.
O homem barrigudo soltou uma pequena risada sem graça, na tentativa de disfarçar seu embaraço, antes de perguntar:
— Ehr… o que é enxofre? Salire… ou salitri… também não sei o que é?
Milla suspirou internamente ao ouvir aquilo.
— Não… tudo bem, são só alguns ingredientes que eu acho que eles usaram para as explosões. Linguajar técnico da arcana, não se importem com isso. — Ela explicou, fazendo uma cara de “ah, esses idiotas…”.
Parte dos presentes ficou impressionada com aquela explicação, pensando algo como: “nossa, magos são incríveis!” Outros apenas murmuravam internamente: “esses magos e seus hábitos estranhos…”, ou coisa parecida. Mas a grande maioria simplesmente não entendeu nada, mas aceitou a explicação de Milla mesmo assim. Ninguém gostaria de parecer um asno na frente do grão-duque, afinal.
Em seguida, Simel deu prosseguimento à reunião e eles continuaram a debater sobre os últimos eventos, sobre a implementação dos planos de inverno e sobre o que fariam depois que ele acabasse e as estradas ficassem acessíveis outra vez.
Isso demorou algumas horas.
Quando a reunião acabou, só restaram Simel e Milla na sala de reuniões. Ele havia pedido à maga que o esperasse.
O motivo é que Simel tinha reparado algo durante a fala de Milla e por isso decidiu a questionar:
— Milla, quando você estava explicando sobre a pólvora eu reparei que você disse: “eu acho que foi isso”, e não: “eu tenho certeza” ou “foi isso”. Por quê?
Ouvindo atentamente as palavras do jovem de cabelos ruivos à sua frente, Milla sentiu um forte arrepio.
— Bom, não posso dizer que esperava menos de você, Simel. Percebeu o meu blefe…
— Explique-se. — exigiu Simel, em um tom calmo.
Atendendo aos desejos de seu empregador, Milla usou seus finos lábios rosados para explicar sua teoria:
— Eu não sei se o que aquele nobre estrangeiro usou, mas estou convicta de que não é pólvora! Vou explicar o porquê disso.
Ela então caminhou para mais perto de Simel, usando seus olhos negros para olhar diretamente nos olhos dele.
Era um olhar intenso, quase predatório.
— O primeiro motivo é que, como eu disse, a pólvora é muito difícil de se fabricar. Até mesmo na Confederação, eu duvido que existam aqueles com mais do que algumas dezenas ou quinzenas de quilos. E só essa quantidade pode fazer tanto estrago. — explicou, chegando ainda mais perto dele.
Ela usava a ponta dos dedos para tocá-lo, deslizando pela região do peito e subindo até a boca do rapaz. Simel aparentemente aceitava aquilo, pois não a impediu.
Quando atingiu os lábios, ela continuou a falar:
— E mesmo que seu irmão ou aquele estrangeiro misterioso tivessem essa quantidade, nós iríamos perceber. Pois, como dá pra imaginar, não é muito fácil transportar pólvora sem que ela exploda. Ainda mais uma quantidade tão… grande…
Quando disse as duas últimas palavras, a maga de cabelos negros e feições sedutoras fez questão de olhar diretamente para a região inferior de Simel. Era uma quente e provocativa insinuação de cunho sexual.
Mas aquilo não comoveu Simel.
Assim, ele levemente afastou a maga, usando a ponta dos dedos para selar os lábios da garota. Um movimento bem parecido com o que ela havia feito há pouco.
— Hoje não. Tenho um compromisso importante mais tarde e não posso me atrasar. — Ele explicou.
— Sem graça… — resmungou a garota, fazendo questão de ressaltar seu decote como em uma provocação indireta que diz: “olha o que você tá perdendo”.
Percebendo aquilo, Simel deixa escapar um breve suspiro. Um homem deve fazer escolhas.
— Tudo bem, Milla. Isso que você disse faz sentido, mas se ele não usou pólvora, então o que usou? — questionou.
A maga coçou levemente a cabeça, enquanto cobria seu decote.
— É isso que devemos descobrir…
…
Primeiro dia do inverno.
Finalmente terminei de construir minha casa. Foram dois meses de enorme sofrimento e angústia para mim. Afinal, o que eu posso dizer dos remulos? Eles são ótimos soldados, mas péssimos empreiteiros!
