Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 50
Alguns dias depois da conversa com Jina no bar, Pedro marchou com seus policiais municipais e soldados remulus. O objetivo era uma encosta próximo a um pequeno riacho, afluente do rio Manzan.
Chegando lá ele se encontrou com as tropas de Oss sob o comando de Jin. E os dois juntos montaram acampamento.
Jin era muito diferente quando estava em sua forma masculina. Os trajes militares e o cabelo preso lhe davam uma aura marcial única, digna de um verdadeiro oficial. O contraste surpreendeu.
Desse modo, os dois ficaram alguns dias esperando que os demais lordes chegassem para realizar um ataque conjunto.
— Saudações, lorde Jin e Lorde Comandante — disse o homem que acabou de chegar, se referindo por último a Pedro, escolhido como líder da operação.
— Seja bem-vindo, lorde Hatton! — cumprimentaram os dois rapazes.
— É um prazer. Aliás, encontrei-me com Lorde Caring, senhor de Camring, no caminho. Viemos juntos. Ele está lá atrás instruindo suas tropas e mandou avisar que logo estará aqui conosco — disse o homem.
Ele então se sentou perto da fogueira junto aos outros dois chefes.
— O que nós sabemos até agora? — perguntou, aquecendo suas mãos próximo ao fogo.
— Nada fora do normal — respondeu Pedro. — Eles ainda continuam fortalecendo suas defesas, como eu falei nas cartas. Ontem a noite os vi carregando toras pela floresta, deve ser pra fortalecer ainda mais a porta de entrada da mina.
O homem de meia-idade assentiu.
Pouco tempo depois, o barão de Camring se juntou a eles.
— Olá, meus caros lordes e Lorde Comandante!
— Olá, lorde Karl — responderam eles.
Após, os quatro homens conversaram sobre suas viagens até a encosta e sobre as forças e características pessoais de suas tropas.
Pedro descobriu que o contingente que cada senhor poderia dispor em seu exército pessoal era limitado com base no título nobiliárquico que possuíam, com mais homens sendo permitidos apenas em casos especiais e com expressa autorização do Príncipe. Mesmo os três Grão-Duques, por exemplo, não tinham essa autorização.
Assim, lorde Caring era aquele com mais tropas, seguido pelo tio de Jin e depois pelos baronetes, colegas de Pedro. Todavia, era indiscutível o fato de que esse último era aquele com maior poder de fogo por unidade militar, além de também ser o mais versado nas artes do combate e experiência de guerra.
— Lorde Pedro, sobre a tal tática do terror que o senhor ensinou, é possível empregá-la num ataque direto como este?
— Sim, lorde Caring. Nós começamos a fazer isso desde que chegamos aqui, capturando os sentinelas e vigias deles, os cercando quando saiam em grupos — disse, completando consigo mesmo:
“E eu usei isso pra cegar suas cautelas e fazê-los confiar em mim com mais facilidade também. Mas óbvio, não vou te contar isso”.
— Entendo — respondeu o homem. Ele pareceu deslumbrado.
A conversa se seguiu daí, até que um homem com uma braçadeira amarela veio e os interrompeu. Ele se virou para Jin.
— Meu Lorde, precisamos do senhor para verificar a distribuição de provisões e a demarcação das acomodações para os novos homens — explicou o oficial da intendência.
Jin olhou de relance para as novas tropas que acabaram de chegar.
— Muito bem, já estou indo resolver isso — disse.
— Compreendido, lorde Jin! — disse, dando dois passos para o lado.
Isso foi o subordinado dando espaço, esperando o oficial superior.
— Meus lordes, lorde Pedro. Peço licença, mas tenho que ver isso. Volto mais tarde para conversarmos com mais intimidade, não se preocupem — disse essa última frase fitando Pedro, que sentiu um frio súbito na espinha.
Jin então fez uma breve saudação e foi embora resolver o assunto.
Nesse mesmo momento, um grupo de seis homens chegou também. Eles trajavam cotas de malha simples e tinham expressões preocupadas em seus rostos. Um deles se separou e veio apressadamente na direção dos lordes.
