Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 28
— E não acho que isso demoraria mais do que um dia. — concluiu Beto.
Rebecca ficou assustada.
“O quê!?”
— Por isso, preciso que você me diga. Aqui e agora. — indagou o rapaz — Quais são suas reais intenções com meu senhor?
Ao escutar a pergunta, a expressão no rosto da garota mudou novamente. Não dava para deduzir o que ela sentia naquele momento.
Amor? Ódio? Desesperança? Seu emocional estava um caos. E assim ficou por alguns segundos, antes que se acalmasse outra vez.
Ainda com um pouco de receio, ela admitiu:
— Não posso te dizer…
Beto entrou em posição de batalha instantaneamente. Sua mão piscou e a adaga negra apareceu.
Ele estava se preparando para o ataque, quando…
— Mas tem uma coisa que posso te dizer. — Ela continuou.
— E o que seria? — questionou Beto, interrompendo o golpe.
Rebecca o encarou seriamente, antes de responder:
— Isso que eu e ele vivemos… ehr… o romance. Foi tudo verdade… erh… digo, eu… eu…
Percebendo a hesitação na fala da garota, Beto pressionou:
— Você…?
— E-eu… me apaixonei por ele à primeira vista! — Ela exclamou.
Vendo aquela expressão tímida e o rosto corado da garota, Beto suspirou.
“Ahr… Quer saber, eu estava certo mais cedo. Não me envolverei!”
E com a decisão tomada, o espião se resolveu pela neutralidade. Ele não se envolveu diretamente e também não relatou aquela conversa a ninguém.
Não até sua luta com Pedro, pelo menos.
…
— Deixa ver se eu entendi. Então, você não contou pro Clã dessa conversa. Certo? — Pedro perguntou para Beto.
Ele assentiu:
— Sim, não relatei sobre a conversa. Mas os anciões já sabem sobre seu relacionamento com Rebecca.
“Bom, isso já era de se esperar.” pensou Pedro.
— Okay. — Ele respondeu — Isso não importa muito. Mas me diga, como foi sua luta com ela? O quão forte ela é?
— Eu lutei com ela usando 30% do meu poder. — respondeu Beto.
— Usou sua forma wvyrn? — questionou o outro rapaz.
— Não.
A resposta de Beto pareceu ter esclarecido algumas das dúvidas de Pedro. Pois ele relaxou depois disso.
— Entendo…
Em seguida, o rapaz olhou para o céu nublado e refletiu um pouco sobre a luta que teve com o aliado. Mais especificamente sobre a transformação dele.
— Beto, como você fez pra virar um dragão naquela hora? — Ele questionou.
Surpreso, Beto parou mais uma vez sua caminhada. Depois olhou fixamente para o lado e disse:
— O nome correto é “forma hibrida” ou “forma wyvern”, meu senhor. É algo que tenho desde o nascimento, ela dobra minha destreza e aumenta a força pela metade. Infelizmente, o consumo de estamina também fica três vezes maior. Creio que todos com um certo grau de linhagem conseguem fazer isso.
A informação deixou Pedro consternado.
“Que se dane o consumo! O safado fica duas vezes mais forte e cinquenta por cento mais rápido!? Preciso aprender esse hack!” pensou, antes de perguntar:
— Eu também posso?
— Eu não sei. — respondeu Beto. Seu tom sério e voz firme transmitiam um ar de sinceridade.
“Hum… se depende só da linhagem então eu também devo ser capaz de fazer isso. Mas ele disse que não sabe, então deve ter algum outro requisito que o safado não tá contando.” refletiu Pedro. Àquela altura da vida, o rapaz já tinha se tornado capaz de perceber tais sutilezas.
“Pilantra!” Ele continuou a pensar. “Mas acho que se o mestre não revelou isso durante o treinamento então eu ainda não estou pronto. Tsc! Melhor deixar pra lá, pelo menos por um tempo.” concluiu.
E assim, decidido adiar o assunto, o rapaz simplesmente seguiu em frente com a caminhada. Beto o acompanhou.
Foi então que Pedro retirou um pequeno broche carmesim do bolso e mostrou a ele.
— Ei Beto, você deve ter um desses, certo?
— Sim.
Beto respondeu com um tom calmo e reservado. Contudo, sua mente quase colapsou quando viu o objeto nas mãos dele.
