Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 3
— Então essa é a sua casa? — Pedro não tentou esconder sua surpresa ao notar o que estava perante si. Isto é, a construção após as cercas brancas, pouco à frente da colina mais próxima.
O holograma se virou para ele, cruzando os braços. — O que foi? Não gostou dela?
— Não é isso, ela é legal, mas… mestre, não é um tanto simples demais pra um ancião? — Ele dizia enquanto analisava a casa de madeira estilo americana. O ambiente verde combinava.
Mas Marcus não se importou, simplesmente deu de ombros e falou:
— Pode ser. É verdade que meus colegas preferem viver em Palácios, Mansões ou grandes construções. Mas sou diferente deles.
Quando a última palavra cessou, sua figura se desfez. A pequena figura oval então voou para dentro da casa, entrando pela porta da de carvalho.
— Bom, eu sou um homem solteiro, então nunca me importei com essas coisas. — A voz dele era agora mais fluida e melodiosa que antes. Embora isso não foi o que mais surpreendeu o aluno.
Olhando-o, ele viu um homem de meia-idade com belos cabelos prateados e límpidos olhos azuis. Seu semblante era sereno como a garoa. O rosto tão belo quanto o céu. Este era seu novo mestre.
— Olá! Sei que não é o que esperava, mas bem-vindo ao seu lar! — O ancião demonstrou sua calorosidade a Pedro, deixando-o desconcertado com a hospitalidade subida, porém feliz.
Ao vê-lo pessoalmente, Pedro voltou a se colocar sobre um joelho. — Obrigado pela recepção, mestre! Quando começamos o treinamento?
Ao ouvir aquilo, Marcus não pôde deixar de dar um largo sorriso. O rapaz estava ansioso para correr. Se fosse o exército, este jovem seria o recruta e ele seu sargento durão. Muito embora este não parecesse ser o seu estilo.
…
Naquela noite, no porão de Marcus…
— Garoto, faça com mais força!
Ahr… ahr…
— O que? Mais, mestre? — perguntou o rapaz, ofegante.
— Sim rapaz, ou como é que você acha que vamos montar sua ficha? — explicou Marcus, agora com um jaleco branco e uma prancheta nas mãos. Ele observava os movimentos de seu aluno.
Assentido sem questionar, Pedro desferiu outra série de chutes contra o saco de pancadas pendurado no teto do porão. Seus movimentos não eram amadores, dava para ver que sabia artes-marciais.
Pah! Pah! Boow!
— Bom, acho que com isso temos um resultado decente pra colocar na sua ficha.
— E quanto deu, mestre? — Os olhos dele brilhavam em expectativa. Enfim saberia a quantificação de seus atributos, igual a Timoty.
Marcus então deu um pequeno sorriso e entregou a Pedro o pedaço de papel sobre o tablado de madeira.
— Pera, isso é serio mesmo?
Percebendo a confusão de seu aluno, Marcus se aproximou, apontando para o documento.
Nome: Pedro/ Clã Dragonark | Raça: 50% Alto-Humano/ 50% Dragão-Ancião |
Atributos | |
Força: 150 | Inteligência: ??? |
Destreza: 110 | Sabedoria: ??? |
Constituição: 200 | Carisma: 125 |
Vida: 460/460 | Estamina: 350/350 | Mana: ??? |
— Mestre, por que meus atributos são tão baixos? — perguntou Pedro, frustrado e com a mão na testa.
O ancião passou a encará-lo com um olhar de diversão, apoiando as mãos na lateral do corpo. — Seus atributos são baixos? Quem foi que disse isso?
— E não são?! — questionou, sem entender. Seus números mal chegavam a três dígitos, muito diferente do que viu antes e portanto, o fazendo crer que era uma égua mansa do lado do garanhão Timoty. Não era a melhor sensação do mundo.
— Garoto, sua força agora é pelo menos dez vezes a de uma pessoa normal. O mesmo para sua velocidade e físico. Eles com certeza não são baixos — explicou-lhe o mestre de cabelos claros.
