Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 38
— Então são esses os idiotas que eu tenho que matar? — perguntou uma voz irritada e feminina.
Poodle precisou esfregar os olhos para garantir que não estava sonhando. E não foi só ele, os outros três também.
— Leide Rebecca?! — questionaram.
“O que ela tá fazendo aqui? É muito perigoso!” pensou o rapaz.
Os gaudérios ficaram confusos, porém animados com a chegada da garota. Eles a viam como uma presa que tinha batido à porta dos lobos.
— Um cordeirinho veio jantá com nois, Lobo — vomitou o gordo, lambendo os beiços enquanto se virava ao colega.
Lobo assentiu e fez o mesmo com a língua, o restante deles soltou gargalhadas com a cena.
Presumindo o perigo, Poodle ia alertá-la para sair rápido dali.
Entretanto, quando ele piscou…
Shiiiiin! Shiiiiiin!
— AAAAAAAH! MEUS OLHOS! ELA ARRANCOU MEUS OLHOS!
As duas agulhas afiadas penetraram o rosto do criminoso. Dois segundos depois, o homem caiu.
Rebecca sumiu.
Shiiiiiiin!
Quando ela reapareceu, o pescoço do gaudério foi fatiado.
Paft!
Coitados, foi só quando a cabeça do homem caiu que eles perceberam que a ovelha na verdade era uma leoa.
E ela não estava sozinha. Veio acompanhada por vinte e sete soldados remulus. Os homens cruzaram a rua e apareceram bem na hora.
Assim, os gaudérios se viram cercados por uma formação complexa de homens com o dobro de músculos e cinco palmos a mais de altura do que eles.
Os inimigos carregavam escudos longos e tinham penas vermelhas no topo de seus elmos. As lanças que portavam eram igualmente ameaçadoras.
Em latim, eles pronunciavam:
— Esses bárbaros ousam profanar a morada do Apóstolo e bolçar em vão o santo nome de Vênus! Irmãos, por Marte, hoje nos vingaremos!
— Por Marte! — responderam os demais.
Em seguida, eles posicionaram seus escudos para formar uma linha e avançaram com as lanças penduradas.
— Por Marte! Por Marte! — Eles gritavam.
Vendo aquilo, Rebecca recuou para onde estava antes, saindo do caminho dos remulos.
— Por Vênus! Por Vênus!
Os gaudérios ficaram desesperados.
Por poucas unidades, eles ainda estavam em maior número. A vantagem, contudo, não existia. Bem como suas confianças ao enfrentar aqueles soldados ameaçadores.
A aura emanada pelo inimigo era aterrorizante, eles gritavam palavras estranhas enquanto marchavam uniformemente em suas direções.
Além disso, nem o gordo com as cicatrizes, nem o homem com a pele de lobo enxergavam alguma brecha para lançar um ataque. Os capangas logo começaram a ficar desesperados com a falta de ordens.
— Que que nóis faz agora, chefi? — gritou um deles para o gordo.
O marginal em questão travou. A verdade é que não tinha o que fazer agora.
“Merda!”, Ele amaldiçoou, refletindo: “Era só pra nóis fazê bagunça e ir embora, o chefe vai matá eu se nóis morre…”
Naquele momento, os remulus já estavam a três passos de distância dos gaudérios.
— Fujam! Seus idiota! — o gordo ordenou e saiu correndo pelo lado contrário da rua.
Contudo, ele não esperava pelo que veio a seguir.
— Ali! Os homens que os feridos falaram estão ali! — gritou uma outra voz feminina.
Era Maltês, que trazia consigo velho Mark, Buldogue e mais três dúzias de policiais municipais e recrutas. Aparentemente, elas viram a confusão no caminho ao covil do contrabandista e foram averiguar.
Ao perceber o perigo da situação, reuniram todos que conseguiram e tomaram de volta a base da polícia. Recuperaram as armas e foram lidar com o resto dos criminosos.
— Leide Rebecca! — gritou Mark, surpreso com a presença dela.
“O que é essa tinta vermelha no vestido da leide?” questionou-se Mark.
Naquele momento, um dos capangas gaudérios não resistiu e partiu para cima dos remulus. Ele não queria morrer e inconscientemente foi para o lado com o menor número, achando que lá teria mais chances.
Ledo engano.
Pah! Shiiiiiiin!
Com um movimento de lua, o corpo do marginal foi partido em dois. Sangue jorrou, tripas caíram e os gaudérios restantes ficaram em choque.
Um cheiro fétido tomou conta de suas narinas.
— Um… UM GOLPI! ELE MATO O CORRERIA COM UM GOLPI!