“Esse tom de vermelho e… três dragões?!” pensou, escondendo seu susto.
Em seguida ele retirou o seu próprio broche, que era bem simplório em comparação ao outro. Na realidade, ele era cinza claro ao invés de vermelho e, no lugar dos três dragões, tinha um…
— Dragão sem chifres? O que isso significa? — questionou Pedro, curioso.
Mas Beto o respondeu em um tom bem apático:
— Que eu sou um mestiço.
Ele se esforçou para esconder, mas aquela palavra — “mestiço” — parecia ter tocado em alguma ferida antiga. Pois, por alguns milésimos, seu rosto deixou transparecer uma expressão de dor.
Pedro percebeu, mas escolheu ignorar por enquanto.
Adiante, ele simplesmente continuou:
— Agora que você falou, lembrei que Timoty disse algo do tipo uma vez. Como era mesmo? “Linhagens puras têm variações mais próximas do vermelho-sangue”, ou algo assim… Enfim, não era isso que eu queria dizer. Eu só quero que você me mostre sua ficha. Pode fazer isso?
O aliado concordou. E depois fez algo que surpreendeu Pedro.
Sacando rapidamente a adaga negra, ele cortou a ponta do dedo. Em seguida deixou que uma gota de seu sangue caísse sobre a superfície do broche.
— O que você tá fazendo? — questionou o aristocrata.
— Estou atualizando os dados. — respondeu.
Escutando aquilo, Pedro assentiu.
“Ah… então é assim que se atualiza os dados? Caramba, isso é muito mais prático do que aqueles exercícios estranhos do mestre.” concluiu.
Em seguida ele estendeu a mão a Beto e pegou cuidadosamente o broche acinzentado.
Por ele, Pedro viu as seguintes informações:
Nome: Alberto | Raça: Humano (60%) / Wyvern (40%) |
Atributos | |
Força: 610 | Inteligência: 110 |
Destreza: 700 | Sabedoria: 70 |
Constituição: 590 | Carisma: 90 |
Vida: 1900/1900 | Estamina: 1200/1200 | Mana: 180/180 |
Analisando o que viu, Pedro pensou:
“Rebecca parece ser capaz de lutar em igualdade contra Beto em sua forma normal e usando mais ou menos 1/3 do poder. Isso significa que ela deve ter mais ou menos 1/6 do meu poder, o que é bem impressionante, já que isso dá mais ou menos 11 vezes a força de um homem normal”
— Beto, você disse que a família de Rebecca é membro de um dos maiores poderes do continente. E também que eles são assassinos. Certo?
Ele assentiu: — Sim.
— Agora entendo. Rebeca é uma assassina e por coincidência nenhum assassino de Simel veio atrás de mim, ela deve ter alguma coisa haver com isso. — argumentou Pedro.
O aliado pareceu concordar, não fazendo nenhuma objeção.
“O Culto da Lua não fica na outra metade do Continente? O que eles estão fazendo em Mea? Preciso encontrar uma forma de confrontar Rebecca no futuro.” concluiu Pedro, antes de retornar sua caminhada com Beto.
Os dois já estavam quase chegando, de qualquer forma. Quando foram interceptados por uma terceira pessoa misteriosa.
Amoooor! Você tá aí! — gritou a garota, correndo violentamente em direção a Pedro.
Era Rebecca. E ela estava acompanhada por dez soldados remulus.
…
Mais tarde naquela noite, na sala de reuniões de Pedro…
— E então, o que vocês dois tavam fazendo lá fora com esse frio? Em?! — perguntou uma Rebecca brava e preocupada.
Ela estava de pé, na frente do sofá onde os dois rapazes tinham acabado de se assentar.
— Relaxa, meu bem. Eu e o Beto caímos na porrada um pouco, mas foi só pra descontrair. Foi só um treinamento que decidimos de última hora. Hehe…
A Poker face de Pedro era impecável (como esperado de um ex-advogado), mas mesmo assim, o que ele disse não soou muito convincente. Em parte porque ele e Beto nunca haviam treinado juntos até então; e mais ainda, por que raios eles começariam a fazer aquilo no meio da noite?
Assim, qualquer pessoa normal o desmascararia sem dificuldades. Entretanto, era Rebecca de quem estávamos falando…
— Ah, sim! Tudo bem. Você quer que eu prepare um banho pra você, amor? — perguntou a garota, com seu tradicional olhar abobado.
