Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 37
— Merda! Essas coisas só acontecem quando eu estou de serviço — xingou o policial municipal. Ele e o colega foram cercados por uma multidão de gaudérios.
Os policiais faziam a segunda ronda da noite, quando um aldeão os parou. Ele falou de uma confusão num bar a duas esquinas.
Quando chegaram, contudo, os baderneiros pararam tudo o que estavam fazendo e partiram para cima deles.
— Tsc! Pega os três da direita, eu fico com os da esquerda — falou o policial, balançando seu bastão. Como estavam apenas de ronda, o objeto estava sem a ponta de metal.
O colega assentiu.
As técnicas de braço dos policiais com as hastes chamou a atenção dos marginais. Eles se perguntavam o que raios eram aqueles movimentos.
O bandido da frente pegou a adaga e correu. Não queria esperar mais.
— Pegá esses merda!
— Kekekeke!
O policial de direita deu um soco no peito no da frente.
O adversário foi empurrado bruscamente para trás e trombou com outro marginal.
Pah!
Os dois caíram.
Em seguida, outro deles pulou por cima e avançou no guarda.
Mas o agente estava atento e revidou. Girou o bastão e acertou o rosto do bandido.
Pah!
Enquanto isso, outros dois deles lutavam contra o policial da esquerda. Eles o apunhalaram, mas a haste de madeira se manteve intransponível.
O movimento giratório fez a arma do bandido voar longe.
Pah! Finc!
A adaga passou pela bochecha do marginal e acabou se grudando em uma parede.
Em seguida, os bandidos se olharam com estranheza.
“Que droga é essa?” pensaram.
Nenhum deles conseguiu acertar um golpe sequer nos policiais e toda vez que tentavam eram repelidos pelas lanças sem ponta. Um deles quase teve a bochecha cortada pela própria arma.
— A gente somos maior em número que os policia. Como que nóis tá perdendo, Urubu?
— Vamo mudá a estratégia, cerquem eles! — ordenou o gaudério.
Os cinco logo entenderam o que o tenente do crime quis dizer. Um ataque em conjunto. Assim, eles cuidadosamente fizeram um círculo com os dois inimigos no meio.
Com a desvantagem numérica, os policiais não puderam impedir o movimento.
E naquele momento um deles falou para o amigo:
— Bob, se por acaso eu morrer hoje, diga pra Yollanda que eu a amo…
— Sim… peraê! “Yollanda”…? Minha irmã?! Essa Yollanda? — perguntou.
— Sim.
O homem suspirou.
Os gaudérios, no entanto, não quiseram saber de conversa. O ataque continuou e desta vez em escalas alternadas.
Enquanto dois deles atacavam, os outros três ficavam à espreita, explorando as falhas dos adversários.
— Droga, Bob! Tá na cara que esses malditos treinaram essa merda antes! — xingou o homem, lutando para se manter em meio aos ataques assassinos dos criminosos.
Bob sentiu o cheiro do perigo. Ele também já estava cansado e ferido.
A situação era crítica.
…
Em outros locais da vila o caos reinava por igual. Vários estabelecimentos estavam sendo atacados e a base da polícia não era exceção.
Os agentes da lei resistiam como dava, rezando para que seus colegas acordassem e viessem ajudá-los de alguma forma. A força individual da polícia não era o problema e sim a falta de contingente.
Enquanto isso, nas ruas da parte leste da vila…
— Vamos mais rápido, Pastor! Temos que mostrar isso ao lorde Mark, urgente!
A pressa de Poodle era notável. Os dois descobriram alguma coisa importante no esconderijo do contrabandista.
— Essas coisas são muito pesadas, Jonson. Não consigo correr muito rápido com elas — alertou Pastor, balançando as sacolas nos ombros.
Poodle suspirou. Em seguida pegou um dos sacos — o menor — e o apoiou sobre os próprios ombros. Pastor agradeceu.