Mas ao escutar aquilo, tudo o que Pedro conseguiu fazer foi encará-lo com ainda mais perplexidade.
— Mas mestre, eu vi os atributos de Timoty antes, e eles eram muito maiores que os meus! Como é que você diz que não são baixos?!
Ao ouvir tal indagação, ele enfim entendeu o porquê da aflição de seu pupilo, e explicou:
— Agora sim faz sentido você achar isso, já que se comparou com ninguém menos que o atual líder do Clã mais poderoso do mundo!
Pedro recuou um passo escutando aquilo. Clã mais poderoso do mundo? Como assim?
Lendo seu rosto, e ainda com aquela expressão divertida, Marcus disse em resposta:
— Não se preocupe muito com isso agora. Um dia você vai saber.
Bom, se seu mestre não se incomodaria em lhe dar mais explicações sobre esse último tópico, então então valia apena gastar muitos neurônios com isso. As coisas se explicarão com o tempo.
— Tudo bem, garoto, vamos testar sua inteligência e sabedoria depois, quando você conseguir sentir o mana e a essência das coisas — explicou, enquanto rabiscava algo em sua prancheta.
— Mana? Essência das coisas? Você quer dizer… magia?
O simples mencionar de tal termo foi o suficiente para deixar o jovem animado outra vez. Era como se um fogo brotasse de seu peito, uma emoção indescritível. Ele queria aprender e aprender agora! Será que o ancião já iria ensiná-lo naquele momento? Era o que esperava.
— E quando é que eu vou aprender a usar magia, mestre? — perguntou ansiosamente o rapaz.
— Depois. Primeiro temos que treinar o seu físico, para que ele esteja pelo menos a par com o de Timoty daqui a uns anos. Enquanto isso, você pode estudar os fundamentos da arte arcana.
— Mas Timoty é muito mais forte que eu, mestre! Como vou superá-lo sem magia?
— Exatamente, rapaz! Ele é agora, mas não será daqui a três anos — respondeu Marcus, com uma expressão extremamente jocosa no olhar. Não foi o suficiente para convencer Pedro, mas bastou para mantê-lo calado por um tempo.
terminando o que tinha de fazer, ele se movimentou, esticou os braços e aí deu uma batidinha de palmas, antes de dizer:
— Tudo bem rapaz, chega de enrolação! E vamos ao que interessa, ou seja, o seu treinamento físico.
Pedro até queria fazer mais perguntas. Como o que seriam os “fundamentos da arte arcana”, por exemplo. Infelizmente, o homem de meia-idade se apressou para as escadas do porão, deixando o rapaz no vácuo completo. Contrario ao que pensou, ele não aprenderia nada agora.
“Tsc! Acho que vou acabar sabendo uma hora ou outra, então tanto faz”, pensou, encolhendo os ombros e seguindo o ancião.
— Ei! Pera aí, mestre! Pra onde vamos?
…
Algumas dezenas de minutos depois, na colina de antes…
— Faça mil flexões!
— Tu tá de sacanagem né, mestre?
Essa foi a minha reação ao ouvir as palavras absurdas do velho platinado. Ele por acaso pensa que eu tenho tendões de aço? Não é possível! Mesmo com meu físico de atleta, isso é impossível.
— Eu não estou brincando garoto, sei que você consegue fazer isso! — exclamou meu mestre, puto.
Argh! Argh! Tudo bem! Tentar é de graça, afinal.
Diante do olhar cortante do mestre, limpei o suor da testa, me coloquei em posição de flexão e…
— Um… dois… três… quatro…
Birl! Birl!
E depois de muito, mas muito tempo mesmo…
— novecentas e noventa e nove… e… mil!
Aahr… Aahr…
Ofegante, eu enfim terminei as malditas flexões. É… parece que o que ele disse é verdade, eu realmente tenho a força de dez homens! Muhaha! Me chamem de Pedro Muralha! Muahahaha!
— Birl!