Tendo contornado facilmente sua parceira, Pedro sentiu a felicidade brotando no fundo de seu coração.
— Nha… Não precisa! Vem cá e conversa um pouco com a gente, depois eu me lavo.
Rebecca assentiu e foi até um dos sofás do lado oposto da sala, ficando de frente aos outros dois. Em seguida ela dirigiu um pequeno olhar a Beto, como se quisesse confirmar algo.
Tendo percebido esse olhar de relance, Beto fez um pequeno gesto com a sobrancelha direita. O que ele fez deu tranquilidade à garota, que voltou para sua postura habitual.
A troca entre os dois foi muito rápida e, mesmo percebendo, Pedro decidiu não dar muita atenção. Ele já sabia que se tratava de algum tipo de código morse dos assassinos, ou coisa parecida.
Assim, a conversa continuou.
E Pedro foi aquele quem iniciou o assunto, dizendo:
— Acho que ainda não contei pra vocês, mas recebi uma carta do Ed ontem. Ele falou que vai mandar o velho Mark aqui pra conversar comigo, alguma coisa haver com “minhas obrigações como lorde”. Uma bobagem, aposto!
— Deseja que eu o intercepte e o faça sofrer um “pequeno acidente”, meu senhor? — perguntou Beto.
A expressão séria dele ao dizer aquilo assustou Pedro.
— “Acidente”?! Claro que não, né! Seu psicopata! — Advertiu o jovem lorde. E a ação seria bastante saudável, se ele não tivesse continuado:
— Não. Eu gosto do velho Mark. Deixe os “acidentes” pras pessoas que realmente merecem, por exemplo, pra aquele barão safado que bateu aqui em casa na semana passada. Hump! Como se eu fosse mesmo pagar algum tributo pro maldito!
Beto assentiu. E eles foram ainda mais afundo nesse plano.
— Vamos precisar fazer isso de um jeito que o Ed não desconfie. Tsc! O safado com certeza ia usar isso de pretexto pra me afastar ainda mais do poder. E isso eu não posso permitir! É lá que estão as batalhas, afinal.
“E as minhas almas também.” completou mentalmente, igual a um shinigami.
O rapaz ao lado dele concordou, dizendo:
— Será providenciad….
— Ah! — interrompeu Pedro — Mas ainda não, espere o velho Mark ir embora primeiro.
Depois de ter ouvido atentamente a orientação, Beto assentiu outra vez. E eles então mudaram de assunto.
Durante toda aquela conversa, Rebecca se fez de planta. Não entendendo ou fingindo que não entendia sobre o que eles estavam falando, até que Pedro se virou para ela e disse:
— E eu não me esqueci da visita ao seu pai, Rebecca. Pensei em fazer isso mais ou menos depois que o velho Mark for embora.
A garota despertou quando ouviu aquilo.
— S-sim? — perguntou, atônita e ainda um pouco perdida. Parece que ela estava pensando em outra coisa durante a conversa, por isso a cara de planta.
— Seus pais, vou visitá-los quando o velho Mark for embora. — disse novamente o garoto.
Rebecca assentiu, ficando muito feliz com a decisão, até que Pedro lhe jogasse um balde de água fria.
— No entanto, — Ele disse — é provável que isso demore um pouco. Ele quer ficar e me orientar, até ter certeza de que eu consigo fazer tudo sozinho. E que não sou uma ameaça, lógico.
Não satisfeito, o rapaz continuou, em forma de reflexão:”Argh! Esse velho é muito safado! Fui eu que ensinei pro Ed como é que faz pra governar bem uma cidade. Hump! É lógico que ele sabe que eu consigo me virar muito bem e que só tá usando essa desculpa de ‘você não conhece o sistema político de Mea’ pra me vigiar.”
Pedro suspirou, mas então se lembrou de algo que o fez querer deixar aquilo de lado.
“Bom, eu realmente não entendo nada da cultura local, então pode até ser útil ter ele aqui por um tempo. Quando os primeiros resultados vierem, chuto o velho daqui.” concluiu.
Ao terminar de botar seus pensamentos em ordem, Pedro olhou para os lados e viu algo que o deixou um pouco receoso. Aliás, algo não, “alguém”. Mais especificamente alguém com um olhar manhoso.
— Rebecca? Que cara é essa, meu bem? — perguntou.