Os homens restantes entraram em desespero. Correram.
Os remulus continuaram a investida.
Shiiiiiiin! Shiiiiiiin!
— Por Vênus! Por Vênus!
Shiiiiiin! Pah!
— Por Marte! Por Marte!
Shiiiiiiiin!
Entre brados de guerra, sangue e gritos desesperados, a batalha se desdobrou com os gaudérios correndo para o lado oposto aos remulus.
Todavia, agora os policiais também tinham lanças com pontas, estavam com os números e sentiam-se preparados para resistir ao inimigo.
Os recrutas ficaram atrás, dando apoio.
Quando os primeiros gaudérios chegaram, os policiais golpearam com técnicas marciais. Muitos dos criminosos foram feridos com isso, recuando.
Pah! Fez a lança ao atingir o braço de um deles.
Assim, vendo que estavam completamente cercados por ambos os lados e que não tinham a mínima chance de resistir, o chefe dos gaudérios decidiu apelar.
— E-espera ae! N-nóis também merece um julgamento justo, p-pelo lordi dos domínio.
Em Mea não tinha sistema judiciário. Os criminosos eram julgados diretamente pelo lorde do lugar. E, em crimes mais graves, pelo suserano direto dele — que no caso de Pedro seria Edward.
Como sabia que o “lordi” de Vilazinha estava fora, seu plano certamente era invocar os costumes para ganhar tempo. Afinal, presos eles ainda poderiam escapar.
— Hum? — A garota esboçou dúvida.
Um bom profissional deve conhecer bem os assuntos de sua área. Como se manifestasse isso, naquela hora o criminoso se mostrou um exímio conhecedor da lei.
Rebecca não entendeu aquilo. E se entendeu, simplesmente ignorou.
— Occidere eos! — ordenou a garota, abaixando a mão em um ângulo de 90°.
Os inimigos estavam cercados e com as armas sobre as cabeças, não era hora para piedade.
Os remulos assentiram e se preparam para descerem suas lanças. Contudo, uma voz ao longe os interrompeu.
— O que vocês tão fazendo?
Reconhecendo o tom de voz, Rebecca levantou a palma direita e ordenou que os remulus parassem a execução.
— Sistit impetum!
Em seguida ela largou tudo e foi correndo em direção ao norte.
— Amooooor!
O rapaz então pegou a moça de cabelos roxos e cintura fina pelos braços.
— Eu estava voltando e vi um cadáver na floresta — Pedro explicou, interpelando: — O que foi aquilo? Foram esses caras que mataram ele?
De mansinho, o gordo se virou para o capanga amarrado.
— Onde cês deixaram o pacote? — perguntou baixinho.
— Deixamo ele onde era o acampamento, chefi.
O humor do gordo escureceu.
Grrrr….
Vendo a cólera do homem, os capangas tentaram explicar.
— Nóis não conhece a floresta e falaram pra gente que tem muito cachorro loco solto aqui, ficamo com medo uai.
O chefe dos gaudérios não sabia se ria ou chorava com aquilo.
— Se a gente não morrer, eu mato ocês! — gritou.
Em seguida Pedro os interrompeu, anunciando:
— O julgamento justo termina por aqui.
…
Algumas horas depois, o jovem lorde chamou pessoas a seu escritório.
— Tá, deixa ver se eu entendi — Ele falou, recostando-se na poltrona — Então, quando eu tava fora, um bando de gaudérios veio pra cá e tentou chacinar os meus aldeões?!
Os olhares no rosto das pessoas presentes ficou complicado com o resumo do lorde. Todavia, foi basicamente isso o que aconteceu.
— Eu só não entendi uma coisa, que é como eles conseguiram esconder tantas armas dos meus policiais — Ele continuou. Seu tom indicando que queria uma explicação.
Assim, um dos subordinados deu um passo à frente. Era Poodle, dos recrutas.
— Meu lorde! Eu e Pastor encontramos esse diário no covil dos criminosos — Ele disse, entregando o objeto ao lorde.
Pedro o pegou e colocou sobre a mesa.
— E…? — perguntou.
— O dono do diário era um contrabandista da cidade, Maltês descobriu que ele era um viúvo órfão que se revoltou contra o senhor — explicou o recruta.
— “Era”…? Como assim? — o rosto de Pedro esboçou dúvida.
— Suspeitamos que o corpo encontrado pelo senhor é o que sobrou do homem…
— As descrições batem — adicionou velho Mark.
Com isso em apreciação, Pedro manteve-se pensativo por alguns segundos antes de falar.
— Então os criminosos acharam um contrabandista de armas, entendo…
Ele estava incrédulo.
