Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 25
Quando a pessoa misteriosa tirou o capuz…
— Bom, não posso dizer que estou surpreso. Não é mesmo, Beto? — falou Pedro.
Percebendo que foi desmascarado, o jovem de cabelos encaracolados não perdeu tempo e atirou o que parecia ser uma bomba de fumaça no chão.
Buft!
Tudo ficou esfumaçado.
E o espião aproveitou da situação para fugir, avançando rapidamente rumo ao sul. Ele era muito rápido.
Alguns minutos se passaram daquela forma, até que Beto resolvesse parar para respirar um pouco.
— Será que eu o enganei? — perguntou, escondido no alto de uma árvore — Usei praticamente todas as técnicas de fortalecimento que conheço, e ele ainda não sabe nenhum feitiço de alteração, então não deve conseguir me alcançar…
Contudo, para a surpresa de Beto, um clarão veio do norte.
Do alto da árvore em que ele estava, era possível de se perceber a grande linha de poeira que subia ao céu, junto com estrondos momentâneos e árvores caindo.
Pah! Pah! Booom!
“Não é possível!” pensou, sem esconder sua cara de surpresa.
— Preciso sair daqui. Agora! — murmurou Beto, enquanto se preparava para correr.
Mas, enquanto tomava um impulso…
— Wow! Nem pense nisso! Foi um saco te achar. — repreendeu-lhe Pedro, que o surpreendeu ao aparecer na frente do espião.
Vendo que a fuga era impossível, Beto resolveu apelar para o plano B.
— Meu senhor, saia da frente! Por favor! — clamou, sacando uma adaga negra de suas vestes.
Ele estava um pouco impaciente, pensando nas consequências que teria se machucasse Pedro. Afinal, alguém como ele não podia se meter com a aristocracia do Clã.
Todavia, essa era uma ordem de cima. De modo que não havia outra escolha, ou fugia ou deixava que Pedro o matasse.
A primeira opção era a melhor, sem dúvidas, mas também a mais improvável. Com isso em mente, Beto decidiu que tentaria fugir, mas se não funcionasse então ele pelo menos morreria lutando.
— Pois bem, me derrote aqui e eu prometo que não te persigo. – propôs Pedro, em um tom muito jocoso.
Após escutar a provocação, Beto não se retardou e fez logo um movimento em vertical. O alvo era o rosto de Pedro.
Shiiiiiiiin!
Mas o golpe atingiu o vento.
“Onde ele foi?!” perguntou-se Beto.
Como se respondesse a pergunta, o rapaz apareceu a alguns metros de distância. Do lado de uma árvore.
— Sabe Beto, eu adoraria te atingir com as minhas chamas. Infelizmente, o incêndio logo logo chegaria nos meus domínios e seria um saco de apagar.
— Deixe-me ir, meu senhor. O senhor não vai me vencer sem destruir este lugar! — Beto fez novamente seu apelo.
Mas o jovem aristocrata permaneceu impassível.
— Já disse, me vença e eu não te persigo! — exclamou, antes de agarrar a árvore e fazer seu movimento.
Ignorante, ele arrancou o vegetal do chão e logo em seguida o atirou em Beto.
Surreal.
Trick! Trick! Vroom!
Pah!
Mas o espião rapidamente usou a adaga negra e cortou o obstáculo em pedacinhos.
Pah! Shiiiiiin!
Shiiiiin! Pah!
— Onde ele foi agora? — questionou-se mais uma vez o jovem de túnica preta, dessa vez em voz alta.
— Aqui! — respondeu Pedro, já a poucos centímetros de Beto.
O homem usou os punhos para atingir em cheio as costas do espião. Não houve tempo para desviar.
Pah!
Ele voou longe, parando apenas após atingir uma grande árvore.
— Sabe Beto, meu mestre me ensinou duas coisas nessa vida. — Pedro explicou, caminhando lentamente. — A primeira delas eu admito que não aprendi muito bem. Que é ser gentil com os mais fracos…
Enquanto ele falava, Beto aproveitava para se pôr rapidamente de pé.
— Quanto à segunda, — continuou — bom… digamos que eu aprendi muito, muito, muito bem. Aliás, bem ao ponto de até meu mestre reconhecer que é apenas uma questão de tempo até que eu o supere…
Aquela revelação despertou a surpresa de Beto, que decidiu perguntar:
— E o que seria?
— A segunda coisa? — Pedro devolveu a pergunta, rindo. — Okay, como você tá curioso eu vou falar!
Ele então passou a encarar Beto com um olhar de um leão. Era como um predador para a presa, mudando completamente sua postura corporal, enquanto terminava de falar:
— A segunda coisa que eu aprendi com o mestre foi… DAR MUITA PORRADA! HAHAHA!
Pah! Booom! Booom!
