Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 26
— Todos iguais, você diz… Gostaria que isso fosse verdade. — murmurou Beto, já em sua nova forma.
Olhando para aquele espécime humanoide híbrido, com unhas que pareciam garras e músculos torneados, Pedro quase sofreu um engasgo de surpresa. Ele não esperava por aquilo.
— Wooow! Isso aí é novo pra mim! Eu posso fazer também? Me ensina! — O rapaz implorou, perdendo completamente a noção da situação.
Em resposta Beto lhe entregou um olhar frio.
— Meu senhor, você disse que gostaria que eu fosse com tudo, certo? — Ele questionou.
— Sim. Por quê? — respondeu Pedro, retornando a indagação.
Beto então o encarou fixamente. Seus olhos ainda estavam um pouco hesitantes, mas sua postura ficou mais séria.
— Realizarei o seu pedido, mas em troca, espero que realize um… favor pra mim…
Pedro ficou surpreso com esse desenrolar.
— E o que seria esse favor? — perguntou, curioso.
Ainda sério, Beto lhe respondeu: — Quando a luta acabar, eu quero que você entregue essa adaga a uma pessoa.
— Pessoa? — questionou.
Com o ouvido atento, Beto retirou um pequeno pingente que mantinha no peito e o mostrou a Pedro.
— O nome dessa pessoa está aqui, junto com um desenho de seu rosto. Ache ela e entregue a minha adaga, por favor! — explicou.
Mas o jovem aristocrata fica ainda mais confuso com aquilo. Contudo, logo chegou às suas próprias conclusões.
“Ele deve tá achando que eu quero matá-lo… Ehr… uma pena, mas não vai ser nada divertido se eu falar pra ele agora. Então eu acho que vou apenas concordar por enquanto” refletiu Pedro, antes de se pronunciar:
— Parece justo pra mim. Trato feito!
Quando Beto ouviu que o jovem de vestes nobres concordou com seu pedido, o último pingo de hesitação em seus olhos secou.
Desse modo, ele se colocou rapidamente em guarda e olhou para Pedro com um olhar satisfeito.
— Obrigado.
Depois de dizer isso, a aura ao redor de seu corpo mudou mais uma vez.
Ela ficou tão forte e espessa que quem olhasse com atenção seria capaz de perceber que o ar estava sendo tomado por uma coloração negra.
Beto piscou. E, no segundo seguinte, desapareceu.
Foi o suficiente para fazer Pedro sentir uma tensão súbita. Era a primeira vez que isso acontecia desde o seu treinamento.
— Atrás de mim! — exclamou, se virando bruscamente.
Shiiiiin! Shiiiin!
Pah!
O ser híbrido usou suas unhas afiadas para tentar agarrar as costas de Pedro. Seu alvo era a coluna cervical do rapaz.
“Ele quer me deixar paraplégico é?! Maldito!” pensou Pedro, que escapou por pouco do ataque com um desviou para o lado.
O golpe falhou por pouco. Todavia, Beto estava convicto em continuar seu ataque.
Clip! Uma piscada e ele desapareceu outra vez.
Agora, seu alvo era na parte de baixo do corpo. Em outras palavras, o calcanhar de aquiles de Pedro.
— Mas não vai mesmo! — xingou o rapaz, desferindo um forte chute na direção do vulto.
Pah!
O golpe o atingiu de modo certeiro, mas o assassino só foi arrastado por alguns metros dessa vez, mantendo sua postura altiva e a guarda levantada.
E ele não tardou em tentar outra vez.
Pah! Pah!
Dessa vez o ataque foi bem mais direto. Beto não fez questão de se defender, enquanto investia de frente novamente contra Pedro.
Com suas garras, ele fingiu um golpe no rosto, mas o ângulo de seu golpe mudou repentinamente para a clavícula de seu oponente.
“Ele só mira em pontos vitais. Que pilantrinha esperto!” pensou Pedro, que teve de usar os braços para se defender.
Pah! Shiiin!
— Tsc! Meus parabéns, Beto. Até agora você entrou oficialmente para a lista de pessoas que conseguiram tirar meu sangue! — Em um tom mal humorado, Pedro exclamou.
Mas Beto não o respondeu.
Ele apenas continuou sua sequência, desgrudando suas garras afiadas dos braços do aristocrata e recuando para escapar de seu contragolpe.
Pah!
Pedro acertou o vento outra vez.
— Que problemático… — Ele comentou, olhando para os dois rasgos em seus braços.