Infelizmente, minha alegria durou pouco tempo.
— Okay, garoto. Você terminou o aquecimento. Agora vamos para a parte séria do treinamento! — ameaçou o mestre. E é serio, aquilo só pode ser algum tipo de ameaça mesmo, ou brincadeira.
Infelizmente não era.
— Por que me olhas com esses olhos suplicantes, meu jovem garoto? — perguntou ele.
— Pera, é sério mesmo? Isso foi só um aquecimento? — questionei, atônito. Mas ele simplesmente devolveu um aceno em resposta.
Quando pisquei, o velho atirou um enorme pedaço de pedra na minha direção. Só Deus sabe de onde ele arrumou aquele troço. E pelo que parece, aquilo não era uma obra Dele.
— Use isso em suas costas e faça mais três mil flexões!
Ehr… Eu acho que vou precisar de gelo e calmante mais tarde.
Sniff… Sniff…
…
O final desta tarde foi um verdadeiro inferno! Não sei porque, mas senti uma baita saudade do exército. Pelo menos lá a gente não era obrigado a continuar até a exaustão… não! Pera, eramos sim. Hehe…
Enfim, finalmente a noite chegou e nós agora estávamos na casa do mestre de novo. O que é bom, pois pelo menos minhas noites serão tranquilas, acho eu.
— Experimente isso, rapaz. É o caldo de galinha ancestral do meu mestre. Vai te ajudar com a fadiga — explicou o homem maligno à minha frente. Não se pode deixar enganar pelo sorriso falso dele, aquilo não é um ser humano!
Infelizmente, eu não fui capaz de resistir depois de sentir aquele cheirinho gostoso. Cai na tentação do diabo branco. Peguei rapidamente a porcelana das mãos do mestre e devorei freneticamente aquele delicioso caldo de galinha. E só pra constar, eu nem gosto de galinha.
— Só tenho uma palavra pra descrever isso: MAG-NÍ-FI-CO!
Ao escutar meu elogio sincero, o diabo se alegrou, se arrependeu e enfim voltou a ser um anjo.
— Sério? Fico feliz em ouvir isso! Meu professor sempre reclamava do meu caldo…
Ao ver aquele olhar de saudade no rosto de meu mestre, não pude deixar de pensar que ele teve bons momentos com seu professor. Ehr… isso sim deve ser curioso. Que tipo de homem ele era?
Aliás, os anciãos falaram algo sobre esse tal de Cesário ser incrível ou algo do tipo. Aqueles velhos parecem ser bem fortes, então esse cara provavelmente tá em outro patamar. Mas afinal, qual é a força do meu mestre?
Como se percebesse meus devaneios, o mestre foi até a cadeira a meu lado, se sentou e continuou sua conversa comigo.
— Eu sei que isso é muito novo para você, mas vai se acostumar. — Isso com certeza é algo que poderia ser dito em uma prisão! Ou em um lar adotivo…
Acenei positivamente em resposta, esperando ele prosseguir. Não deveria ter feito isso.
— Bem, agora que você acabou, que tal irmos para a segunda parte do seu treinamento?
— Segunda parte? — questionei.
Mas meu mestre manteve aquele velho habito de me ignorar. Guardou a cadeira e se apressou, saindo pela porta da cozinha.
— Vamos! Vou te levar para a minha biblioteca pessoal.
…
Chegando lá, não pude deixar de me sentir impressionado. O porão era um lugar muito amplo, mas quem no mundo imaginaria que escondido naquele espaço estaria uma porta secreta, e mais, que aquela porta secreta daria para um lugar tão grande e magnífico?!
Estantes e mais estantes. Prateleiras. Mesas. Guarda-objetos. E todas eles repletos de livros! Sério, eles se estendiam até onde a vista alcançava! Parecia a biblioteca da Universidade.
— Incrível! Isso é simplesmente incrível! — exclamei, completamente extasiado pelo que vi.