Ao chegar se virou com pressa e suado, despertando suas apreensões.
— Meus lordes, Lorde Comandante. Meu mestre, o senhor de Hollare, manda suas desculpas por não poder enviar um contingente maior. Infelizmente, ele foi convocado por seu suserano para Jamor com urgência, momentos antes da marcha para cá.
— O que houve em Jamor? — perguntou Pedro, indo direto ao ponto.
O homem fez uma careta complexa.
— Ainda não se sabe ao certo, mas Lorde Rolie mencionou a Floresta das Colinas e “um fato inacreditável” envolvendo a fúria dos deuses.
— Quê?! Fúria dos deuses? — O jovem comandante questionou, incrédulo com essa última fala do subordinado Hollare.
Mas um dos lordes presentes intercedeu por ele. O mais velho.
— Esse soldado está correto. Alguns de meus aliados e vassalos mais a Oeste relataram algo parecido em suas últimas correspondências.
Pedro ficou apreensivo.
“Será que Ed está com problemas? Estranho, Mark não falou nada disso antes de eu sair e também não enviou nenhuma mensagem. Vou perguntar pra ele depois”, pensou.
— Algo grave? — perguntou.
— Não diria isso, “misterioso” me parece a palavra certa para descrever o ocorrido — corrigiu o barão, gesticulando com o dedo.
Em seguida ele deu de ombros, completando:
— Bom, mesmo eu não sei muito mais do que isso. Estou apenas replicando as palavras de meus mensageiros e vassalos.
— Entendo — Pedro respondeu. Em seguida, eles fizeram mais algumas preparações e descansaram seus homens para o combate.
…
No meio daquela noite, chiados vieram da floresta acima da encosta.
Shiiiiiin! Shiiiiiin!
— Tsc! Esses caras são muito fracos. Acho que nunca vou me acostumar, a sensação é a mesma que furar pastel com faca.
O dono de tamanha troglodice não podia ser outro senão Pedro, que saiu sozinho para caçar as vidas dos sentinelas inimigos.
— Os números deles reduziram muito desde ontem a noite. Aposto que os safados tão armando alguma coisa — comentou.
O jovem shinigami estava tão frenético com a colheita de almas que sequer considerou a possibilidade de o contingente inimigo ter sido reduzido pela matança desenfreada dos últimos dias. Ou deles estarem com medo de se afastar muito do acampamento, exatamente pelo mesmo motivo.
Ao se aproximar da área demarcada próxima da base inimiga, Pedro viu um pequeno grupo de guardas em sua ronda noturna.
— Caceta, Piolho! Os cara não voltou até agora…
— Cê acha que a besta pego eles, zé? — perguntou o colega.
Um terceiro passou na frente, respondendo:
— Só vamo saber amanhã. Se tiver sangue mas não tivê corpo, então a besta pego eles. Ela sempre devora tudo, até a alma!
Eles engoliram seco. Infelizmente, esse foi o último ato de suas vidas.
Shiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiin!
Com um único grande movimento horizontal, Pedro cortou todas as jugulares. Eles seguraram os pescoços, sem entender nada enquanto a vitalidade deixava de vez seus cadáveres.
— [Chamas]! — recitou.
Após isso uma rajada de fogo apagou de vez aquelas existências, não deixando sequer os ossos como artefatos arqueológicos no futuro.
Em seguida, Pedro retornou ao acampamento na encosta, onde centenas de homens haviam se reunido para a batalha.
— Tudo pronto? — perguntou aos demais lordes e oficiais superiores.
— Sim! Lorde Comandante! — responderam juntos. A animação reverberava de suas vozes. Com Pedro ali, a moral estava alta.
O rapaz então fez um sinal com a cabeça e deu a ordem.
— Tropa, preparar e… marche!
E este foi o prelúdio para uma história sangrenta.
…
Ao se aproximar da clareira à frente da mina, os soldados aliados ficaram impressionados.
Em suas frentes estava uma grande cerca, feita com paletes de madeira e pontas afiadas. Além disso, havia estacas e também uma trincheira que, pelo pouco acabamento e profundidade rasa, deve ter sido cavada às pressas nos últimos dias.
