Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 39
Dois dias depois…
No início do dia, Pedro mandou chamar todo o contingente policial em sua mansão. Eles estavam no dojô, aos fundos, se preparando para receber instruções.
— Muito bem, meus cães, à essa altura todos vocês já devem estar cientes do que aconteceu na vila enquanto eu estive fora — O lorde falou.
— Sim, meu lorde! — assentiram. Eram cerca de oitenta ao todo.
Encarando a primeira fileira, Pedro continuou.
— Ótimo! Isso poupa o trabalho…
Ele andou um pouco pelo tatame, parando perto de umas mesas de pedra, claramente improvisadas. Tinham uns recipientes em cima delas.
— Bom, eu quero que vocês esqueçam isso por enquanto. Investigaremos melhor depois que os civis estiverem fora de risco — instruiu.
O efetivo assentiu novamente, em uníssono. O lorde continuou.
— Estão vendo? Estes são remédios, as pílulas brancas amenizam os sintomas da gripe e as marrons fortalecem a imunidade.
Ele disse apontando para as garrafas de barro nas mesas. Fez questão de segurar um comprimido diferente em cada mão.
— Quero que vocês os entreguem à população, começando pelos casos mais graves e pelos policiais de cama.
Os subordinados olharam atentos para os frascos. Neste momento, se tratava dos tesouros mais preciosos que tinham, cujos quais o lorde em pessoa teve que se desdobrar para conseguir.
— Ah, — Ele completou — e não se esqueçam, a existência desses remédios é um segredo. Se alguém de fora perguntar, digam que foram doações do Grão-Duque.
— Sim, meu lorde!
Em seguida, Pedro deu outras orientações e os dispensou. O objetivo deles era entregar os remédios à população em um único dia. Algo que, apesar de exaustivo, não seria muito difícil com um efetivo desse tamanho.
Depois, o jovem lorde se virou para os quatro recrutas do departamento criminal.
— Quanto à vocês, me sigam.
— Onde nós vamos, senhor? — perguntou Maltês.
Pedro sorriu.
— Hoje eu vou ensinar técnicas de interrogatório pra vocês.
Eles ficaram curiosos.
Assim, os cinco foram até um quarto no primeiro andar da mansão e então desceram as escadas, até um corredorzinho escuro e empoeirado. Lá, encontraram uma coisa bizarra.
— “Jail”… O que isso significa, senhor? — perguntou Poodle, lendo o cartaz pendurado sobre a parede. Tinha uma figura desenhada nele.
— É só um trocadilho, esqueçam isso… — Ele respondeu, encarando com vergonha o desenho. Tratava-se de um sol quadrado, visto por trás de umas grades.
Eles então seguiram até a única porta do recinto. Lá dentro, Pedro manteve os sobreviventes inimigos.
Depois de serem praticamente chacinados pelos soldados remulus, Pedro os enfileirou e julgou na mesma hora.
Um por um, aqueles homens tiveram os corações arrancados pelas mãos do próprio lorde. Só dois deles haviam mantido o órgão no próprio peito com sucesso. Ou quase isso…
— Hm! Hum… Hm! — Com as bocas amordaçadas, eles tinham muita dificuldade em expressar súplicas ou xingamentos.
— Por que tem tanto sangue no chão? — perguntou um dos recrutas.
— Eu os capei…
— Como??
Pedro se manteve apático. Mas explicou.
— Fiquei sabendo que esses caras causaram muitos problemas por aí, alguns deles envolvendo a castidade das mulheres da vila. — Seu olhar passou a expressar raiva naquele momento.
Ele então pisou no pé de um deles e continuou, enquanto a mordaça abafava o grito do gaudério:
— Além disso, também fiquei sabendo que os safados ousaram zombar da minha namorada. Hump!
Foram os remulus que o informaram disso. Também foram eles que exigiram a castração, alegando ser um costume sagrado ou algo do tipo. Pedro concordou na hora, sem hesitar.
— Enfim, vamos descobrir algumas coisas agora — Ele disse, tirando a mordaça do gaudério cujo pé ele acabou de esmagar.
— T-tira nóis daqui! Nóis não sabe de nada, juro! — gritou o homem, agora sem a pele de lobo. Ele tinha lágrimas nos olhos e um pouco de sangue na boca.
Pah! Pedro o socou.
— Silêncio!
Com medo, o homem se aquietou para que o jovem de cabelos compridos continuasse.
— Você vai me dizer duas coisas agora — explicou, levantando o indicador — Primeiro, quem é o mandante? E dois, onde o maldito está?
O olhar do criminoso era terrível, expressava medo e receio. Mas se manteve calado mesmo assim. Consequentemente, Pedro o socou de novo.
Pah!
Outra vez.
Pah! Pah!
E mais uma vez, finalizando com uma sequência implacável.
Pah! Pah!
Os recrutas tiveram dificuldades em ver essa cena de espancamento, principalmente Poodle. Contudo, eles também sabiam que era o único jeito de obter informações rápidas.