…
Enquanto isso, em um lugar pacato e muito distante da luta de Pedro e Beto…
Na estrada, uma carruagem simples e sem muitos adornos era puxada por dois fortes palafréns, tão rápidos quanto belos. O cocheiro que os guiava hora e outra conversava com a pessoa que estava dentro do meio de transporte animal.
O passageiro era um homem magro, de cabelos compridos e lisos, tão vermelhos quanto uma cereja. Ele tinha olhos com um tom violeta profundo e um rosto muito bonito. Embora estivesse parcialmente coberto por uma túnica bege.
— Tillus, tem certeza que você colocou homens o suficiente para vigiá-las? Não suporto a ideia de deixá-las tão longe do meu palácio. — Ele disse.
— Coloquei nossos melhores homens para protegê-las, meu lorde! — explicou o cocheiro. — Além disso, temos inúmeras rotas de fuga preparadas. Tenho certeza que elas estão mais protegidas lá do que em Kirgton.
O homem suspirou.
— Ahr… Sabe Tillus, as vezes penso… e se minha mãe não tivesse escolhido meu pai, e se ela tivesse se casado com um homem comum? Nesse caso eu não poderia simplesmente escolher o meu próprio destino? Sem ter que esconder as pessoas que amo dessa forma…
Escutando os lamentos do jovem nobre, o cocheiro também suspirou.
— Francamente, eu acho que isso não aconteceria, lorde Simel. — falou o velho. — Você conhece sua mãe. Achas mesmo que ela aceitaria se casar com um simples camponês ou com outra pessoa qualquer?
Simel se entristeceu ao ouvir aquilo, mas logo se lembrou de algo que o fez soltar uma pequena risada de consternação.
Com certeza, algo relacionado à suas memórias com a própria mãe.
— Não. Isso não é do feitio dela. — assentiu.
Depois disso, o silêncio perdura na carruagem por alguns minutos, cessando apenas quando eles já estavam prestes a chegar em um certo lugar.
O cocheiro o confortou: — Não se importe muito com isso, meu lorde. Pense bem, é porque tens a mãe que tem que fostes capaz de demonstrar suas habilidades. Agora nem mesmo seu pai o questiona mais. E contanto que continues a vencer, podes fazer o que quiser. Não foi o que ele disse?
— Tillus, para protegê-las eu vou até o inferno! Me transformo no próprio demônio se precisar! — exclamou Simel, com os olhos ardendo de convicção. Talvez por isso ele acabou não respondendo a pergunta de Tillus.
Mas esse momento sentimental não durou muito e ele logo retornou a sua calma habitual.
Olhando pelas janelas do veículo, Simel enxergou ao longe uma grande casa, feita quase que inteiramente de pedra e madeira. O local era murado e rústico, um típico palacete de campo (ou solar nobre, caso prefiram essa denominação).
As árvores ao redor foram derrubadas, a grama estava bem aparada e algumas torres de guarnição podiam ser identificadas em um raio de até duzentos metros da habitação. A segurança era alta, conforme alertou Tillus.
Duas pessoas o esperavam na entrada, uma delas com uma criança no colo, a outra com roupas de empregada. E, mesmo antes de chegar na frente principal da propriedade, Simel pôde ouvir um grito agitado e agudo da menininha no colo.
— Papai, papai! Olha mamãe, é o papai!
A criancinha apontava e gritava alegremente.
Ela era uma garotinha ruiva, de cabelos lisos que iam até a altura do ombro. Olhando de perto, era perceptível que tinha heterocromia, com um dos olhos em um tom violeta que era ainda mais profundo do que o de Simel, e o outro com um tom azul profundo, tão encantador quanto o oceano.
— Sofia, não se mexa tanto ou você vai acabar caindo! Calma, seu pai já tá chegando. — confortou a mulher.
Ela tinha cabelos negros e ondulados, seios fartos e quadris finos. Sua boa forma e juventude tornava questionável o fato de que era mãe.
Uma moça deslumbrante! Era o mínimo para descrevê-la.
Ao ver aquela mulher alta e bela junto com a garotinha ruiva no colo, Simel não se aguentou e rapidamente saiu da carruagem. Ele foi direto ao encontro delas.
— Amélia, Sófia, como vocês estão?! — Ele gritou, antes de pular da carruagem em movimento e quase matar o velho Tillus de susto.
Tropeçando em uma pedra, Simel quase vai ao chão, mas magicamente recupera o equilíbrio e continua frenético rumo às duas pessoas do sexo feminino.
A empregada ao lado da bela mulher foi praticamente ignorada quando ele veio ao encontro de seus amores.
— Papai! Você se machucou? — questionou a garotinha, enquanto era apertada pelo abraço do homem.
Enquanto isso a mulher gargalhava: — Pft! Tenho certeza que seu pai está bem, querida. Haha! Isso foi muito engraçado… Hahaha!