O sangue carmesim pingava na grama, enquanto Pedro recuava um pouco.
Vendo sua chance, Beto se decidiu por uma nova investida.
Pah!
Dessa vez ele acertou Pedro com uma forte joelhada na boca do estômago. Imediatamente, o alvo foi mandado voando.
Pelo ângulo e trajetória, ele concluiu que bateria de cabeça em um grande obstáculo.
Mas não sem antes conjurar uma pequena labareda de fogo e enviar de volta a Beto. O rapaz fez isso enquanto ainda estava no ar.
Pah! Sssssss!
Desse modo, um duplo golpe acontece, com Pedro atingindo em cheio um pequeno rochedo e Beto sendo pego pelo feitiço de fogo.
O homem de túnica e adaga negras se recuperou primeiro. No entanto, ele foi obrigado a se livrar rapidamente das partes de cima de suas vestes, que ardiam em chamas.
Fora isso ele estava relativamente intacto, com apenas algumas queimaduras de primeiro e segundo graus na pele.
Pedro não parecia ter tido uma sorte tão boa hoje, em contrapartida.
— Droga! Eu ODEIO voltar atrás com a minha palavra. Mas as vezes não tem jeito… — murmurou, ao ver a roupa chamuscada no chão atrás de Beto.
O jovem aristocrata Dragonark tinha um pouco de sangue na boca e alguns hematomas feios no corpo. Todavia, algo curioso estava acontecendo na área rasgada de seus braços.
Reparando de perto aquele local, dava para ver que o sangramento cessou. Além disso, a área do ferimento estava ficando menor a cada segundo que se passava.
Que velocidade de regeneração assustadora!
Beto também percebeu aquilo e decidiu que não deveria mais dar espaço a seu rival. Senão a luta ficaria muito mais difícil com o passar do tempo.
“Ele é muito bom em combate corpo a corpo e pode atacar de longe com feitiços. Portanto, devo manter a luta em uma distância mediana, atacando com minhas garras e recuando antes que ele contra-ataque, mas não muito, para não lhe dar tempo de usar sua magia.” raciocinou Beto.
Depois disso, ele avançou, usando sua velocidade melhorada para correr por entre as árvores e impedir que Pedro lançasse suas labaredas escarlates.
Pah!
Beto atacou com as garras novamente e Pedro, que estava impossibilitado de recuar pelo rochedo, não viu outra saída a não ser trocar golpes diretos com ele.
Seus reflexos eram muito ágeis e sua experiência marcial o permitia prever os golpes de seu oponente até certo ponto. Mas mesmo essas coisas se mostraram inúteis naquele momento.
E o motivo disso era um só: garras são mais afiadas que punhos. Por causa dessa diferença, Pedro estava em desvantagem nessa luta.
Ele até poderia usar de suas técnicas e experiências para achar uma brecha nos movimentos de Beto e assim contra-atacar. Mas toda vez que ele tentava isso, Beto usava sua velocidade superior e recuava.
Vendo seu alvo a apenas alguns metros de distância, o jovem nobre não achou tempo para preparar um feitiço.
A luta ficou assim por cerca de dez minutos. E Pedro, já todo ensanguentado e ferido, estava começando a ficar irritado. Ficar encurralado daquele jeito era algo inaceitável para ele.
Sua fúria despertou.
— AAAAAAH! — urrou.
Vendo a reação espontânea do rapaz, Beto cessou seus ataques.
“Não posso matá-lo e agora que o ferí também não posso voltar ao Clã. Mas se ele ficar incapacitado, então talvez eu possa recuar e me encontrar com ela uma última vez…” pensou, antes de se lembrar de algo: “Não! Não posso atrair a atenção do Clã pra ela!”
Lutando contra sua própria fúria, Pedro estava completamente aquém do que se passava na mente perturbada de Beto. E desse modo, ele logo fez algo que mudou completamente o rumo da luta.
O que o rapaz fez foi dar um pequeno pulo e chutar o chão bem forte. Muito forte mesmo!
Pah!
Um pequeno terremoto aconteceu em seguida.
Prooom! Pah!
Beto perdeu momentaneamente o equilíbrio naquele minuto. E seu adversário, é claro, se aproveitou disso.
— É agora! — exclamou, antes de gritar uma série de palavras antigas:
— Tiid KLo Ui!
Depois, o tempo desacelerou por algumas casas decimais e Pedro usou disso para se aproximar de Beto. O que ele queria era fazer rapidamente seu contra-ataque.