— Vamos!
A fuga continuou.
Todavia, eles sentiram um cheiro estranho. Um cheiro putrefato, misturado com um outro metálico que eles só presenciaram uma outra vez em todas suas vidas.
Quando chegaram no centro da vila eles reconheceram o que era. Cheiro de gaudério. E o pior: um grupo deles.
Os inimigos praticamente massacravam os dois colegas policiais.
Os agentes estavam agachados, segurando forte nas hastes de madeira enquanto resistiam às investidas do inimigo. Eles sangravam e o da direita tinha um corte no rosto.
— Merda! Olha lá o que eles tão fazendo com eles, Poodle! — Pastor lançou o alerta.
O garoto assentiu, mas logo balançou a cabeça em negação. Por mais que quisesse, sabia que não devia.
O conteúdo em suas mãos era precioso, não podia perdê-lo.
“E agora? As informações ou meus companheiros?” questionou. Os braços tremiam. As pernas vacilavam.
Ele estava nervoso.
A resposta para aquela questão mudaria tudo. Qual seja a escolha que ele fizesse, ela traria consequências enormes para o futuro de Vilazinha.
Se eles escolhessem salvar seus companheiros, era quase certo que teriam sucesso em quebrar aquela formação. Os gaudérios estavam armados, mas as técnicas marciais de quatro agentes eram mais que o suficiente para lidar com apenas seis deles.
Contudo, a situação da vila era desconhecida e o número que saiu do cortiço ultrapassava em muito o deles. Caso fossem cercados, a informação se perderia. Isso seria uma catástrofe para Vilazinha.
Poodle cerrou os punhos ao tomar a decisão.
— Precisamos levar a informação! — gritou.
Em seguida, virou o rosto e correu rumo ao Oeste da vila. Lá ele julgou estar velho Mark e as meninas.
A dor no coração o corroeu na hora. Algo nele dizia para parar, para ajudar os companheiros. Mas ele não podia, já tomou sua decisão.
Todavia, algo o puxou de volta, mantendo-o parado onde estava.
— Jonson! — gritou o outro recruta, segurando o braço de Poodle.
O amigo lançou um olhar acirrado. Todavia, ao ver a expressão no rosto de Pastor, permaneceu calado.
Era um misto de raiva e indecisão, igual ao que ele mesmo sentia. A diferença, contudo, foi que o grau da raiva superou o da indecisão. E muito!
Assim, novamente escutou o amigo repetir em voz alta: — “Quando o medo tentar te dominar, dê um chute na cara dele” — E continuar: — “Se a indecisão bater à porta, dê pra ela um chá de porrada!”
Poodle ficou em choque.
Tudo o que Pedro falou pra eles durante o treinamento pareceu ter uma função naquela hora. Não era só conversa, mesmo as piadas tinham uma aplicação prática.
— Quer saber?! Você tem razão! — exclamou Poodle, largando o saco no chão e preparando seus punhos.
Pastor sorriu.
Em seguida, os jovens partiram para cima dos adversários na esquina.
— Aaaaaah!
Pah!
— A casa de vocês caiu! — gritaram os garotos.
Pastor abriu a cela de sua fúria. Agarrou um homem pela nuca e o arremessou contra a parede.
Pah!
Poodle, por sua vez, tentou uma voadora no bandido careca, mas foi percebido e teve o golpe anulado por uma esquiva.
Os marginais não demoraram a perceber que os dois eram reforços inimigos.
— Vocês estão bem? — Poodle perguntou aos colegas feridos.
Um deles assentiu, acenando que podia continuar. Mas o outro mal conseguia se manter de pé.
Pastor virou a cabeça para trás. Ele e Poodle trocaram um olhar.
Parece que armaram um plano.
Assim, o maior deles se manteve de pé na frente dos inimigos, enquanto Poodle arrastava o homem ferido para o canto da rua. Ele o apoiou em uma parede com a ajuda do terceiro colega.