Tsc! No final, eu tive que ir pessoalmente colocar todas as estruturas por mim mesmo. Mas claro, deixei algum trabalho braçal pra eles fazerem.
Passei um embaraço pra convencer todo mundo que os remulus são só uns dissidentes que eu encontrei por aí. Não foi algo perfeito, mas acho que por enquanto é o suficiente.
De qualquer forma, basta não convocar mais deles por um tempo.
Enfim, isso são águas passadas. O que importa é que tudo acabou bem. Aliás, esse erro de cálculo na construção deu uma brecha perfeita para que eu atrasasse a visita ao pai de Rebecca.
— Senhor, — interrompe um dos meus guardas — aquilo que o senhor pediu já está pronto!
— Ótimo, muito obrigado Tício! — respondo rapidamente, enquanto continuo a caminhar pelos corredores da residência.
Recentemente acabei me encontrando com Ed. O correto seria dizer que fui convocado por ele, aliás. E nossa, aquela foi uma reunião muito estranha!
A verdade é que no início pensei que Ed era só mais um daqueles herdeiros ricos que o vovô falava. “Carne fresca”, era como ele os chamava. Cheios de vontade de agir e muito fáceis de enganar.
Bom, Ed parecia ser assim. Mas acontece que eu me enganei.
O safado quase descobriu meu plano!
Enfim, não quero entrar em detalhes. Prefiro esquecer isso na verdade. Mas basicamente nós fizemos um acordo.
Eu irei ficar em Mea até que ele consolide seu poder e treine mais tropas. E se acontecer alguma coisa, eu ajudo. Não, eu exigi ajudar! Preciso das minhas almas, pô!
— Senhor, — aborda outro guarda — o alvo está entrando em movimento. No pôr do sol é provável que já tenha executado o plano.
— Tudo bem, Mévio, muito obrigado! — respondo.
Ele então faz uma saudação e se retira da minha frente.
Mas enfim, em troca disso pedi a ele que me permita fixar residencia aqui. Além disso, se um dia eu precisar ele vai me apoiar. Eu farei o mesmo por ele, inclusive. (Embora não tenha muito o que se fazer nas situações de emergência. Contato rápido ainda é impossível, afinal).
Fizemos um bom acordo e disso eu não tenho dúvidas. Só espero que um dia eu possa chamá-lo de amigo de verdade. Admito que gosto mais desse novo Ed, ele é mais malicioso e se parece mais comigo também. Vai ser um bom governante.
— Ei, Caio, como está o alvo? — questiono, ao ver um dos guardas que estavam posicionados perto da janela.
— Está ali, senhor! — Ele responde — O ponto de contato provavelmente é naquele bosque.
— Ótimo!
Ele então faz a típica saudação e em seguida se afasta da janela.
Nesse momento, eu abro as palhetas de madeira e subo no telhado. Fiz apenas um movimento ligeiro, pra não ser percebido pelo alvo.
E quem é o alvo? Bom, é uma pessoa a qual eu já nutria certa desconfiança. Essa pessoa deixou algumas pistas e eu acabei seguindo o rastro. E nesse momento estou prestes a intercepta-la.
Haviam duas pessoas no ponto cego que marquei. Elas apenas fizeram uma troca rápida de documentos e uma delas rapidamente debandou.
Era a hora perfeita!
— Ei, você! Pare aí já! A casa caiu! — grito alto, antes de pular do teto do segundo andar da mansão.
Caindo direto no bosque ao lado, bem perto da parte traseira da mansão, percebo que minha armadilha funcionou. Eu sabia que criar alguns pontos cegos propositais daria certo, mas não imaginei que funcionaria tão bem.
Enfim, acabo de sacar a minha arma e ficar em guarda contra aquela pessoa. Ela ainda estava escondida pelas nuvens do inverno e pelo céu noturno, vestindo um capuz, achando que escaparia da minha visão.
Mas isso não importa. Pois eu já sei de quem se trata.
— Você sabe que não pode me vencer, né? Vamos, tire o capuz! Eu já sei quem você é…
Percebendo que seu disfarce era inútil àquela altura, a pessoa misteriosa o tira.
— Bom, não posso dizer que estou surpreso…