Pah! Pah!
— Fala logo! — Pedro gritou, descendo novamente o punho sobre o homem amarrado.
O homem entretanto se recusou a falar, novamente.
Pedro então fez algo mais bruto.
Tirando uma adaga do bolso e a pressionando contra os lábios do gaudério, ele disse: — Se não vai falar, então acho não precisa de uma língua, né?!
Sentindo o metal entrando em sua boca, o homem entrou em desespero.
Balançando as mãos e afastando o pescoço para trás, ele gritou:
— Eu falo! Eu falo!
Pedro assentiu e retirou a adaga.
— Desembucha.
O criminoso balançou a cabeça e então disparou a falar.
— É-é assim: N-nóis recebemô dinheiro pra vim aqui fazé bagunça, uns cara do capuz amarelo pagou nóis. Mas não sei ondi o Chefi e o resto dos cara tá, eu juro! Mazan tá di prova!
Pedro acirrou a sobrancelha. O criminoso pronunciou errado o nome do deus para o qual jurou. “Era algum tipo de estratégia?”, o ex-advogado se perguntava.
O bandido então completou a confissão.
— Mas o Gordo sabe! — Ele apontou.
— Okay — respondeu Pedro, atirando a adaga sobre a cabeça do criminoso.
Ziiiiuum!
Pah! Splah!
Sangue voou, junto com pedaços de crânio e pasta cerebral.
— Legal, cinquenta por cento já foi. Agora tentem vocês — Pedro se virou aos recrutas e disse indiferentemente.
O gordo pulou. E não foi só ele.
Maltês quase vomitou quando viu o cérebro do gaudério voando. Poodle segurou sua vontade de ir ao banheiro. As pernas de Pastor tremiam.
Já Buldogue, por outro lado, manteve-se controlada. A expressão dela não era das melhores, mas, fora as sobrancelhas cerradas e uma careta de nojo, ela se manteve sã.
Pedro percebeu aquilo.
Em resposta, entregou a adaga à menina.
— Quer tentar?
Ela congelou alguns segundos antes de assentir. Então pegou a arma e se virou para o criminoso.
Depois da noite anterior com os remulus e seu “ritual de purificação”, o gordo agora tinha muitas outras cicatrizes pelo corpo. Só no rosto ganhou uma dúzia delas.
Pedro tirou sua mordaça.
— Seu merda! Ocê mato o Lobo. As coisa não vão fica assim! — ameaçou ele.
Pah! Em resposta, o jovem lorde deu-lhe uma joelhada na cara.
O gordo cuspiu sangue.
— Tsc! Me sujei todo com esse lixo. — Pedro bateu as mãos sobre o manto nobre.
Tinham algumas manchas vermelhas agora, mesmo o tecido sendo escuro.
— Façam o gordo falar — Ele ordenou, se virando para deixar a sala.
— S-sim! — responderam os recrutas, sem jeito e com resquícios de medo.
Quando o lorde saiu, o gordo deixou escapar um suspiro de alívio. Ele não admitiu, mas quase desmaiou ao ver o rapaz matar seu companheiro de modo tão repentino. Era como se o rapaz tivesse decidido na mesma hora que queria o homem morto, da mesma forma que uma pessoa faz quando pisa em uma formiga.
Isso ativou um gatilho de um trauma que aconteceu há poucos dias, apenas.
A execução em massa ficou marcada na mente do gordo. Aquela expressão inexpressiva, os movimentos rápidos e eficientes, a postura desinteressada, ele se lembrou de tudo isso.
Aos olhos daquele jovem, era como se não tivesse matado seres da mesma espécie.
Todavia, agora aquele monstro tinha saído e sua vida não estava mais ameaçada. Ao menos por enquanto.
Por isso, ele tinha que dar um jeito de matar os quatro pirralhos a sua frente, pegar as chaves e fugir dali.
Quando começou a pensar no que faria para enganar esses jovens, entretanto, o gordo foi acordado por uma joelhada na cara.
Pah!
— Fale! — gritou Buldogue, ríspida. A garota de agora era completamente diferente da menina tímida de outrora.
Gordo se assustou e chorou de dor. Aquela joelhada mirou bem o centro de seus olhos e foi aplicada de uma forma muito mais cruel do que a entregue antes pelo lorde.
Nesse momento, o gaudério percebeu que teria uma tarde muito difícil.
…
Quando saiu da sala aquela hora, Pedro esperou ainda alguns minutos para deixar de vez o lugar. Ele queria garantir que os recrutas não teriam nenhum problema com o gordo.
Contudo, quando escutou os sons de socos e chutes, mais as exclamações firmes de Buldogue, ele sentiu que a preocupação era desnecessária. Os quatro dariam um jeito de conseguir a informação.
Assim, ele caminhou até a superfície da mansão. Então conversou um pouco com Rebecca e decidiu que eles fariam visitas pela vila.