— Tudo bem, garoto. Aquelas prateleiras ali têm livros de geografia — explicou o mestre. — Já naquelas ali você encontrará um pouco sobre a história e origens do Clã.
— Wow! São muitos livros! — exclamei, impressionado. Admito que essa sim foi uma verdadeira surpresa, no bom sentido. Respirando fundo até dava pra sentir aquele cheirinho gostoso do papel mofando. Era delicioso.
Fui guiado até os fundos da enorme biblioteca, até pararmos em uma certa estante. Lá, ele retirou um livro enorme e colocou-o em uma mesa próxima. Quantas páginas tem essa coisa?
— Aqui você encontrará os fundamentos mais básicos da arte arcana. Leia pelo menos até a página 200 antes de ir dormir — ordenou o mestre.
Dessa vez não discordei e nem protestei. Bom, não dá pra reclamar. Afinal, isso é bem mais fácil do que fazer flexões.
Após me dar algumas instruções básicas, o mestre deixou a sala. Provavelmente foi cuidar de suas próprias tarefas, já que ficou a maior parte do dia comigo.
Olhando para a contracapa do livro, pude reparar que lá se encontrava um nome:
— “Lúcien Lucca” — comentei, enquanto virava a primeira página. — Que nome mais interessante, as iniciais ficam L.L.
“Aos jovens magos e aprendizes da Confederação Arcana, eu, Lúcien Lucca, dedico este mais novo tratado sobre os fundamentos da arcana.
Como é sabido por todos, a arcana envolve muito mais que simplesmente a essência da magia, mas além disso está intrinsecamente ligada à essência das próprias coisas!
Tudo é magia! Tudo é arcana!
O que eu quero dizer é: Vocês nunca se perguntaram por que os pássaros voam? Isto é, como funcionam os processos anatômicos e físicos por trás disso? Ou por que as plantas precisam de sol?
Ou ainda: por que ocorrem tremores de terra?
“Por que os deuses ficam bravos?!” — diriam nossos ancestrais.
Mas eu não acredito nisso! E tenho certeza que os nossos ilustres jovens também não. É por isso que fiz este fabuloso livreto, discutindo sobre os fundamentos básicos que compõem o nosso mundo.
[…]”
Ao ler aquela introdução, minha mente se abriu. E só percebei depois que meus lábios tremiam de felicidade e expectação.
— Confederação Arcana? Deuses tristes? Fotossíntese? Em que época estamos? Isso tá começando a ficar interessante. Hahaha!
Mas minha alegria não durou muito, para meu azar. E como um livro de magia acabou com meu humor? Simples…
Lendo cuidadosamente algumas páginas daquele “fabuloso livreto”, pude notar que ele falava mais do que sobre meras questões de química e física básicas. Sem magia, contudo.
Ao virar a página cem, me deparei com o seguinte:
“Quando falamos dos alcanos, como Heyek recentemente provou, fica claro que eles detêm pouca afinidade química com outras substâncias e que também são quimicamente inertes à maioria dos reagentes conhecidos.
Entretanto, eu ouso dizer que, além do oxigênio, do flúor e do iodo, os alcanos também interagem com outro componente, um metal radioativo extremamente raro que Orik descobriu na década passada, que chamamos Orikhaulum, ou componente de Orik.
Eu digo isso com base em… […]”
Paft! Não suportando mais aquela saraivada de informações complexas, fechei o livro e fiz uma pequena pausa.
— Caraca! Que parada sinistra é essa?!
Sniff… Sniff…
Agora eu entendi por que o diabo branco mandou ler só duzentas páginas. É porque essa coisa é sinistra pra caraca! Coisa do capeta… literalmente!
— Eu acho que quero chorar…
Eu ainda não sabia, mas a partir daquela noite seria assim, entre a cruz e a espada. Ou melhor, entre a dor (física) e o sofrimento (mental). Pelas manhãs e tardes, treinamento físico pesado. E quando chegavam as noites: leitura e reflexão.
Vovô, por que raios o senhor me deu aquela caixinha maldita?!
Sniff… Sniff…