A velocidade de Beto era alta, mesmo dentro do rugido dracônico do jovem aristocrata. Contudo, ainda não foi o suficiente para que ele pudesse se defender com êxito da sequência de golpes enviada por Pedro.
Pah! Pah!
Ora eram chutes, ora eram socos. Todos muito violentos e aplicados de uma forma bem peculiar.
Força, velocidade e imprevisibilidade. Era uma mistura de artes marciais diferentes e implacáveis.
Brutal.
Quando o tempo retornou ao seu estado normal, Beto já estava extremamente debilitado. Hematomas percorriam quase toda a extensão de seu corpo, sangue escuro escorria de sua boca e algumas de suas garras tinham quebrado.
Mesmo assim, ele se mantinha de pé.
Cof! Cof!
Com uma cuspida, ele se livrou do sangue remanescente em sua boca e encarou o rosto de seu oponente. Ao vê-lo, Beto percebeu que ele também estava ferido (— embora não tanto quanto ele).
Apesar disso, a luta tinha que continuar. Ao menos este parecia ser o pensamento de Beto, que bambeava um pouco enquanto lutava para se manter em posição de batalha. Ele estava esperando pelo próximo ataque de Pedro.
Todavia isso não aconteceu.
— Tudo bem, — disse o rapaz — acho que já nos divertimos muito por hoje. Que tal parar para conversarmos um pouco, Beto?
A proposta descarada de Pedro o surpreendeu. Como assim conversar? Eles não estavam em uma luta de vida e morte?
“Essa é outra das artimanhas dele?” pensou Beto, ainda com a guarda alta.
Mas, para sua surpresa, Pedro simplesmente desabou no chão. E isso foi proposital.
No meio da luta, o rapaz decidiu que já chega e depois se deitou no chão verde da floresta, falando:
— Tudo bem, Beto. Na verdade eu já imaginava que você me espionava pro Clã. Afinal, ia ser muito estranho se eles me deixassem livre no mundo, logo depois de demonstrar tanto apreço por essa tal “linhagem” que eu carrego…
Aquela revelação espantou um pouco o espião.
“Então ele já sabia tudo? Como?” pensou.
Como se adivinhasse as preocupações internas de seu companheiro Dragonark, Pedro continuou explicando:
— A real é que eu armei um monte de pontos cegos de propósito enquanto construía a casa. Fiz isso porque precisava te desmascarar.
Percebendo que tudo aquilo não passava de um plano de Pedro, Beto sentiu receio pela primeira vez em muito tempo. Por isso, ele decidiu questionar:
— E por que isso?
Mas Pedro não deu muita atenção a essa última pergunta. Ele simplesmente se levantou e caminhou na direção de Beto, que ainda se mantinha em guarda.
— Que tal fazermos um acordo? — propôs.
“Então esse era seu real objetivo?!” concluiu Beto, incrédulo.
Vendo a cara assustada de seu companheiro pela primeira vez, Pedro não resistiu e soltou uma longa gargalhada.
— Mas o que é isso, cara? Parece que viu um fantasma. HAHAHA!
Reparando o contraste entre o semblante brincalhão e o corpo ensanguentado do rapaz à sua frente, Beto assentiu consigo mesmo:
“Um fantasma não, mas um monstro sim!”
E ele não estava tão errado em pensar assim. Afinal, apesar da aparência de bom moço, Pedro acabou de colocar a própria vida em risco apenas para que pudesse fazer um acordo com Beto.
Muito embora isso não seja uma verdade completa, Pedro se aproveitou da situação para poder ter uma batalha violenta com um ex-aliado.
Quanto ao real motivo de ele ter escolhido fazer isso, é provável que nem o próprio Pedro soubesse. Mas isso não era importante.
Enfim, depois daquilo, Beto resolveu abaixar um pouco a guarda e retornar à sua forma humana normal. Em seguida ele aceitou seguir Pedro de volta para a mansão.
Todavia, perto de se aproximar do lugar, Beto repentinamente parou. E, tocando nos ombros do rapaz, ele confessou:
— Antes de sermos aliados, acho que preciso lhe contar algo.
Mesmo surpreso, Pedro rapidamente assente. Mas questionou:
— E o que é tão importante, pra te fazer ansioso ao ponto de nem conseguir chegar em casa pra contar?
Contraindo mais ainda seu olhar, Beto respondeu, sério:
— É sobre Rebecca…