Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 42
No interior do campo inimigo, o rapaz usava as barracas e moitas para passar despercebido.
Todavia, sempre que podia, ele invadia aquelas moradias rudimentares.
— O-Ocê é… — murmurou o bandido, surpreso, antes de ter uma linha de sangue traçada sobre seu pescoço.
Shiiiiiiin!
O algoz de ontem foi a vítima de hoje. Pedro o matou antes que ele se levantasse dos lençóis e em seguida roubou alguns de seus pertences.
— Esse anel parece ser fruto de algum crime, é bonito. Vou levar. Os sapatos também, moda de bandido…
Ao listar o que queria do cadáver, os objetos eram jogados em uma grande mochila que trouxe consigo.
Depois de mais ou menos sete barracas, o armazenamento já estava 2/3 cheio. Querendo guardar espaço para as coisas do interior da caverna, Pedro decidiu parar.
Em seguida espreitou para dentro do local. Não havia nenhuma porta lá, só um cercadinho.
“Eu já tinha reparado isso antes, mas até que meus olhos funcionam muito bem no escuro. Legal.” Ele analisou.
A caverna era grande, porém tinha uma altura muito limitada. Muito provavelmente, uma construção artificial.
Adentrando mais a fundo, o rapaz viu mais algumas barracas armadas. Só que estas não tinham homens dentro e eram bem menores também. Todavia, fora delas ainda havia patrulhas.
Curioso, Pedro matou os homens de guarda e foi até uma daquelas barraquinhas. Escolheu a que estava mais ao canto.
Chegando lá ele viu alguns baús lacrados à ferro. O que, claro, não era um entrave ao aristocrata dragonark.
Pah!
Ele abriu o cadeado à força e logo após se surpreendeu com o que viu dentro.
Ouro.
— Hum? Que estranho. Um sol com três traços? Essas paradas não são xilins…
Mas logo Pedro percebeu que não se tratava apenas de um único tipo diferente de moedas. Eram dois.
— Uma coroa e um homem barbudo? Quem é ele? — perguntou-se, analisando o formato do objeto circular.
O jovem ladrão achou tudo muito estranho.
“Por que os gaudérios guardam essas moedas?” refletiu.
Todavia, naquele momento ele escutou uma porta se abrindo. Era de uma sala afastada, levantada em uma das laterais da antiga mina.
— Eu não quero saber, Zangado! O Caolho levou o Zebra e mais uns homens hoje cedo e não voltou até agora. Ou eles aparecem amanhã, ou de qualquer forma estarão mortos! — proclamou a voz.
O homem ao lado tentou mediar.
— Não, chefi. Eles deve ter se metido em algum problema, o caolho não é de dá esses mole…
— Contanto que tragam as mulheres, posso pensar em me contentar só com um olho ou uma mão de cada.
“Mas aí o caolho vai ficá cego…” pensou o capanga.
Os dois caminharam até o final daquele lugar mal iluminado, onde tinha o que parecia ser uma escadinha.
Antes de descer o homem alto parou.
— Cadê os caras que eu coloquei aqui? — desconfiou.
— Eles deve tá bebendo, chefi. Talvez os cara já voltô com as moça…
O discurso do capanga o convenceu.
— Foda-se! Vamos… Mas quando terminarmos aqui, um deles vai morrer.
Quando os homens desceram, Pedro foi correndo até a porta de madeira. Antes de entrar, contudo, ele olhou para trás por alguns segundos.
“Talvez eu devesse matá-los…? Nha, isso não teria graça, meu plano daria errado e eu preciso de xilins, não dessas porcarias estrangeiras.” concluiu, adentrando de vez a salinha.
— Hum? Não tem nada demais aqui — comentou. Sob seu olhar só tinha uma cadeira e mesa de madeira que serviam de escrivaninha, além de um colchão de palha ao fundo e um pequeno baú.
O rapaz até arrombou o baú, mas…
— Ué, um sol? — perguntou-se, olhando para a pequena pintura. Mas logo em seguida guardou de volta o objeto.
“Melhor não chamar muita atenção” pensou.
Se virando para a mesa, ele viu uma carta. Aquilo o surpreendeu.
— Pensei que eles não sabiam escrever. Olha…! A letra desse cara é bonita.