— Um gordão e um muleque, tá de zoa?! Pegá eles! — gritou Urubu, vendo a vulnerabilidade de seus adversários.
Naquela hora, Pastor agarrou o bastão do agente caído e se colocou na frente dos gaudérios. Ele estava agindo como escudo, enquanto o amigo prestava os primeiros socorros ao agente ferido.
— Venham! — gritou.
Pah!
Enquanto isso, Poodle usava suas roupas de treino para fazer uma bandagem improvisada. Ele estancou o ferimento na testa do homem, que tinha um rasgo que ia até a bochecha.
— Ele tá bem? — perguntou o outro policial.
O rapaz assentiu.
— Vai ficar, o ferimento não foi muito profundo e também não pegou no olho. Contudo…
— Contudo…?! — A preocupação no rosto do homem era notória.
Poodle respondeu: — Ele perdeu muito sangue, precisa ficar quieto e estancar os ferimentos.
— Droga! Esses bastardos! — xingou o agente, se levantando e agarrando firmemente o bastão.
O rapaz tentou pará-lo.
— Ei! Você também está ferido, precisa de cuidados!
— Que se danem os cuidados! — gritou. — Eu posso lutar!
O vigor na atitude do veterano inspirou Poodle a se levantar também.
— Tudo bem, vamos juntos então — Ele disse.
Em seguida, deu instruções ao agente ferido para manter pressionada a bandagem e sussurrou algo ao colega de pé.
— Tudo bem! — concordou o homem.
Eles então partiram de encontro ao destino, ajudando Pastor, que mantinha as adagas inimigas afastadas com um bastão, chutes e poderosos movimentos de sumô.
Pah!
Naquela hora, um gaudério havia acabado de ser arremessado pelo berserk.
— Você está bem? — O colega tinha acabado de chegar para cobri-lo após o golpe.
Ele assentiu e os três então mudaram o fluxo da luta. A formação pensada por Poodle usou Pastor como berserk, agindo na frente para parar os gaudérios enquanto o policial com o bastão servia de lança para revidar os ataques, devolvendo o dano.
Enquanto isso, o próprio Poodle ficaria atrás para proteger a retaguarda e evitar um cerco, bem como dar apoio ao contra-ataque deles.
Uma estratégia brilhante.
Pah! Pah!
Sete minutos depois, todos os gaudérios estavam no chão. Eles foram abatidos pela formação.
— Eles desmaiaram…
— Ei, Poodle. Olha lá! — chamou Pastor.
O rapaz apontou para o norte, de onde mais criminosos chegavam.
— Mas quê caceta é essa?! — gritou o gordo com cicatrizes que comandava a estirpe.
Ele ficou furioso com a cena de seus subordinados desmaiados ao lado dos policiais. Ele os mandou neutralizá-los, mas eles não só não conseguiram como perderam para eles.
— Esses idiotas! — xingou.
Depois, partiu para cima dos três adversários. Eram vinte contra quatro e um deles estava sem poder de luta.
— Você consegue se levantar? — perguntou Poodle ao policial ferido — Precisamos fugir!
O homem não estava nada bem. Mas os gaudérios estavam vindo. Eles tinham que sair dali.
Para isso, Pastor o apoiou em suas costas enquanto Poodle e o outro agente correram para pegar os sacos do chão.
Eles foram rápidos ao virar a rua em fuga, antes que os inimigos os alcançassem.
Entretanto, naquele momento, algo que não contavam aconteceu.
— Ué, Lobo. Alá os policia!
Sim, outro grupo apareceu no outro lado. Eles estavam cercados.
“Merda!” xingaram internamente.
Os bandidos riram quando viram a situação. Os quatro homens eram como ratos engaiolados, totalmente à sua mercê.
— O que fazemos? — perguntaram a Poodle.
Mas nem ele sabia como salvá-los dessa vez. Não tinha nada que pudessem fazer.