Ele então afrouxa um pouco seu aperto para olhar diretamente nos olhos dela. Seu olhar estava manhoso e um pouco bobo.
— Eu também te amo, querida! — respondeu, em um tom perigosamente jocoso.
Sem piedade, a mulher continuou rindo.
— Eu… Pft! Eu também te amo, meu amor… Hahaha!
Simel não sabia se ria ou chorava com aquela reação. Entretanto, vendo que o sol já se punha e que o tempo estava ficando mais frio, ele decidiu simplesmente se render.
— Tudo bem, chega disso e vamos entrar. — avisou — Quero ouvir sobre tudo o que vocês duas fizeram enquanto eu estava fora.
A bela Amélia assentiu e, ainda com um sorriso no rosto, pediu à empregada que fosse na frente. Enquanto isso, Sofia permaneceu grudada ao pai, andando de mãos dadas com ele.
— Ah, papai! Sófia aprendeu a escrever o próprio nome! Vou te mostrar, vem ver! — gritou a menina, antes de correr, puxando o pai junto com ela para dentro do palacete.
Amélia não se permitiu ser deixada de lado e também se adiantou, indo junto com eles e dizendo, um tanto envergonhada:
— E-eu também aprendi muitas coisas! Olha! Também sei fazer aquelas contas difíceis, igual a você, meu bem! Vou te mostrar!
Vendo aquela cena de fundo, o velho Tillus não pôde deixar de sorrir.
“Elas não se parecem em nada com ele!” pensou.
Mas esse sorriso não durou muito e logo abriu espaço para um longo e triste suspiro.
— Aaahrr… é somente uma pena que Amélia tenha tão baixo nascimento. Se fosse nobre, então talvez… Não! O que eu estou dizendo?! Isso não passa de fantasia! — consertou-se Tillus, balançando a cabeça em negação.
— O destino as vezes é muito cruel. — completou.
Ele então olhou para cima, só para ver o brilho nascente da lua ser parcialmente coberto pelas nuvens.
— Vai nevar amanhã…
…
Voltando aos arredores de Vilazinha…
O homem sangrando e com a adaga preta nas mãos lutava para permanecer de pé, enquanto era atacado pelo outro homem, de vestes nobres e cabelos castanhos.
“Tsc! Ele nem está armado! Então esse é o poder de uma linhagem pura?! Vejo… é assustador!” pensava.
Booom!
— Eia, Beto! Vamos! Se você não me atacar de verdade, então eu vou te encher de porrada! HAHAHA!
A troca de golpes era intensa, mas unilateral. O homem de vestes negras evitava a todo o custo fazer ataques letais (ao menos na sua concepção). E era óbvio que estava se contendo.
A consequência dessa decisão foi grave.
Pedro não parecia conhecer o significado de compaixão. E se conhecia, simplesmente o ignorava.
Booom!
Com outro golpe certeiro, digno de um filme de kung fu, Pedro mandou Beto voando outra vez.
— Vamos! Eu sei que você tá se segurando, seu merda! Eu ordeno que venha com tudo! — gritou o nobre.
Escutando aquilo, Beto murmurou, enquanto se recuperava do novo impacto: — Eu não… cof! Não posso… quebrar… a hierarquia do clã…
— Ãn?! Que mené hierarquia o quê? Tu tá doido, seu merda?! Tá apanhando mais do que um bebum da ressaca. Vamos, revida! — exclamou Pedro.
Em resposta, Beto apenas ficou parado com a adaga na mão, mas ainda sem atacar.
Desse modo, vendo que seus avisos não estavam tendo efeito, Pedro decidiu mudar a estratégia.
— Olha aqui, Beto. Eu não sei o que aqueles dinossauros fizeram com você e nem nada sobre essa droga toda de “linhagem”, “sangue puro” e o escambau! Mas uma coisa eu te garanto, eu não tô nem aí pra essa merda! — Ele gritou.
— Por isso, — continuou — eu não tô nem aí se você se enxerga como inferior a mim ou não, vou te encher de porrada do mesmo jeito! Seja você, o bastardo ruivo, ou os anciões do conselho, vou dar porrada em todo mundo que se opor! Todos vocês são iguais pra mim: meros sacos de pancada!
O rapaz então avançou para a posição de Beto. E, para sua surpresa, dessa vez ele reagiu.
Pah!
O soco de Pedro transpassou o ar.
— Todos iguais, você diz… — murmurou Beto, a alguns metros de onde Pedro estava.
“Hum? Partículas mágicas? Ele usou algum feitiço?” perguntou-se Pedro, sentindo os vestígios de mana no ar.
Naquele momento, a aura de Beto sofreu uma pequena mudança. A pessoa em questão teve os músculos do corpo levemente inchados, suas unhas foram alongadas e as pupilas dos olhos ficaram retraídas, iguais às de um lagarto.
Ele ficou similar a um… Dragão?