Lendo o conteúdo, Pedro não pôde dizer que ficou surpreso. Se tratava de um relatório, com números, datas e nomes dos povoados e vilarejos que eles atacaram. Vilazinha estava incluída, mas faltavam os dados.
“Tudo tão sincronizado… tão certinho…” Aquilo atiçou a desconfiança do rapaz.
Ele não imaginou que bandidos pudessem ser tão organizados. Ao menos não com base no que havia visto até então.
— Droga! Eu queria guardar isso, mas aí ele saberia…
Pedro não sabia o que fazer agora. Seu plano exigia cautela e discrição, apesar dos homens que já matou e das coisas furtadas.
— Quer saber, que se dane! Já peguei emprestado tanta coisa, uma a mais não faz diferença. Vou levar essa merda sim — Ele disse, pegando a carta e a enfiando na mochila.
Logo depois ele deixou a salinha.
E aproveitando a ausência do chefe dos gaudérios, Pedro destrancou alguns outros baús. Todos tinham as mesmas moedas estranhas, mais algumas bugigangas de ladrão.
“Eu gostaria de saber de quem foi a brilhante ideia de guardar gazuas dentro de um cofre? Elas não servem justamente pra isso, arrombar cofres?” perguntou o ladrão em um tom perplexo.
O rapaz se apressou quando percebeu que as vozes estavam voltando. Ele queria evitar um embate.
“Quando acabarmos aqui, vou ter que ir correndo para a casa do barão safado. Esses caras logo, logo vão começar a procurar por aí e não posso deixá-los sair” concluiu, deixando de vez a caverna.
Quando enfim sentiu o ar puro da noite, Pedro deu uma longa lufada de ar. Em seguida virou a palma de sua mão para cima.
Por segundos, o fogo irradiou sob o céu estrelado.
Ssshhhh! Vuupt! Pow! Pow!
A oeste de onde Pedro estava, os recrutas perceberam o sinal.
— O sinal!
— Vamos, acende logo isso! — alertou o recruta.
O rapaz raspou a pederneira e assoprou o pavio. Em seguida, os três saíram correndo dali.
Foi uma questão de meio minuto, até que o show de verdade começasse.
KABOOOOOM!
Uma nuvem espessa de fumaça foi deixada onde antes era o extremo oeste do acampamento dos gaudérios.
— Vamos! — exclamou Pedro, aparecendo atrás dos três jovens subordinados.
…
Depois daquilo, o acampamento dos gaudérios ficou um caos.
Do monte, Pedro e os recrutas viam homens correndo de um lado para o outro. A situação perdurou por alguns minutos, quando um outro homem, alto e forte, saiu da caverna.
— Estão vendo aquele cara? — Pedro apontou. — Provavelmente é o chefe deles.
Os recrutas ficaram impressionados.
Aquele cara era muito diferente dos demais. Tinha a pele morena e cabelos cinzas, características incomuns naquele lugar. Além disso, era muito mais alto que a média.
Ele também tinha tatuagens que cobriam toda a parte visível de sua cota de couro. Sem dúvidas, um estilo selvagem.
— Esse cara deve ser muito forte — comentou Poodle.
Pastor e Nathalia pareciam concordar.
— Talvez — analisou o lorde. Em seguida, balançou os ombros e disse: — De qualquer forma, não é mais problema nosso. Vamos!
Os recrutas assentiram e então seguiram para fora da pequena montanha.
Aparentemente, o caos gerado pela última “carta precatória” no estoque de Pedro foi o suficiente para distraí-los, abrindo caminho para uma fuga bem sucedida dos ladrões de ladrões.
Quando o sol raiou, eles já haviam retornado com sucesso à Vilazinha.
E Rebecca, como de praxe, foi receber Pedro na entrada do povoado.
— Amooor! — gritou a garota, correndo até Pedro e se pendurando sobre seu pescoço.
Não muito surpreso em vê-la, o rapaz pegou-a em seus braços gentilmente.
Em seguida, ele usou a mão livre para acariciar seus cabelos e puxou seus lábios rosados para mais perto de sua própria boca.
O gosto da garota era um misto de doce com amargo, como uma bala de café ou um favo de mel.
Inicialmente suave, o sabor ia ficando cada vez mais intenso e forte, até que o tomasse por completo. Uma sensação complexa, indescritível, mas igualmente agradável.