Todavia, o obstáculo mais opressor era a porta de pedra que eles encontraram na entrada. “Porta” era apenas um nome bonito para aquele objeto grotesco, porém resistente.
— Hum… os pilantras colocaram alguns arqueiros atrás das cercas e uma meia dúzia de paspalhos para defender a área entre as estacas e as trincheiras — comentou Pedro, afiando o olhar.
— E agora, Lorde Comandante? Os cavalos não vão passar e nossos homens com escudos terão dificuldades em atravessar as trincheiras — avisou um oficial com um conjunto de ferro.
O oficial superior então parou alguns segundos para pensar.
“Como sempre, esses safados são assustadoramente bons em táticas. Como não quero revelar a esses lordes que sei usar magia, acho que vou ter que tentar aquilo então”, concluiu.
A seguir, o jovem chamou seus remulus e ordenou em latim.
— Tragam-me algumas árvores, as maiores que conseguirem encontrar!
— Sua ordem é um mandamento, Apóstolo! — responderam eles.
Dez minutos depois, chegaram com uma dúzia de toras grossas.
— É o bastante — disse o líder, levantando a mão para que ficassem em posição de descanso.
Eles assentiram e mais ordens vieram a seguir, dessa vez aos soldados normais.
— Rolem essas toras até a clareira, mas tomem cuidado para não ficar no alcance das flechas!
Alguns suspiraram com a ordem, sem entender o motivo. Mas seus lordes e superiores os compeliram a fazer como pedido pelo ex-Conselheiro do Grão-Duque.
— Está feito, Lorde Comandante! — relatou o oficial.
Pedro assentiu e em seguida caminhou com os homens até a parte mais meridional do campo inimigo.
Os do outro lado estranharam aquele movimento, mas permaneceram confiantes em suas posições. De lá, viram o rapaz de armadura de couro dar um poderoso chute em uma dessas toras.
Pah! O cilindro de madeira rodou, destruindo as estacas na frente das trincheiras e levando consigo todos os gaudérios que encontraram.
Gritos de dor e desespero soaram quando a grande árvore caiu sobre o buraco no solo, soterrando as partes dos inimigos junto com ela.
Sem vacilar, Pedro fez o mesmo com o restante dos troncos.
Pah! Pah! Pah!
Foi uma sucessão de chutes, seguidos de mais gritos de dor dos inimigos que tentavam fugir daquela posição mortífera. Não houve trégua para eles.
Após grande parte das trincheiras terem sido soterradas pelos troncos, ele avançou. Sozinho e com um escudo na mão, pulou acima das árvores e em seguida deu vários pisões nela.
— Ele está assentando o caminho à força! — exclamaram os lordes.
A boca de Karl Caring quase caiu. Já o senhor de Hatton quase perdeu a espada.
Jin, por sua vez, passou a olhar para Pedro ainda mais com encanto. Seus olhos surpresos tinham uma aura predatória que indicava suas intenções obscuras.
— Não fiquem aí parados. Avancem! — ordenou o comandante, acordando-os de seus delírios.
Os três lordes se viraram para suas tropas, gritando:
— Atacar!
Os soldados responderam, avançando com seus ímpetos inflados com a certeza da vitória.
— Aaaaaaah!
Shiiiiiiiin! Fliu! Pah!
Flechas voaram, espadas desceram e cabeças rolaram por todo o lado. Foi um massacre.
Meia hora depois e todos os gaudérios na entrada da mina estavam mortos, com suas tripas espalhadas no campo de batalha.
Os soldados sob o comando de Pedro estavam pensando em como fariam para derrubar o grande pedaço de pedra que os separava da verdadeira glória, enquanto o próprio Pedro pensava em maneiras de fazer isso sem revelar mais de sua força a eles.
Naquela hora, entretanto, a porta se abriu sozinha. A grande rocha estava sendo arrastada para frente.
Triiiiiiiik! Triiiiiiiiik!
O som que ela fez ao se arrastar pelo chão foi irritante.
— Em posição! — ordenou Pedro, percebendo o estranho movimento do inimigo.
O que aconteceu a seguir pegou todos eles de surpresa.