— Preciso conversar com uma pessoa. Se ela concordar com a minha proposta, então eu acho que problemas como essa… “nova tendência”… poderão ser evitados no futuro — disse, ainda com um pouco de vergonha ao mencionar os hábitos estranhos que ele próprio implantou em Vilazinha.
Rebecca assentiu e eles então se deram as mãos.
A caminhada foi muito agradável para ambos. Afinal, tudo o que tiveram recentemente foram problemas. Um tempo em casal era um remédio para eles.
Minutos se passaram, quando Pedro parou sua caminhada e falou:
— Chegamos.
— Hum? Essa é a casa? — perguntou a garota.
Ele balançou a cabeça indicando que sim. Em seguida, bateu na porta da lojinha.
Toc! Toc!
— Quem é? — perguntou uma voz feminina — Estamos fechados hoje.
— Sou eu! Vim fazer uma visita — Pedro avisou.
Quando a porta se abriu e ele viu a pessoa que o recebeu, o jovem lorde teve uma pequena surpresa.
— Uma garota? — deixou escapar.
A pessoa em questão fez cara de estranheza.
— Quem é você? — perguntou a garota. Aparentemente não reconhecendo o senhor desses domínios.
Rebecca praticamente pulou na frente de Pedro ao analisar a situação.
— Então é com essa vagabunda que você me trai? — questionou irritada.
Dessa vez foi Pedro quem não entendeu nada, a garota atrás da porta igualmente.
— N-não! Eu vim atrás da velhinha dançarina que conversou comigo no outro dia! — tentou explicar.
Rebecca, todavia, não quis entender. Ela apertou a mão dele com força, puxando e o afastando da ameaça.
Nesse momento, uma voz ranheta veio do fundo do estabelecimento, para o júbilo do jovem senhor feudal.
— Oh, jovem lorde! Não acredito que se lembrou de uma velha arruinada como eu… cof! cof!
Ela os convidou para entrar.
Dois minutos depois, todos eles estavam reunidos nos fundos da lojinha de roupas, onde ficava a verdadeira casa dela.
Pedro se sentou num sofazinho que ficava encostado em uma parede próxima à cama da idosa. Rebecca o acompanhou, enquanto a moça que os recebeu trazia o chá.
— Então a senhora se chama Martha. É um bom nome para uma dançarina — comentou o rapaz.
— Ohoho! Muito obrigada, jovem lorde — agradeceu a velinha.
Desde que eles entraram, Rebecca não desgrudou os olhos da moça de cabelos verdes. Pedro percebeu aquilo.
— Perdoe a intromissão, mas quem é a jovem senhora? — perguntou o lorde.
— Ah, sim! Esta é minha netinha, Celine — apontou a velha, carinhosamente — Ela estava fora e, quando soube que voltei a Vilazinha, pediu para viver aqui comigo.
Pedro assentiu.
— Ela é uma senhorita, aliás — corrigiu a idosa.
A garota corou ao ser apresentada assim.
E foi só nesse momento que Pedro deu uma boa olhada nela. Era meio palmo mais alta que ele próprio, tinha cabelos verdes e…
“Um belo e recheado par de pernas.” analisou o rapaz.
Rebecca o beliscou.
Pedro voltou seu olhar para ela, usando sua melhor poker face disponível para lidar com o olhar assassino da namorada.
A velhinha o salvou naquele momento.
— Perdoe-me a falta de modos, mas o que o senhor deseja desta humilde, jovem lorde? — Ela perguntou.
O rapaz então se virou para ela e, pigarreando um pouco, disse:
— Ah, dona Martha, a verdade é que fiquei curioso com a história da senhora. Também fiquei um pouco preocupado, pensando que estivesse doente. Parece que eu acertei…
Um sorriso se estampou na cara da senhorinha quando escutou aquilo.
— Oh, não se preocupe com essa velha, jovem lorde. Já passei por muitas coisas nesse mundo, não vai ser uma gripe que vai me tirar dele. Hohoh… cof! Cof!
— Vovó! — exclamou a moça, correndo para o lado da velha.
— Eu estou bem, criança. É só uma tosse — A idosa acenou.
Vendo aquilo, Pedro retirou dois recipientes de pílulas de seus bolsos.
— Aqui, tome isso nas próximas semanas; duas por dia, uma de cada frasco — explicou, colocando os frascos na mesa.
— Muito obrigada, jovem lorde!
— O-obrigado, Lorde Pedro!
Agradeceram juntas a idosa e a neta.
Em seguida, Pedro sorriu e falou:
— Eu gostaria de conversar sobre alguns assuntos importantes quando a senhora tiver se sentindo melhor.
Ela concordou com a cabeça.
— Por enquanto, se importa se fizer uma pequena pergunta? — continuou.
— Claro, jovem lorde! Em que essa velha pode ajudar? — respondeu Martha.
Pedro sorriu.
— A senhora teria interesse em coordenar um festival, com dança e teatro, aqui em Vilazinha? — Ele perguntou.