— Acho que fiquei viciado em seus beijos — murmurou o rapaz no ouvido da garota.
O ambiente ficou colorido, despertando a timidez dos recrutas do sexo masculino.
— Leide Rebecca é muito bonita, né? — perguntou baixinho o mais alto deles.
— S-sim — respondeu Poodle timidamente — Lorde Pedro tem muita sorte!
Do outro lado, quem não parecia nada contente era Nathalia. A garota até abaixou a cabeça para não olhar a cena, algo que os outros dois perceberam, mas que nada podiam ou queriam dizer em consolo.
Em seguida, o jovem lorde colocou a mocinha no chão e se virou para seus subordinados, dizendo:
— Muito bem, vocês aí. Vamos rápido, temos que esconder a parada no meu porão. Senão algum espertinho pode ver e acabar estragando o plano. — Ele apontou para a mochila e as sacolas na grama úmida.
O inverno já estava no fim, mas os resquícios da neve ainda permaneciam no solo.
Os três assentiram e então obedeceram a ordem.
— Hum? O que é isso?
Rebecca ficou curiosa.
Todavia, o rapaz deu-lhe apenas um olhar travesso como resposta. A garota queria dizer algo, mas decidiu guardar para si, continuando a caminhada com eles.
Desse modo, os recrutas foram indo na frente com o saque, enquanto o casal seguia atrás.
Em um certo momento durante a jornada, no entanto, Pedro viu uma coisa que lhe chamou a atenção.
Do sul, vinha uma pessoa montada em um cavalo. Mas não qualquer pessoa, e sim uma com habilidades extraordinárias envolvendo a arte do hipismo.
Ela pulava por entre as rochas menores e desviava das grandes, tracejando uma meia-lua ascendente na planície próxima às plantações. Muito veloz.
Pedro ficou impressionado com aquilo.
“Com tal habilidade eu não precisaria ter pulado do cavalo em Douche. Também poderia usar nas missões; embora eu não precise, tenho certeza que os recrutas ficariam felizes se não carregassem tantos pesos. E o mais importante, eu quero ser tão maneiro quanto essa… perae! Essa pessoa não é…?” pensou o rapaz, encarando com mais profundidade.
A pessoa também os percebeu naquele momento. E vendo que se tratava do senhor da vila, a cavaleira veio até eles.
O semblante de Rebecca mudou na mesma hora, junto com a intensidade do aperto sobre a mão de Pedro.
— Oh, meu lorde! Minhas desculpas, não sabia que o encontraria por aqui a essa hora — disse a garota de cabelos verdes e pernas longas. Seu tom de voz era um pouco mais grave em comparação com as outras mulheres, mas mesmo assim muito agradável de se ouvir.
Pedro a encarou com encanto. Sua imagem em cima do cavalo lembrava muito uma certa cavaleira histórica que ele estudou em seus tempos na Terra.
— Não se desculpe, Celine… É assim que você se chama, “Celine”, não é? — perguntou-lhe o lorde.
A garota ficou surpresa.
— Não esperava que o senhor se lembrasse. Muito obrigada, me sinto honrada — disse ela, descendo do cavalo e se curvando levemente a Pedro.
O rosto de Rebecca já estava vermelho. Àquela altura, ela possivelmente estava pensando em formas de “neutralizar a ameaça” antes que fosse tarde demais.
Com a sua intuição afiada, junto com vários outros sinais envolvendo a falta de oxigenação em uma de suas mãos, o rapaz percebeu que não seria uma boa ideia render com ela. Por isso, se apressou e disse logo o que queria.
— Não seja por isso, fique à vontade para cavalgar, Celine. Se possível, gostaria de me juntar a você em uma outra hora.
— O senhor será sempre bem-vindo — respondeu a garota, em um tom neutro.
Rebecca lançou um olhar venenoso a seu namorado quando ouviu isso. Ele simplesmente deu de ombros.
Pedro então se despediu e seguiu com a garota e os recrutas de volta para a mansão.
Nem é preciso dizer que a garota de cabelos roxos interpretou muito mal a parte do “gostaria de cavalgar com você”. Provavelmente, as únicas palavras que se prestou a ouvir.
Atrás deles, Celine ficou encarando por um tempo, perdida em seus próprios pensamentos. Mas então viu a imagem cada vez mais distante e resolveu continuar sua rotina.