Tendo recebido a deixa, a mocinha expôs sua queixa, fazendo beicinho:
— Essa é a cara de uma mulher enganada. E o culpado disso é você!
Ter o dedo apontado na cara despertou algum ato-reflexo de Pedro, que rapidamente se levantou do sofá e ficou em posição de defesa.
Contudo, essa não era uma posição de defesa qualquer, daquelas que você usa durante um combate. Não… Essa era uma posição de defesa usada nos tribunais!
Assim, ele rapidamente mudou sua postura, tirou a poeira dos ombros e ajeitou calmamente os óculos que não tinha, se preparando para um discurso.
Todavia, quando ele estava prestes a abrir a boca e falar…
Sniff… Sniff…
“Lágrimas?! Pera, ela tá… chorando?!”
Vendo a garota usando sua tática do choro outra vez, Pedro fez o que qualquer outro homem faria: ele se rendeu.
— Não chore, meu bem! Eu juro que isso não foi de propósito! — Ele exclamou, escondendo a mão com os dedos cruzados na parte de trás das costas.
Todavia, o choro dela não cessou.
— Buá! Buá! Eu sou uma mulher violada! Fui enganada por meu próprio marido! Buá! buá!
— Ei! Eu não sou seu marido! — exclamou Pedro, atônito.
Mal sabia ele, apenas deu mais munição para a moça.
— Então é isso?! Você já me USOU e agora me ABANDONA?! … Sniff… sniff…
Pedro inconscientemente olhou para o lado em busca de apoio. Todavia, ele não recebeu isso. Muito pelo contrário, só recebeu a desaprovação do aliado.
Tendo visto o rosto normalmente inexpressivo de Beto, não só em choque mas também o encarando com desprezo, Pedro sentiu sua revolta aumentar. Infelizmente, ele estava na desvantagem ali.
E assim, o ataque do jovem advogado foi desarmado de forma triunfal.
— E-ei, meu bem. Não diga isso… e-eu… eu não te abandonei! Ahr… N-na verdade… eu…
Sniff… Sniff…
— Na verdade você…? — perguntou Rebecca, limpando algumas lágrimas com o dedo.
— Na verdade eu te amo muito e estava querendo aproveitar essa visita nos seus pais pra poder passar um tempo com você! — Ele disse e em seguida completou: — O que acha de sair em uma viagem depois da visita? Só nós dois…
— Sim! — Ela aceitou.
Milagrosamente, o choro cessou.
Dois segundos depois e era como se ele nem tivesse existido, pra começar.
“Mulheres são assustadoras!” Pedro concluiu.
Em seguida, o rapaz pretendia encerrar de vez a conversa, se lavar e ir dormir. Ele ficou muito cansado por conta dos incidentes do dia (principalmente o último). Todavia, isso não foi possível.
Ele foi surpreendido com um assunto muito importante trazido por Rebecca.
— Ei amor, olha só o que eu comprei no centro da vila hoje! Tão falando que é a nova moda do inverno. Muito bonito né?
Ao ver a peça de roupa, o rapaz se assustou.
— Rebecca… QUÊ PORCARIA É ESSA?!
— Que foi? Não gostou? — Ela perguntou.
Pedro então apontou para a peça. Ela era branca e felpuda, aparentemente feita com peles de coelho.
Mas o que o deixou em choque não foram os materiais e sim o acabamento. Em outras palavras, o decote.
Ou melhor, a falta dele…
— Isso não é um pouco… revelador de mais?! — Ele questionou.
E o rapaz tinha razão. Aquela blusa de frio pode ter sido feita para muitas coisas, mas proteger contra o frio não era uma delas.
Sem dúvidas!
— Ah, é! Você não foi muito lá por esses dias, então ainda não deve tá sabendo.
— Sabendo de quê? — Ele perguntou.
— Da nova tendência. — Ela explicou — Todas as roupas estão mais curtas agora…
E como se aquilo por si só não fosse o bastante, ela ainda completou:
— E eu fiquei sabendo que algumas pessoas estão andando completamente nuas em suas casas. Um dos guardas da cidade até veio reclamar aqui mais cedo, pedindo permissão para tapar à força as janelas com tábuas, só que você não tava…
Pedro sentiu um calafrio na espinha.
“Tá bom… vou fingir que não ouvi isso!”