“Isso é conveniente demais!” pensou.
E de fato era conveniente. Afinal, se as armas já estivessem dentro das muralhas, eles não teriam que escondê-las dos guardas no portão. Consequentemente, a polícia não teria motivo algum para barrar suas entradas em Vilazinha.
— Isso tá cheirando mal — Pedro comentou.
Os outros assentiram.
Claro, eles ainda não tinham como saber da brecha que o contrabandista abriu nas muralhas. E nem do receio que o homem tinha durante as negociações, o que indicaria que o mesmo não guardava muitas armas consigo. Então aquilo fazia sentido.
Em seguida, Mark se meteu na discussão, dizendo:
— Jovem lorde, creio que os recrutas tenham mais coisas a acrescentar ao senhor. — Ele apontou para os recrutas do departamento criminal.
Os outros três então se puseram à frente com Poodle.
— Pois bem, me digam.
— Senhor, quando eu e Pastor estávamos no porão, nós encontramos um cofre secreto. Ele está descrito na penúltima página do diário — explicou o recruta, apontando para o objeto na mesa.
Pedro o tomou novamente e abriu na seção descrita.
“3º Norte, 7º Oeste; terceira tábua, décimo primeiro ladrilho”
— De fato, uma senha curiosa — comentou — O que tinha lá?
Poodle sacudiu a cabeça para trás.
Pedro olhou para o conjunto de sacolas que os dois policiais municipais traziam até ele. Os recrutas deram espaço para que os homens o colocassem na mesa.
Pedro fitou os sacos. Surpresa preencheu sua tez ao retirar o conteúdo de lá.
— O que raios são essas coisas?
Ouvindo atentamente, Poodle se pôs à frente novamente.
— Senhor, até onde li, o diário do contrabandista fala de caos, revolução e da destruição de Mea. Ele também fala de uns homens estranhos que decidiram dar apoio às suas inclinações, financiando o contrabando.
Os presentes quase pularam de surpresa.
— O quê?!
— Em troca, eles pediram que ele espalhasse essas poções pela vila — completou Poodle — Pelo contexto, achamos que estão relacionadas aos aumentos dos casos de gripe da vila.
O que ele falou fazia sentido. Tanto Mark quanto Pedro concordaram.
— Jovem lorde, acho que são muitas coincidências… — Mark murmurou nos ouvidos do rapaz.
Ele imediatamente entendeu o que ele queria dizer.
“Então a nova tendência não é a culpada disso, ein…?! Que problemático…” lamentou o rapaz.
— Alguém tá tentando sacanear com a gente — comentou.
Mark suspirou junto com ele.
Ainda melancólico, Pedro pediu que tanto os recrutas quanto os representantes da polícia deixassem o escritório.
— Vocês não precisam vir treinar amanhã, tirem o dia de folga. Avisem isso aos demais — orientou o lorde.
Os subordinados assentiram e saíram da sala.
Em seguida, Mark relatou a Pedro os fatos com uma quantidade maior de detalhes. Uma parte específica da conversa chamou a sua atenção.
— Não sabia que você tinha tanta força, meu bem. — Pedro deu um sorriso complacente para a garota no sofá.
— Hum?
Ela fez uma careta estranha, como se não entendesse o que ele quis dizer. Pedro então resolveu deixar o assunto de lado.
Depois disso, o rapaz se levantou e foi até o canto da sala. Seu objetivo eram dois grandes sacos pretos que ele trouxe consigo de Douche.
O queixo do velho quase caiu quando Pedro os abriu.
— Esses são…
— Os ingredientes e livros que precisamos? Sim. Hehe — respondeu o lorde, interrompendo-o.
— Como?? — Mark esbugalhou os olhos. Ele saiu alguns dias e voltou com uma solução? Isso era mesmo real?
Ao ser questionado, Pedro deu uma risadinha maliciosa que dizia: “nem queira saber”, fazendo Mark desejar de verdade guardar aquela dúvida para si.
— Aliás, caro Mark, vou precisar que você lave essas mercadorias pra mim. Pode fazer isso? — Ele perguntou.
— Lavar? Claro, mas por quê? Elas estão sujas?
Parece que o refinado conselheiro não entendia as gírias e nuances do mundo do crime. O ex-advogado riu disso.
Mas então ele se lembrou dos detalhes do final dessa aventura e a felicidade deixou seu semblante.
“Preciso aprender a cavalgar se quiser enganar mais pessoas no futuro” concluiu, antes de fitar seriamente o rosto do companheiro.
— Mark, espera um pouco para relatar isso pro Ed, sim? — Ele pediu, completando:
— Eu tive uma ideia…