Suas pernas tremeram de novo, sua boca ficou seca e o andar vacilante. Poodle era só um jovem, no final das contas. Ele também tinha medo, também não queria morrer. Não em vão.
Naquele momento o garoto olhou para frente e depois para os lados, encontrando o olhar esperançoso de seus aliados.
Eles mostravam medo. Mas havia outra coisa lá. Um brilho, uma expectativa.
Era como se Poodle fosse sua única chance de sair de lá com a cabeça nos pescoços.
“E-eles estão confiando em mim? Isso… isso não é possível! Por-por quê?!” questionou o rapaz.
A verdade é que eles viam o jovem recruta como seu líder natural. Foi ele quem bolou a estratégia antes, afinal. Sempre ajustando os detalhes e ordenando as ações do grupo. A ficha dele só caiu agora.
O rapaz suspirou.
Depois de tudo o que ouviu do amigo mais cedo, ele decidiu manter a calma e retribuir aquela confiança com ações.
Eles estavam sem tempo e rotas possíveis agora, verdade. Por isso precisavam de uma decisão.
E precisavam dela agora!
— Já sei! — gritou o rapaz.
Os outros voltaram seus olhos para ele.
— O que fazemos?! — perguntou o policial, seu tom era de urgência.
Poodle apontou para as sacolas.
— Atirem esses frascos neles! — gritou.
Dessa vez foi Pastor quem demonstrou preocupação.
— M-mas… Jonson! Esses frascos tavam na… — Ele murmurou em seu ouvido.
— Não importa! — gritou Poodle, em seguida completando: — Estou apostando
O amigo assentiu.
Eles então retiraram os recipientes de vidro. Poodle gritou para os bandidos:
— Ei! Vocês! Parem aí mesmo!
Os gaudérios não entenderam o que ele queria dizer com aquilo.
Mas em seguida o garoto ameaçou:
— Vocês devem ter visto o que aconteceu com os aldeões, a doença. — Ele ressaltou bem a última palavra.
— O quê? Doença? — Os bandidos se questionavam.
Um deles logo elucidou:
— Ele tá falando da parada da gripe, caceta. Os cara falô que o trêm tá doido mermo, loco.
— Eu ouvi essa parada aí também, lá no bar do magro — corroborou o outro — Os cara tão morrendo com isso.
O gordo com as cicatrizes e o Lobo raciocinaram.
— Pera ae guardinha, cê não tá dizendo que…
— Foram esses frascos que causaram a doença! — atropelou o garoto.
“O quê?!” Suas mentes ficaram perplexas. Os bandidos ficaram consternados com o fato.
Os capangas vacilaram.
— Vamo saí daqui, patrão… — imploraram alguns deles.
Mas o gordo não quis nem saber.
— Trás o arco! — ele ordenou — Vamo acertá daqui então!
Os policiais não conseguiram acreditar naquilo.
“O quê?! Eles têm um arco?!” perguntaram-se.
Parecia que toda a esperança havia enfim se esvaído. O rapaz de cabelos brancos realmente já tinha usado todas as suas cartas naquela altura.
Percebendo aquilo, Pastor colocou as mãos nos ombros do amigo, o outro policial fez o mesmo.
— A culpa não é sua. Você fez o que pode, Jonson.
— Foi uma honra lutar com vocês, recrutas. De verdade…
Seus olhos estavam chorosos, mas mantinham orgulho. Eles se olharam, foi um tipo de acordo tácito. Se tinham que morrem, ao menos morreriam lutando.
Por isso, Pastor fechou os punhos. O policial segurou firme o bastão. Poodle ajudou o outro homem a permanecer de pé, enquanto ele mesmo preparava o bastão sobressalente.
Sua última luta iria começar.
— Vamos!
Contudo, naquele mesmo momento, uma voz ressoou de longe.
— Então são esses os idiotas que eu tenho que matar?